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O IUS CONTROVERSUM ROMANO E O PAPEL DOS JURISTAS

ius controversum ROMANO

Certeza e segurança jurídicas estão entre os valores desejáveis em qualquer ordenamento jurídico contemporâneo. Pode parecer antitético, por isso, o reconhecimento do contraditório e da ampla defesa como garantias fundamentais, que não só permitem, como partem do pressuposto que seja possível discutir diferentes interpretações do direito num processo judicial (ou administrativo)[1]. Assim como o processo contemporâneo pressupõe o contraditório, também os juristas divergem quanto à melhor interpretação do direito, sem que suas teorias possam ser falseáveis (no sentido popperiano do termo). Parece haver uma “unidade do discurso”[2] entre doutrina e prática jurídica que inexiste entre o cientista e seu objeto de estudo em outras áreas do saber (nem mesmo em outras ciências sociais)[3]. Isso significa que os “processos de argumentação” dos estudiosos do direito “não são muito distintos dos que realizam os órgãos aplicadores”[4].

Advertindo-se contra a ideia de fazer uma história do tipo “evolucionista”[5], sem se atentar para as mudanças profundas pelas quais passou o mundo nos últimos milênios, é possível reconhecer, seguindo Harold J. Berman[6], que há quatro características do direito moderno que são identificáveis no direito romano praticado em Roma, ou seja, na Roma antiga. A advertência sobre se tratar do direito romano na Roma antiga cabe porque o uso do direito romano a partir dos séculos 11 e 12 se deu por adoção, e não por sucessão, por meio da redescoberta, releitura e reexame dos textos clássicos.

As quatro características, inter-relacionadas, são: (a) uma diferença relativamente acentuada entre instituições jurídicas e outros tipos de instituições, (b) um corpo especial de pessoas para administrá-las, exercendo sua atividade profissionalmente, (c) o treinamento dos juristas em uma estrutura de ensino, conhecimento ou saber jurídico, e (d) uma complexa relação dialética dessa estrutura de saber jurídico com as instituições jurídicas. Isso significa que a estrutura de saber jurídico “descreve as instituições”, mas, por outro, as próprias instituições jurídicas “são transformadas pelo que é dito sobre elas”, o que significa que o direito engloba não apenas as instituições jurídicas, mas a produção intelectual dos juristas.

Segundo Tercio Sampaio Ferraz Júnior[7], a suficiente diferenciação social que caracterizava a sociedade romana possibilitou que as pretensões normativas passassem a se relacionar com regras e valores aceitos por todos. Enquanto em outras sociedades essas pretensões tinham “uma imediatidade expressiva (isto é, ou estamos no Direito, ou estamos excluídos socialmente)”, em Roma “são criadas possibilidades para que o chamado comportamento desviante também tenha seu lugar, permitindo-se ao delinquente uma argumentação com os mesmos valores e regras no intuito de neutralizar, simbolicamente, seu próprio comportamento”.

Com isso, vemos uma “especialização de juízos e tribunais”, e também um “nível de abstração maior” do direito, que se torna “um regulativo abstrato capaz de acolher indagações a respeito de divergentes pretensões jurídicas”. Daí a importância do pensamento prudencial, que “se separa do próprio Direito e permite, então, que o Direito em si não seja visto sob a forma de luta […], mas como uma ordem reguladora dotada de validade para todos, em nome da qual se discute e argumenta”. E assim, “o desenvolvimento da prudência permite que não se veja o Direito como assentado concretamente nos próprios eventos, mas em normas tomadas como critério para posterior julgamento à vista dos fatos”.

A iurisprudentia, ou atividade dos juristas, tinha papel fundamental, sendo não apenas uma das fontes do direito[8], mas “o momento central e unificador da experiência jurídica romana”[9]. O direito romano abrange um longo período, que vai desde a fundação mítica até a morte do imperador Justiniano. Os estudiosos de direito romano costumam subdividi-lo historicamente em período arcaico, pré-clássico, clássico e pós-clássico. A periodização não é isenta de críticas. Feliciano Serrao, por exemplo, aponta que ela não atende aos “problemas da contínua relação recíproca entre os institutos jurídicos e a formação econômico-social na qual esses institutos são criados e se desenvolvem”[10]. De todo modo, o panorama é útil para o que se segue.

Inicialmente, era o colégio dos pontífices o “depositário do saber jurídico”, responsável por declarar qual era o direito nos casos concretos. Entre os séculos 3 e 2 a.C., ocorreu um processo de laicização, em que o direito passou a ser declarado por juristas singulares, em substituição ao colégio dos pontífices. Surge, nesse momento, um dos traços mais característicos do direito romano, o chamado ius controversum, pois, enquanto opiniões individuais, os pareceres dos juristas laicos podiam divergir ou se contradizer, sem perder a autoridade como direito vigente[11]. Além disso, esses juristas laicos não respondiam apenas a consultas sobre casos concretos, mas passaram a se dedicar ao ensino do direito e à escrita de obras jurídicas, formando “escolas” de pensamento [12].

A partir de Augusto, inclusive, os imperadores passaram a conceder a certos juristas a autoridade de dizer o direito “como se fossem o imperador” (ius respondendi ex auctoritate principis). Os pareceres desses juristas não eram só vinculantes em relação ao caso concreto, mas podiam ser utilizados sempre que ocorressem casos semelhantes. Cabe destacar aqui que, da metade do século 3 d.C. em diante, pareca ter havido um “exaurimento” do “impulso criativo” dos juristas, quando cessam as notícias de novas obras. No século 5 d.C., temos notícia da chamada “lei das citações”, que limitou as citações às obras de cinco juristas e os citados por eles. Os juristas eram Ulpiano, Paulo, Papiniano, Gaio e Modestino. Conhecida como “tribunal dos mortos”, a lei previa que em caso de controvérsia, prevaleceria a opinião da maioria; em caso de empate, a solução de Papiniano. O Digesto, cuja força de direito vigente foi expressamente conferida por Justiniano em 533, foi uma grande antologia que reuniu excertos das obras dos juristas clássicos. Ao lado das Institutiones, do Codex e das Novellae, formou o que ficou conhecido a partir do século XVI como o Corpus Iuris Civilis, a principal fonte de cognição do direito romano, recepcionada pelos juristas medievais[13].

Com o cuidado de não traçar grandes inferências, portanto, podemos ver que duas características dos ordenamentos jurídicos contemporâneo, (a) a relevância da produção intelectual dos juristas para a prática e (b) a contraposição de diferentes interpretações do direito presente tanto na prática como na doutrina, têm semelhanças, respectivamente, com a iurisprudentia e o ius controversum do direito romano clássico. No entanto, deve-se proceder com cautela para não exagerar as semelhanças, não só em razão das monumentais diferenças históricas, mas também das conhecidas peculiaridades no método que caracterizavam a iurisprudentia romana, das quais não tratei aqui.

 

* Esta coluna é produzida pelos professores Bernardo Moraes e Tomás Olcese e por estudiosos convidados, todos interessados no Direito Romano e em suas conexões com o Direito Contemporâneo. Siga a coluna Direito Romano Contemporâneo no Portal Contraditor.com

[1] N. MacCormick, Rhetoric and the Rule of Law – A Theory of Legal Reasoning, Oxford, Oxford University Press, 2009, p. 16 e 27.

[2] A expressão “unity of discourse” usada por Jan M. Smits é de Edward L. Rubin. Para uma avaliação crítica da posição de Rubin, cf. M. Dan-Cohen, Listeners and Eavesdroppers: Substantive Legal Theory and Its Audience, in University of Colorado Law Review 63 (1992).

[3] J. M. Smits, What Is Legal Doctrine? On The Aims and Methods of Legal-Dogmatic Research, in E. L. Rubin, H.-W. Micklitz e R. van Gestel (orgs.), Rethinking Legal Scholarship – A Transatlantic Dialogue, Cambridge, Cambridge University Press, 2017.

[4] M. Atienza, Las razones del derecho – Teorias de la argumentación jurídica, México, Universidad Nacional Autónoma de México, 2005, p. 3.

[5] L. Oliveira, Não fale do Código de Hamurábi! A pesquisa sóciojurídica na pós-graduação em direito, in Sua Excelência, o Comissário e outros ensaios de sociologia jurídica, Rio de Janeiro, Letra Legal, 2006.

[6] Sigo neste parágrafo e no próximo as ideias de H. J. Berman, Law and Revolution – The Formation of the Western Legal Tradition, Cambridge, MA – London, Harvard University Press, 1983, p. 3–4 e 7–8.

[7] As referências deste parágrafo e do próximo foram extraídas de T. S. Ferraz Júnior, Função social da dogmática jurídica, São Paulo, Atlas, 2ª ed., 2015, p. 25–26.

[8] Pap. 2 defin., D. 1, 1, 7 pr.: “O direito civil é aquele que provém das leis, dos plebiscitos, dos senatusconsultos, dos decretos dos príncipes, da autoridade dos juristas”. (“Ius autem civile est, quod ex legibus, plebis scitis, senatus consultis, decretis principum, auctoritate prudentium venit”).

[9] Pomp. l. sing. ench., D. 1, 2, 2, 12: “…o direito civil em sentido próprio, sem ser escrito, consiste somente na interpretação dos juristas…” (“…proprium ius civile quod sine scripto in sola prudentium interpretatione consistit…”). Ver, também, D. 1, 2, 2, 5 e Gai. 1, 7.

[10] F. Serrao, Diritto privato – Economia e società nella storia di Roma – Dalla società gentilizia alle origini dell’economia schiavistica I, Napoli, Jovene, 2008, p. 7.

[11] M. Talamanca, Istituzioni di diritto romano, Milano, Giuffrè, 1990, p. 31–33.

[12] M. Marrone, Istituzioni di diritto romano, Palermo, Palumbo, 3ª ed., 2006, p. 45.

[13] M. Marrone, Istituzioni cit., p. 46 e 48–50.

Autor

  • Doutor em Direito (USP), com período de pesquisa na Universidade de Roma “Tor Vergata”. Foi professor na Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo e no Centro Universitário Carlos Drummond de Andrade. Recebeu o Prêmio Melhor Tese de Doutorado do Departamento de Direito Civil da USP (2016).

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