A produção de um ato decisório que seja coerente com o debate democrático e a concretude do caso perpassa pela necessidade de rompimento com as matrizes de viés positivista e a redução da decisão judicial como mero ato de silogismo, que camuflam fundamentos pautados em ideologias e na subjetividade do julgador. Decerto, perpetua-se a discricionariedade daquele que decide (solitariamente), sem se deixar influir pelo contributo da argumentação despendida pelas partes ao longo do procedimento.
A fundamentação adequada das decisões está atrelada ao resgate da importância do caso concreto e a ruptura com a aposta em emanação de decisões por simples fórmulas quase matemáticas.
A partir do contributo extraído das lições de Friedrich Müller, veja-se que há um alerta para abertura aos dados de um determinado caso. Significa dizer que a decisão judicial deve corresponder a um trabalho reflexivo do julgador e não mecânico, de modo que possa ser influenciado pelos elementos concretos.
Vê-se que é somente ao se atentar para as particularidades do caso concreto – a ser reconstruído endoprocessualmente pelos sujeitos processuais, em contraditório – é que se conduzirá a formação adequada e constitucionalmente legítima dos atos decisórios, na quadra do Estado Democrático de Direito.
Se cada caso concreto é único e irrepetível, tem-se que ao Judiciário não cabe apreciar teses jurídicas, descoladas do caso concreto subjacente, como se possíveis julgamentos abstratos, sob pena de repristinação do positivismo, que se mostra ultrapassado para a atual conjuntura.
O dever de fundamentação das decisões consentâneo ao Estado Democrático de Direito, e dentro do marco do modelo constitucional de processo, como observado, constitui-se como garantia constitucional (art. 93, IX, CRFB/88) assegurada aos cidadãos de controlabilidade do exercício do poder estatal (inclusive de suas arbitrariedades) e de legitimação dos pronunciamentos decisórios.
Não obstante ser esta garantia uma exigência constitucional, o que se vislumbra, na prática jurídica, são reiteradas decisões jurisdicionais em que os fundamentos se constituem simulacros (insuficiência de fundamentação), incidindo-se, continuamente, em ofensa à garantia constitucional.
Para a correção de rumos e visando a dar cumprimento à previsão constitucional, foi elaborado o artigo 489 do Código de Processo Civil de 2015, em especial ao parágrafo primeiro (objeto deste estudo) cuja disposição confere maiores contornos democráticos ao sistema processual brasileiro.
Na perspectiva da novel legislação processual civil, é imposto ao órgão julgador o dever de fundamentar toda e qualquer decisão, associados a um plus: o dever de correlacionar os fundamentos às especificidades do caso concreto.
Nesse sentido, a aplicação de atos normativos, ementas, enunciados de súmulas, precedentes não podem decorrer de forma automática e mecânica, o que, de igual modo, conduz a indicação de seus conteúdos à crítica dos demais sujeitos processuais, em espaço procedimentalizado, e assegurado aos cidadãos as garantias processuais constitucionais, para a emanação de atos decisórios em atenção às peculiaridades do caso concreto, homenageando-se, pois, o dever de concretude.
Em que pese a proposta legislativa inaugurada pelo Código de Processo Civil de 2015 ser benéfica e traduzir em melhorias para o dimensionamento de conflitos, com a formação de uma decisão que seja participada e democraticamente legítima, por si só, um novo texto legislativo não é capaz de transformar a prática jurídica.
Enquanto perpetuada a prática pelos órgãos jurisdicionais, sobretudo o Superior Tribunal de Justiça (órgão jurisdicional cujas decisões foram objeto de exame), de aplicação mecanizada de atos normativos, súmulas, precedentes e ementários, dissociada das particularidades do caso, dificilmente se alcançará uma decisão que seja adequadamente fundamentada, nos termos do modelo constitucional de processo e que prestigie o caso concreto.
Operacionalizar um sistema jurídico em que seus próprios órgãos jurisdicionais negam vigência à lei legítima e constitucional é o obstáculo a ser vencido.
Diagnosticar o problema, pois, é o pontapé inicial, mas isto não é o suficiente. A pesquisa, logo, não pode cessar. Há, ainda, um longo caminho a ser investigado, o que exigirá mais estudo, mais esforços e mais tempo.
O que se chega a conclusão é que a responsabilidade para se alcançarem decisões fundamentadas adequadamente, em respeito ao que dispõe o art. 489, §1°, CPC/15, não pode (e nem deve) ser atribuída somente ao julgador ou as partes que litigam em juízo. Tampouco somente aos serventuários, advogados, defensores e membros do Ministério Público. É sim, responsabilidade, de igual forma, de toda a comunidade jurídica e – principalmente – do papel crítico a ser exercido pela academia.
É preciso denunciar os problemas existentes e buscar apresentar soluções teorizadas que refletem e impactam o modo de ser da prática jurídica. Desta feita, uma alteração legislativa, que apresenta ganhos democráticos em seu texto, somente será aplicada e respeitada se todos os demais sujeitos forem responsáveis por sua efetivação, aliada a fatores como a capacitação profissional continuada, a atribuição de força persuasiva da doutrina e seu papel crítico no ensino jurídico, e, por fim, a mudança da cultura jurídica de seus operadores.