Coordenação: Miguel Kfouri Neto e Rafaella Nogaroli
Aspectos introdutórios
“Documento” é qualquer unidade de registro de informações, independente do formato ou suporte utilizado para registrá-las (lei 12.527/2011, art. 4º, inciso II). Neste sentido, “documento médico” representaria esta unidade de registro de informações técnicas envolvendo o exercício da Medicina, sendo estes dados sigilosos ou não, possuindo relevância jurídica e apto a produzir efeitos jurídicos diversos.
À título de exemplo, o laudo pericial poderá subsidiar o juiz como elemento de prova para compor a livre convicção motivada em sentença; a declaração de nascido vivo propiciará a confecção da certidão de nascimento, com reflexos em direitos na vida civil; o atestado médico poderá ser utilizado para abono de faltas por licença-saúde na empresa, assumindo efeitos na seara trabalhista.
“Documento médico” representa gênero que pode ser decomposto em dezenas de espécies diferentes e cada um com sua finalidade, uma delas o atestado médico. O verbo “atestar”, conforme definição, significa afirmar ou provar oficialmente (1); declarar por escrito (2); dar prova ou demonstração, revelar (3); testemunhar, depor (4). Portanto, atestado médico é espécie de documento médico que goza de fé pública e com a finalidade de prestar informação acerca da condição de saúde ou doença do paciente.
Classificação
O atestado médico possui natureza jurídica declaratória, em sua essência. No que se refere à origem ou procedência do emissor do documento, o mesmo pode ser emitido por profissional de saúde do setor público ou privado. Acerca da qualidade do documento, vale dizer, quanto à titularidade do profissional emissor é caracterizado como próprio, ou seja, é produzido pelo médico que realizou o ato médico em si.
Quando nos referimos à finalidade, importante destacar que o atestado médico poderá atender diversos fins, tais como assistência, administrativo, auditoria e perícia médica. Em virtude desta circunstância e, com a finalidade de maior assertividade do médico, sugere-se que o documento explicite a finalidade que se propõe atender. Embora não seja item obrigatório no conteúdo deste documento (conforme veremos adiantes), é ALTAMENTE recomendável estar expresso o objetivo finalístico, devendo ser evitada terminologia genérica “Atesto para devidos fins (…)”. Exemplificativamente, atestado médico que define especificamente afastamento/incapacidade temporária do colaborador de suas atividades laborais na empresa poderá não ser documento apto a produzir efeitos jurídicos em outras situações, como comparecer ao juízo como testemunha.
Quanto ao sigilo, o atestado é caracterizado como sigiloso, via de regra. Todavia, este sigilo poderá ser mitigado por anuência EXPRESSA do paciente.
Finalmente, o atestado é caracterizado como obrigatório, pois o médico é obrigado a expedir o documento, caso haja solicitação do paciente durante a consulta, conforme Resoluções do Conselho Federal de Medicina (CFM) nº 1.658/2002, art. 1º e nº 2.217/2018 (Código de ética médica), art. 86, in verbis:
Resolução CFM nº 1.658/2002, art. 1º:
“O atestado médico é parte integrante do ato médico, sendo seu fornecimento direito inalienável do paciente, não podendo importar em qualquer majoração de honorários. ”
Código de ética médica (CEM), art. 86:
É VEDADO AO MÉDICO:
“Deixar de fornecer laudo médico ao paciente ou a seu representante legal quando aquele for encaminhado ou transferido para descontinuação do tratamento ou em caso de solicitação de alta. ” (grifo nosso).
Conteúdo
Em que pese o direito inalienável do paciente obter no ato da consulta ao atestado médico, mediante solicitação, quem definirá o teor ou conteúdo do documento expedido será única e exclusivamente o médico, devendo o profissional trazer com maior verossimilhança/ fidedignidade possíveis a realidade do atendimento prestado ao paciente.
Esta liberdade para atuação profissional está expressa como princípio fundamental do CEM:
“ VIII – O médico não pode, em nenhuma circunstância ou sob nenhum pretexto, renunciar sua liberdade profissional, nem permitir quaisquer restrições ou imposições que possam prejudicar a eficiência e correção de seu trabalho. ” (grifo nosso)
Por se tratar de documento com fé pública, mas com veracidade relativa (iuris tantum), poderá o médico por ventura ser questionado em outras instâncias acerca do documento, tanto sob os aspectos formais quanto aos materiais (conteúdo).
Quanto aos requisitos formais e materiais obrigatórios do atestado médico, listamos cinco (05) requisitos materiais e três (03) requisitos formais que devem ser contemplados no documento, conforme CEM e Resolução CFM nº 1.658/2002, art. 3º.
Vejamos inicialmente os requisitos formais:
CEM, art. 82:
É VEDADO AO MÉDICO:
“Usar formulários institucionais para atestar, prescrever e solicitar exames ou procedimentos fora da instituição a que pertençam tais formulários. ” (Requisito nº 01: formulário com timbre da instituição vinculada ao atendimento)
Resolução CFM nº 1.658/2002, art. 3º:
“Parágrafo único: Quando o atestado for solicitado pelo paciente ou seu representante legal para fins de perícia médica deverá conter:
(…)
VII – Registrar os dados de maneira legível; (Requisito nº 02: Dados legíveis)
VIII – Identificar-se como emissor, mediante assinatura e carimbo ou número de registro no Conselho Regional de Medicina. ” (Requisito nº 03: identificação do emitente e registro profissional do emitente)
Quanto aos requisitos materiais, temos:
Resolução CFM nº 1.658/2002, art. 3º:
“Parágrafo único: Quando o atestado for solicitado pelo paciente ou seu representante legal para fins de perícia médica deverá conter:
I – O diagnóstico; (Requisito nº 01 – diagnóstico com CID, com anuência expressa do paciente)
II – O resultado dos exames complementares; (Requisito nº 02 – resultado de exames propedêuticos)
III – A conduta terapêutica; (Requisito nº 03 – terapias clínico-cirúrgicas instituídas)
IV – O prognóstico; (Requisito nº 04 – predição do curso da doença)
V – O provável tempo de repouso estimado necessário para a sua recuperação, que complementará o parecer fundamentado do médico perito, a quem cabe legalmente a decisão do benefício previdenciário, tais como aposentadoria, invalidez definitiva, readaptação; ” (Requisito nº 05 – tempo de afastamento)
Embora não estejam expressamente normatizados, outros requisitos IMPLICITAMENTE são essenciais para a validade do documento, como o nome completo do paciente e a data de emissão do documento.
A identificação do paciente irá individualizar o escopo de atuação do documento, ao atestar fatos atinentes à realidade e vicissitudes que particularizam a consulta do mesmo.
A data da emissão do documento deve exprimir a realidade da consulta médica prestada. Idealmente, o documento deve ser expedido na data do atendimento prestado. Excepcionalmente, o médico poderá emitir atestado com data retroativa, reiterando que o profissional é responsável para trazer com fidedignidade a realidade da consulta pretérita prestada ao paciente.
Ratificam este entendimento os Pareceres CRM-AM nº 06/2017 e CRM-DF nº 30/17:
Parecer CRM-AM nº 06/2017:
“Emissão de atestado médico com data retroativa ao atendimento. Validade. A legislação é silente quanto a este tipo de emissão, especificando somente sobre a ausência de validade nas hipóteses do art. 80 do CEM. Desta forma, havendo o atendimento médico realizado em prontuário médico, não há óbice em atestar atendimento anteriormente realizado. ”
Parecer CRM-DF nº 30/17:
“O atestado médico deve ser expressão da verdade sobre o que foi realizado em que foi executado o ato médico. Todavia pode atestar que o início da vigência seja em data anterior, desde que consubstanciados por evidências incontestes, sobretudo se contidas no prontuário. ”
Quanto à possibilidade de emissão de atestado com data futura, esta restará prejudicada senão inviabilizada. Em que pese alguns médicos confeccionarem tal documento, especialmente na circunstância de cirurgias eletivas previamente agendadas, tal situação poderá fragilizar a atuação profissional.
Ainda que estamos a tratar de eletividade de procedimento, o mesmo se refere à evento futuro e incerto, considerando que a cirurgia poderá ser desmarcada por diversos motivos, variáveis que podem envolver o paciente, o profissional ou a instituição. Portanto, poderá o atestado não configurar a expressão realidade do atendimento médico prestado. Além do ato médico precedente e indissociável do atestado não ter ocorrido, por decorrência lógica não haverá registro em prontuário médico da cirugia que suscitou a emissão do documento.
Hierarquia legal dos atestados médicos
Existe hierarquia legal dos atestados médicos, conforme modelo piramidal disposto abaixo.
O modelo piramidal proposto advém da inteligência da Lei federal nº 605/49, art. 6º, § 2º:
“A doença será comprovada mediante atestado médico da instituição da previdência social a que estiver filiado o empregado e, na falta deste e sucessivamente, de médico do serviço social o comércio ou da indústria; de médico da empresa ou por ela designado; de médico a serviço de representação federal, estadual ou municipal incumbido de assuntos de assuntos de higiene ou de saúde pública; ou não existindo estes, na localidade em que trabalhar, de médico de sua escolha.” (grifo nosso)
A Súmula nº 15 do Tribunal Superior do Trabalho (TST) ratifica este entendimento:
“A justificação da ausência do empregado motivado por doença, para a percepção do salário-enfermidade e da remuneração do repouso semanal, deve observar a ordem preferencial dos atestados médicos, estabelecida em lei.”
Atestado gracioso versus falso e aspectos éticos e legais
Atestado gracioso versus falso refletem duas situações completamente distintas.
O atestado médico falso se refere a um documento no qual o sujeito emissor se passa pelo médico, apondo carimbo ou registro profissional e assinatura, induzindo terceiro a erro. O médico titular do registro não prestou o atendimento ou sequer conhece o paciente. Desta forma simplificada, um estelionatário agindo em nome do médico. Esta ocasião é recorrente quando se verifica em uma instituição, por questões de praticidade, atestados em branco carimbados e que tais documentos são extraviados; quando o profissional médico perde o carimbo, não comunica o CRM jurisdicionante e terceiro utiliza do carimbo; ou mesmo na circunstância do estelionatário confeccionar carimbo de profissional aleatório para praticar o crime.
Diante da suspeita de atestado médico falso, compete a seara penal apurar tais circunstâncias, considerando que não é atribuição do CRM realizar exame grafotécnico em denúncias de falsidade ideológica, conforme Despacho CFM nº 105/2014:
“A realização de exames grafotécnicos não está na atribuição legal concedida por lei aos Conselhos de Medicina. Sendo assim, na situação narrada, o caminho a ser seguido pelo CRM jurisdicionante é questionar ao solicitante se deseja realizar uma denúncia contra o médico que emitiu o atestado ou se apenas busca uma prova pericial (exame grafotécnico) de um possível crime. Se a resposta for que deseja averiguar o crime, o CRM deverá esclarecer que foge à sua competência realizar o exame grafotécnico. Por outro lado, se a intensão do denunciante for representar contra o médico que emitiu o atestado, deverá o CRM instaurar sindicância para averiguar se há alguma falha ética no documento apresentado. É preciso esclarecer que o próprio solicitante poderá buscar informações junto ao médico para saber se emitiu ou não atestado médico supostamente falso. Neste caso, o CRM poderá fornecer os dados comerciais do médico para referida diligência. Se por ventura a resposta do médico for negativa, ou seja, não tiver emitido o atestado, não haverá, em tese, delito ético, mas sim crime, o que novamente afasta a competência do CRM.”
Por outro lado, o atestado gracioso se refere a um documento com falsidade ideológica. O médico atendeu (ou supostamente atendeu) o paciente. O profissional atesta informações inverídicas, consigna que o paciente necessita de afastamento de suas atividades (sendo que na realidade não é necessário) ou então emite o documento para satisfazer desejo pessoal do paciente sem de fato atender o mesmo. Nesta circunstância, poderá o médico responder sob o ponto de vista ético-disciplinar no CRM, conforme prevê o art. 6º, § 4º da Resolução CFM nº 1.658/2002:
“Em caso de indício de falsidade no atestado, detectado por médico em função pericial, este se obriga a representar ao Conselho Regional de Medicina de sua jurisdição. ”
Considerações finais
O atestado médico é documento que pode possuir múltiplas finalidades e goza de fé pública. Se, por um lado, seu fornecimento é direito inalienável do paciente/ representante legal, o médico tem autonomia para elaborar conteúdo verossímil à realidade do atendimento, sem ceder a imposições em seu trabalho. Diante deste binômio, o atestado poderá produzir efeitos jurídicos diversos, devendo o médico ter exata dimensão das informações prestadas. Por fim, e diante da necessidade de prestar informação acerca da patologia codificada pela CID (Classificação internacional das doenças), deverá o médico obter anuência expressa do paciente, com aposição da assinatura do mesmo no anverso do documento.
Siga o Portal Contraditor.com