POLÍTICA PÚBLICA, DIREITO E CIÊNCIA POLÍTICA

UM DIÁLOGO NECESSÁRIO NA REALIZAÇÃO DE DIREITOS HUMANOS

Naiara Pontes/Divulgação

A realização dos direitos humanos é um dos temas centrais do Estado de Direito, de modo que o ordenamento jurídico e seus operadores tratam das diversas maneiras pelas quais estes devem ser implementados na sociedade. Embora tal atividade não se restrinja a uma forma única de atuação, é de praxe a utilização dos mecanismos de políticas públicas para o provimento dos diversos direitos garantidos nas normas abstratas que compõe o sistema.

Justamente por ser uma concretização de normas abstratas na sociedade, como a garantia à saúde ou à educação, observa-se que o tema das políticas públicas não se restringe somente ao campo do direito, de sorte que se verifica que ele atrai a atenção de muitos outros âmbitos de estudo como da ciência política, da sociologia e da economia. Tal constatação é justamente o reconhecimento da multidisciplinariedade das políticas públicas, característica que demanda que essas ações governamentais sejam analisadas por diversos âmbitos de estudo conjuntamente, visando, assim, a sua melhor compreensão e otimização.

Nesse cenário, o que aqui se busca é tratar da relação entre duas perspectivas da política pública, o direito e a ciência política, de forma a compreender a importância desta no desenvolvimento de ações para a implementação de direitos humanos.

O primeiro ponto a ser destacado é que a política pública não parece se limitar tão somente à aplicação desses direitos. Em verdade, parece que o escopo dessas ações extrapola esse objetivo, abrangendo diversos interesses públicos, os quais muitas vezes refletem a implementação de direitos humanos, mas não há necessariamente uma correlação direta. Nesse sentido, uma definição interessante para ações que podem ser consideradas como políticas públicas é aquela oferecida pelo cientista político James Anderson, pela qual a política pública é “um curso relativamente estável e intencional de ações governamentais, seguido por um ator ou conjunto de atores para lidar com um problema ou questão de interesse” [1].

Interessante acerca dessa definição é o destaque à noção da política pública como um processo, como um conjunto de ações complexas partindo de uma questão problemática até a sua tentativa de solução por meio dessa política pública. Nesse sentido, pode-se destacar como exemplo a garantia do direito ao acesso à educação. Diante da dificuldade de entrada de membros de classes sociais mais vulneráveis em instituições de ensino superior, os gestores públicos, especialmente a partir de meados da década de 90, com a promulgação do Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado de 1995, bem como da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, implementaram uma série de políticas públicas como o PROUNI, o ENEM e o FIES [2], visando a solução desse problema e consequente realização desse direito.

As leis que delineiam as políticas públicas para a consecução desses tão importantes direitos são uma parte relevante desse processo, mas a formação de uma política pública não se esgota na promulgação de seu regramento normativo. Afinal, o direito existe em um plano abstrato, de modo que a sua execução será realizada em um plano concreto. Noção ainda mais evidente no que toca à direitos humanos, os quais, por sua estrutura aberta [3], determinam que o Estado promova a manutenção e ampliação de tais direitos de modo perpétuo.

Ao compreender a perspectiva multidisciplinar da política pública e convidar outros campos de conhecimento à análise da implementação de direitos humanos por políticas públicas, permite-se alcançar a melhor compreensão de como o ordenamento jurídico enfrenta esses questionamentos até a formação de uma lei destinada a promoção de tais direitos, bem como no momento de sua execução.

Nesse sentido, destaca-se que a ciência política oferece uma série de mecanismos de compreensão de política pública que permitem entender todo esse processo, como aquele denominado “ciclo de políticas públicas”. Por meio dessa ferramenta, retoma-se a noção de que a política pública é um processo, o qual segue, em alguma medida, etapas lineares, envolvendo os mais diversos agentes de identificação de problema, formulação de soluções, implementação da política pública e avaliação [4].

A compreensão dessas fases fornece tanto aos agentes diretamente envolvidos no processo de formação de políticas públicas, quanto aos agentes que objetivam a compreensão da política pública em concreto, instrumentos que permitem entender as razões pelas quais esses processos obtém seus êxitos e seus fracassos.

Slide produzido por Layana Laiter, disponível em https://prezi.com/p/zo16vj6pmnln/ciclo-de-politicas-publicas/

Em uma análise dessas fases, verifica-se, por exemplo, as etapas de formulação de soluções e tomada de decisão, oportunidade em que são delineadas e decididas as políticas públicas [5]. Essas fases se desenvolverão no bojo da comunidade política, contando também com a participação de agentes não formais, e revelarão muitos aspectos da política pública. Afinal, um problema pode ser solucionado de muitas maneiras. Uma análise profunda da política pública não somente perpassa pela análise dos dispositivos legais da norma que a fundamenta, mas também pela compreensão de quais interesses e quais resistências são encontradas em sua formação. Assim, a observação dessas etapas é o que permite o entendimento do porquê e do como essa política pública foi escolhida.

Da mesma maneira, a adoção dessa ferramenta da ciência política permite a compreensão das fases posteriores a promulgação da lei, as quais remeterão à sua execução e avaliação. Como dito, a realização do direito pelo qual a política pública existe será efetivada na realidade, de modo que essas etapas são de suma importância, uma vez que visam a análise de como a política pública é executada, bem como para avaliar o sucesso desta. Nesse âmbito, inclusive, verifica-se que a avaliação extrapola o âmbito do direito, já que, dentro da ferramenta do ciclo de políticas públicas, ampliam-se as vias de avaliação para além da jurisdicional, atraindo também as vias político-eleitoral, legislativa e administrativo-interna [6].

Em verdade, o que se observa é que há uma relação importante, no âmbito da política pública, entre o direito e ciência política [7]. Uma relação intrínseca no sentido de que o direito promove os objetivos e as linhas gerais de uma política pública, ao passo que a ciência política permite uma compreensão mais aprofundada do desenvolvimento da política pública, desde a percepção de seu objetivo até a sua avaliação, promovendo não somente uma proposta de análise da política pública em concreto, mas fornecendo também lições para as demais políticas a serem implementadas. Em suma, um diálogo benéfico e necessário para a melhor implementação dos direitos humanos por meio das políticas públicas.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

[1] Trad. livre. No original: “a relatively stable, purposive course of action followed by an actor or set of factors in dealing with a problem or matter of concern”. ANDERSON, James E.. Public Policymaking: an introduction. 5a ed. Boston: Houghton Mifflin Company, 2003, p. 3.

[2] GUIMARÃES, André Rodrigues; TEIXEIRA, Elenilda Alves; OLIVEIRA, Julia Milena da Paixão. O PROUNI e a expansão privada da educação superior brasileira: análise do grupo de trabalho política de educação superior da ANPED (2005-2015). In: CHAVES, Vera Lúcia Jacob Chaves; AMARAL, Nelson Cardoso (orgs.). Políticas de financiamento da educação superior num contexto de crise. Campinas/SP: Mercado de Letras, p. 147-166, 2017, p. 148;

[3] GRIMM, Dieter. The role of fundamental rights after sixty-five years of constitutional jurisprudence in Germany. International Journal of Constitutional Law, v. 13, n. 1, p. 9–29, 2015, p. 16. Disponível em: https://academic.oup.com/icon/article/13/1/9/689880.

[4] Aqui faz-se uma referência às diversas fases do ciclo de políticas públicas, as quais se resumem em: identificação de problemas, formação de agenda, formulação de alternativas, tomada de decisão, implementação e avaliação. ANDERSON, James E.. Public PolicymakingOp. Cit., p. 27-28. Para uma análise aprofundada das diversas etapas do ciclo de políticas públicas, confira também: PRADO, Danilo Luchetta. Renúncia de receita tributária como política pública. 167f. Dissertação (Programa de Pós-Graduação em Direito) – Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Campinas-SP, 2020, p. 34-59. Disponível em: http://tede.bibliotecadigital.puc-campinas.edu.br:8080/jspui/handle/tede/1401.

[5] FONTE, Felipe de Melo. Políticas públicas e direitos fundamentais. 2a ed., São Paulo: Saraiva, 2015, p. 62-65.

[6] Ibid., p. 66-71.

[7] BUCCI, Maria Paula Dallari; COUTINHO, Diogo R.. Arranjos jurídico-institucionais da política de inovação tecnológica: uma análise baseada na abordagem de direito e políticas públicas. In: COUTINHO, Diogo R.; FOSS, Maria Carolina; MOUALLEM, Pedro Salomon B. (Org.). Inovação no Brasil: avanços e desafios jurídicos e institucionais. 1ed. São Paulo – SP: Blucher Open Access, p. 313-340, 2017, p. 317.

Autor

  • Mestre em Direito, área de concentração “Direitos Humanos e Desenvolvimento Social”, e especialista em Processo Civil pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas.



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