É de longa data a preocupação da doutrina processual com a efetividade dos processos executivos, talvez um dos maiores gargalhos do sistema jurisdicional brasileiro. Tanto pensando a execução de título extrajudicial como o judicial, conseguir obter um crédito ou um bem da vida junto ao devedor é quase uma missão impossível.
Conforme o último relatório “Justiça em Números 2021”, alusivo ao ano de 2020, o Judiciário apresentava um acervo de 75 milhões de processos pendentes de baixa, dos quais mais da metade (52,3%) se referia à fase de execução.
O maior problema da alta taxa de congestionamento na atualidade corresponde aos processos de execução fiscal, que representam 68% do estoque total dos processos executivos. Nos termos ainda do relatório, a razão pela qual estes feitos ainda continuam pendentes está atrelada à dificuldade de localização de patrimônio suficiente para a satisfação do crédito, sendo certo que “as dívidas chegam ao Judiciário após esgotados os meios de cobrança administrativos”.
Porém, ao mesmo tempo que se verifica esta alta taxa de congestionamento nos processos executivos, também é praxe de quem lida com esse tipo de demanda assistir o Judiciário moroso, demorando meses para analisar, dar andamento ou resolver questão incidental, o que corrobora para a perda da efetividade executiva.
“A execução efetiva da decisão [é] um elemento essencial da justiça”, já disseram em outra oportunidade os processualistas José Henrique Mouta Araújo e Marcelo Veiga Franco[1]. Contudo, ainda que assegurada como norma fundamental do processo civil brasileiro (art. 4º e 6º do CPC), a efetividade é algo difícil de ser alcançado nas execuções.
Mas como assegurar a efetividade às execuções extrajudiciais e judiciais?
É bem verdade que o problema é grave. E neste contexto, surgem ideias legislativas e ainda “coaches” na internet ensinando como conseguir localizar bens do devedor, como se a questão fosse se resolver a um passe de mágica.
Em termos práticos há uma tendência em se buscar medidas para se promover à desjudicialização da execução fiscal, que perpassa por conferir à Fazenda Pública maior autonomia para celebração de acordos, de perdão de valores, e até mesmo o incentivo ao emprego de técnicas e medidas executivas durante a fase administrativa.
A título exemplificativo tem-se a Resolução n. 261/2018 editada pelo CNJ que criou a Política e o Sistema de Solução Digital da dívida ativa, com o fito principal de estimular e facilitar o acordo entre as partes, sobretudo para conseguir solver dívidas consideradas irrecuperáveis pelo fisco. Há também outros exemplos que acabam por criar estratégias para assegurar maior celeridade ao Judiciário na resolução deste tipo de demanda (Resolução n. 325/20); a possibilidade de incluir certidões de dívida ativa em protesto extrajudicial (Lei n. 9.492/97) ou ainda, deferir a inclusão do nome do executado em cadastros de inadimplentes (Tema Repetitivo 1026 do STJ).
Também está em tramitação no Congresso Nacional projeto de lei (Projeto de Lei n. 4.257/2019), de autoria à época do Senador Antonio Anastasia, que visa a ampliar mecanismos de buscas por patrimônio do devedor e até mesmo da possibilidade da Fazenda Pública em lavrar auto de penhora, com averbação na matrícula do imóvel ou no registro de veículo.
Estes exemplos demonstram uma iniciativa do sistema em corrigir as falhas alusivas à morosidade e ausência de efetividade, mas ainda são muitos os problemas a serem averiguados.
Ainda que tenhamos essas iniciativas certo é que não houve sequer uma redução sensível nos estoques de execução fiscal, que é o principal objeto desta análise.
Além disso, muitas medidas extrajudiciais de execução acabam por esvaziar a própria função jurisdicional, e até mesmo a indagar sobre a constitucionalidade destas medidas, como apontam, José Henrique Mouta Araújo e Marcelo Veiga Franco:
Portanto, em que pese a complexidade e os problemas ligados à efetividade da execução fiscal, a retirada da titularidade do Poder Judiciário deve necessariamente passar pelo debate constitucional sobre a sua compatibilidade com a garantia constitucional da inafastabilidade da jurisdição estatal (artigo 5º, XXXV, da CRFB) e sobre a possibilidade (ou não) de deslocamento de atos executivos de invasão patrimonial ao Administrador Público ou aos demais agentes indicados no projeto de lei[2].
Ao mesmo tempo que surge este problema, não se perde de vista que assegurar meios para que a Fazenda Pública alcance maior solvência de seus créditos é um caminho sem volta.
Em que pese o debate acerca da constitucionalidade da adoção de um processo administrativo de execução, certo é que o mais importante a ser observado são os princípios da Administração pública e as garantias processuais constitucionais, que também são aplicáveis no âmbito administrativo, como o contraditório, a ampla defesa, a publicidade, a fundamentação das decisões, a duração razoável do processo.
A busca por efetividade executiva não pode gerar uma mitigação das garantias mais caras ao processo, pois, ao contrário, estaremos diante de uma expropriação patrimonial ilícita pelo Estado, violando um dos primeiros direitos fundamentais do cidadão que é o de não ter sua propriedade tolhida a força.
Pensar qual o futuro da execução fiscal ainda parece nebuloso, mas a única certeza que se tem é a de que o Judiciário não possui mais condições para lidar com a profusão de demandas do Poder Público, e equipar o ente com mecanismos e técnicas para solver os seus créditos desponta como a solução mais plausível e adequada para o momento.
[1] ARAÚJO, José Henrique Mouta; FRANCO, Marcelo Veiga. A desjudicialização da execução fiscal: reflexões sobre o PL nº 4.257/2019. Conjur. 09 de abril de 2021. Acesso em: https://www.conjur.com.br/2021-abr-09/araujo-franco-reflexoes-projeto-lei-42572019
[2] [2] ARAÚJO, José Henrique Mouta; FRANCO, Marcelo Veiga. A desjudicialização da execução fiscal: reflexões sobre o PL nº 4.257/2019. Conjur. 09 de abril de 2021. Acesso em: https://www.conjur.com.br/2021-abr-09/araujo-franco-reflexoes-projeto-lei-42572019