Cada dia mais se torna mais próxima a relação do estudo do Direito com outros ramos dos saberes, como a economia e a neurociência, a ponto de termos, na atualidade, o que muitos denominam da disciplina de “Neurodireito”[1].
O próprio avanço tecnológico propiciou que entendêssemos melhor como funciona esta máquina humana (cérebro), tantos em termos biológicos quanto cognitivo. Como diz Eagleman, “agora podemos espiar dentro do crânio humano em muitos níveis, de fagulhas elétricas em células isoladas a padrões de ativação que atravessam vastos territórios do cérebro. Nossa moderna tecnologia deu forma e foco a nosso retrato do cosmo interior”[2] . Tantas conexões e padrões cerebrais repercutem em nosso modo de viver, e, em especial, em nosso modo de tomar decisões.
Inconsciente ou conscientemente, é natural do ser humano tirar vantagem de sua arquitetura mental, seja ao valorar uma conduta, seja para fazer uma escolha diante de um caso complexo e difícil, seja para impor uma determinada sanção.
Atrelado a este aspecto biológico, vê-se que ainda a sociedade contemporânea tem tornado complexo o processo decisório, sobretudo em razão da avalanche de informações, opções, caminhos a serem percorridos. O aumento do leque de escolhas acaba por potencializar dúvidas e incertezas e dificultar que as partes usem os métodos autocompositivos, já que, ao fim e ao cabo, ficará com a pulga atrás da orelha: “e se a decisão do magistrado for mais benéfica?”. Também dificulta a própria tomada da decisão judicial, principalmente diante de casos complexos, cujos várias são as teses a lastrearem a convicção do magistrado.
A bem da verdade as decisões judiciais são frutos de diversos fatores envolvidos: o aspecto técnico, os emocionais, os cognitivos, os vieses, as heuríticas[3]. E também é próprio do ser humano buscar mecanismos para reduzir “probabilidades de que ocorram resultados não desejados”[4].
Nesse contexto, as ferramentas do Neurodireito entram em ação, e em especial, neste texto, abordaremos a figura do “Nudge”.
Richard Thaler em coautoria com Cass Sunstein desenvolveu a denominada “Nudge Theory”, remontando aos estudos de Daniel Kahnemam. Em síntese, trata-se de uma metodologia para auxiliar tomadas de decisão com base na economia comportamental. Nas palavras de Alexandre de Morais Rosa, o “nudge” se apresenta “como uma forma de promover, ou melhor, de proporcionar ao indivíduo a tomada da melhor decisão possível, um nudge, termo que pode ser traduzido como “empurrãozinho” ou “cutucada”, é qualquer aspecto da arquitetura de escolha – no caso, argumento desenvolvido – que altera o comportamento das pessoas de forma previsível, sem proibir quaisquer opções ou alterar significativamente seus incentivos econômicos”[5].
Dentro de metodologias que utilizam a concepção de “nudge” – e muitos países já usam para fins de escolher melhores políticas públicas a seus cidadãos – são baseados em quatro pilares: make it easy; make it attractive; make it social; make it timely[6].
Em termos decisórios, um nudge não é um dever imposto ao indivíduo decisor, mas corresponde a um “cutucão” que tem o condão de mudar o comportamento das pessoas.
Dentro desta perspectiva, por mais que os sujeitos processuais busquem desenvolver argumentos jurídicos, é certo que o julgador envolve-se por este contexto comportamental, de modo que nudge, quando bem utilizado, pode acionar um gatilho e levar ao órgão jurisdicional apreciar algum ponto controvertido que poderia passar desapercebido.
Nesses termos, novamente com apoio nas lições de Alexandre Morais da Rosa, tem-se que “o nudge precisa ser customizado em cada contexto e pode ser representado por um argumento bem posto, que chame a atenção, uma jurisprudência ou doutrina aderente[7]”.
Desta maneira, o atual contexto jurídico exige várias habilidades e técnicas dos sujeitos processuais, para além do conhecimento técnico-jurídico. Conhecer como o cérebro funciona, como o comportamento humano sofre influências de diversos fatores, é um caminho obrigatório para todos que operam no sistema processual. O Neurodireito se mostra cada dia mais presente e o processo sofre com seus influxos.
[1] Em sua tese de doutoramento, Leonardo Wykrota busca trazer uma explicação para o fenômeno do Neurodireito, que tem surgimento, a princípio, no cenário norte-americano. Segundo o autor, “Trata-se de um campo interdisciplinar que surgiu nas décadas de 1990 e 2000 e que costuma se dividir em duas áreas: (a) o Direito da Neurociência, no qual o foco estaria em regular aplicações neurocientíficas e na preocupação com a possibilidade de incremento ou danos a direitos fundamentais; e a (b) Neurociência do Direito, voltada para os impactos que teorias e experimentos neurocientíficos podem ter nos fundamentos do Direito” (WYKROTA, Leonardo. Direito Constitucional Contemporâneo e análise institucional do Judiciário: um diálogo à luz da Neurociência, da teoria da evolução e do pragmatismo. Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, 2017, p. 85)
[2] EAGLEMAN, David. Incógnito: as vidas secretas do cérebro. Trad. Ryta Vinagre. Rio de Janeiro: Rocco, 2012, p. 27
[3] ROSA, Alexandre Morais. O uso do nugde no convencimento judicial penal. Consultor jurídico. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2018-jul-27/limite-penal-uso-nugde-convencimento-judicial-penal
[4] ANDRADE, Agenor; PEREIRA, Bernardo; GOÉS, Gisele. A utilização dos nudges nas sessões de mediação como instrumento da política nacional de tratamento adequado dos conflitos. Revista Eletrônica de Direito Processual – REDP. Rio de Janeiro. Ano 16. Volume 23. Número 2. Maio-Agosto de 2022. p. 01.
[5] ROSA, Alexandre Morais. O uso do nugde no convencimento judicial penal. Consultor jurídico. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2018-jul-27/limite-penal-uso-nugde-convencimento-judicial-penal
[6] Mônica Berçot El-Jaick ensina o que se entende por esses 4 pilares: Make it Easy, ou fazer ser fácil, tem relação direta com simplificação de processos, padrões pré-prenchidos e reduzir o esforço necessário para tomar determinada decisão. Ações que levem isso em conta possuem uma taxa de aceitação e engajamento maior. Make it attractive – fazer ser atraente – inclui não só recompensas e sanções, mas também formas de atrair a atenção por meio de imagens, cores e personalização. Make it Social, ou fazer ser social, mostra a importância do comportamento social, que claramente influencia outros indivíduos a fazer o mesmo. Utilizar o poder de redes sociais é um dos caminhos atuais mais relevantes. Da mesma forma, os formuladores de políticas precisam se atentar para não reforçar inadvertidamente um comportamento problemático ao enfatizar sua alta prevalência. Make it timely – fazer ser oportuno – trata de analisar quando a opção será posta frente ao indivíduo, uma vez que a mesma proposta oferecida em momentos diferentes tem mais ou menos probabilidade de ser aceita a depender do contexto. Tornar as pessoas mais receptivas a determinada ideia pode interferir drasticamente na sua aceitação ou rejeição. Aqui também se inclui a questão da imediatidade, sendo necessário levar em consideração que as pessoas tendem a se inclinar por benefícios no curto prazo em detrimento do longo prazo. (Nudges: o que são? De onde vêm? Para onde vão?. Disponível em: https://www.jota.info/coberturas-especiais/inova-e-acao/nudges-o-que-sao-de-onde-vem-para-onde-vao-22062021)
[7] ROSA, Alexandre Morais. O uso do nugde no convencimento judicial penal. Consultor jurídico. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2018-jul-27/limite-penal-uso-nugde-convencimento-judicial-penal