Introdução[1]
O presente texto propõe um ensaio sobre a análise da ratio dos enunciados das súmulas número 343 e 400, ambas do STF, e dos precedentes 590.809/RS e AG.REG. na ação rescisória 2.370/CE e, com isso, fazer um nexo entre a aplicação do dispositivo legal dos artigos 525, §12 ao §15 do Código de Processo Civil de 2015.
Trata-se de um trabalho de pesquisa, voltado a entender o que foi dito por cortes superiores (interpretar os “precedentes”). Baseado no que foi dito, procura-se saber se quem leu entendeu o que foi dito, ou seja, há “precedentes”, mas os julgadores que fizeram uso deles entenderam seu conteúdo? Esse é um questionamento.
Diante do que foi dito, apresentam-se diversos outros precedentes para ver se há então essa sintonia entre o que foi dito e o que andam dizendo. Há segurança jurídica? Há precedentes sendo fundamentados com a devida atenção e função prospectiva de serem precedentes. São essas questões as quais neste ensaio se procura responder.
O assunto tem fina ligação com o tema de efetivação contemporânea de direitos fundamentais, pois analisaremos o acesso às cortes superiores, a aplicação do princípio da igualdade e, também, sobre a coisa julgada. Os assuntos, certamente, têm relação com interpretação Constitucional, direitos fundamentais e processo civil.
1 Os dispositivos legais
Citam-se aqui alguns dispositivos legais, com o objetivo de verificar a positivação do tema no código de processo civil de 2015. Na sequência, apresentam-se diversos leading cases sobre os temas.
O art. 525, §12, trata da inexigibilidade da obrigação reconhecida em título executivo considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, verifica-se que a inconstitucionalidade pode ser no controle concentrado ou difuso:
§12. Para efeito do disposto no inciso III do § 1º deste artigo, considera-se também inexigível a obrigação reconhecida em título executivo judicial fundado em lei ou ato normativo considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundado em aplicação ou interpretação da lei ou do ato normativo tido pelo Supremo Tribunal Federal como incompatível com a Constituição Federal, em controle de constitucionalidade concentrado ou difuso. (grifo nosso)
O art. 525, §13, por sua vez, traz importante possibilidade de modulação no tempo:
§13. No caso do § 12, os efeitos da decisão do Supremo Tribunal Federal poderão ser modulados no tempo, em atenção à segurança jurídica.
O art. 525, §14 esclarece que, para efeitos de impugnação ao cumprimento de sentença, a decisão do §12º deve ser anterior ao trânsito:
§14. A decisão do Supremo Tribunal Federal referida no § 12 deve ser anterior ao trânsito em julgado da decisão exequenda.
Sendo a decisão do §12 posterior ao trânsito, caberá rescisória e não impugnação ao cumprimento de sentença e o prazo, polêmico, de acordo com o texto legal será contado do trânsito em julgado da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal. Assim:
§15. Se a decisão referida no § 12 for proferida após o trânsito em julgado da decisão exequenda, caberá ação rescisória, cujo prazo será contado do trânsito em julgado da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal.
Entende-se que a citação dos referidos artigos é importante por questão didática e, também, para o melhor estudo do assunto, pois agora se analisam alguns leading cases sobre o assunto e se verifica se o dispositivo legal é compatível com o entendimento das Cortes Superiores.
2 Súmula nº 343 do STF
O enunciado da súmula 343 do STF determina que “Não cabe ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais.”
O enunciado de súmula é de extrema importância e traz diversas consequências interpretativas em decisões de cortes superiores. Assim, optou-se por melhor explicar sua ratio e, ao final, interpretar o disposto no §15 do art. 525 do Código de Processo Civil de 2015.
A súmula foi aprovada em sessão plenária de 13/12/1963. A referência legislativa foi o Código de Processo Civil de 1939, art. 798, I, “c”. Os Precedentes citados foram AR 602 EI, publicação: DJ de 11/06/1964, RE 50046, publicação: DJ de 14/06/1963, RE 41407, publicações: DJ de 03/09/1959 e consta como observação no site do STF o AI 460439 AgR (DJ de 09/03/2007).
Sobre o AR 602 EI. Em ementa, afirma que “A rescisória não é cabível para dirimir matéria controversa decidida, em amplo debate, pelo plenário do Supremo Tribunal Federal.” Destaca em voto que “No julgamento da ação rescisória, ela só é procedente quando se verifica que a decisão tomada pelo Tribunal é nula pro ter violado manifestamente a lei” (p. 6). Em importante trecho, destaca que “não caberia ação rescisória para anular a sentença anterior do Supremo Tribunal, porque, em favor mesmo da tranquilidade pública, da tranquilidade jurídica, em razão mesmo da eficácia da coisa julgada, terminou o julgamento, ainda que tomado por maioria ocasional” (p. 7). Ainda sobre o tema, a decisão afirma que “se fossem embargos, o momento era oportuno, mas, em matéria controvertida, mudar a jurisprudência para julgar procedente a ação rescisória, baseando-se em questão posterior, em que o Tribunal resolveu firmar jurisprudência, isso é estranho.” (14)
Em RE 50046. Em ementa constou que, “para corrigir interpretação de lei, possivelmente errônea, não cabe ação rescisória.” Destaca o Ministro Victor Nunes Leal que “Se em todos os casos de interpretações de lei, por prevalecer aquela que nos pareça menos correta, houvermos de julgar procedente rescisória, teremos acrescentado ao mecanismo geral dos recursos (…).
Em RE 41407, em ementa constou que “rescisória – interpretação diversa dada a dispositivo legal – não cabimento.”
Neste ponto de indicar as decisões citadas no site do STF como ligadas ao enunciado da súmula, mesmo que do ano de 2007, indica-se o AI 460439 AgR (DJ de 09/03/2007) (veja que no site do STF há essa decisão indicada como “observação”). Na ementa da referida decisão, consta “ação rescisória: aplicação da súmula 343. Recurso extraordinário: descabimento. Em pedido de vista, o Min. Gilmar Mendes destaca que “não é de se invocar a súmula nº 343, em consonância com um vetusto entendimento do Supremo Tribunal Federal”.
Em seu fundamento de vista, o Min. Gilmar Mendes questiona se “nas hipóteses em que esta Corte fixa a correta interpretação de uma norma infraconstitucional, para o fim de ajustá-la à ordem constitucional, a contrariedade a esta interpretação do Supremo Tribunal, ou melhor, a contrariedade à lei definitivamente interpretada pelo STF em face da Constituição ensejaria a utilização da ação rescisória? Penso que sim.” (p. 25)
Para o Min., “controvérsia na interpretação de lei e controvérsia constitucional são coisas absolutamente distintas e para cada uma delas o sistema constitucional estabeleceu mecanismos de solução diferenciados como resultados também diferenciados.” (p. 25)
O Min. vai além e destaca que “a violação à norma constitucional, para fins de admissibilidade de rescisória, é sem dúvida algo mais grave a violação da lei.” (p. 26)
Para o Min. Gilmar Mendes, “A aplicação da Súmula 343 em matéria constitucional revela-se afrontosa não só à força normativa da Constituição, mas também ao princípio da máxima efetividade da norma constitucional”. (p. 29)
Em voto, o Min. Joaquim Barbosa afirma que “também penso que a Súmula 343 não tem aplicação, em se tratando de matéria constitucional” (p. 45).
Em voto, o Min. Cezar Peluso, falando sobre a súmula 343 afirma que “não tenho dúvida de que tal súmula ofende a Constituição.” (p. 50).
No adiantar dos votos, o Min. Gilmar Mendes destaca que “Como a questão se pôs, se se pôs à luz da Súmula mº 343, a qual é um tipo de “Geni”: na verdade, é invocada para tudo. E os tribunais invocam a Súmula nº 343 para matéria controvertida e, a partir daí, isso vira um samba lá não muito adequado. Então, é preciso que nós nos posicionemos …” (p. 75)
Ainda o Min. Gilmar Mendes pontua: “Só quero deixar, portanto, essa questão em aberto – apenas isso – para que, de fato, analisemos o cabimento das rescisórias, sim, tendo em vista a súmula nº 343, em matéria constitucional.
Mais uma vez a respeito do tema, o site do STF indica como tese de repercussão geral lidada à súmula 343 do STF o RE 730.462, rel. min. Teori Zavascki, 28/5/2015, “A decisão do Supremo Tribunal Federal declarando a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade de preceito normativo não produz a automática reforma ou rescisão das decisões anteriores que tenham adotado entendimento diferente. Para que tal ocorra, será indispensável a interposição de recurso próprio ou, se for o caso, a propositura de ação rescisória própria, nos termos do art. 485 do CPC, observado o respectivo prazo decadencial (CPC, art. 495).
Sobre o citado precedente, indica-se a leitura do art. 525, 15, pois após o trânsito em julgado o recurso pertinente é de fato a ação rescisória.
Pois bem. A ratio extraída do enunciado de súmula nº 343 do STF, com análise dos 3 julgamentos que deram origem ao enunciado é o não cabimento da rescisória como meio de uniformização de jurisprudência. Não trata o enunciado de súmula, ou mesmo as decisões que deram origem ao enunciado sumulado, sobre eventual restrição da súmula em matéria constitucional.
Há pouca discussão sobre o tema de ter cabimento ação rescisória quando a matéria envolvida for constitucional, apenas em votos e sem o devido contraditório, sendo impossível concluir que o enunciado de súmula ou os precedentes que deram origem ao seu conteúdo fosse concluir pela possibilidade de rescisão quando envolver questão constitucional. A ratio decidendi deste “precedente” não traz a análise deste ponto em questão, sendo possível apenas concluir que há uma obiter dictum sobre o tema na análise das decisões – verifica-se que não há fundamentos sobre nada neste ponto nos três precedentes indicativos de origem da súmula, mas apenas uma obiter dictum no precedente AI 460439 AgR (DJ de 09/03/2007) que tentou fundamentar o alcance da súmula 343 do STF.
Assim, o AI 460439 AgR (DJ de 09/03/2007) aborda em pano de fundo importante problemática e vai além do conteúdo da ratio do enunciado de súmula 343 do STF. Como afirmado, o questionamento gira em torno de saber se, em matérias constitucionais, poderia a súmula nº 343 do STF ser afastada. Embora com importantes contribuições ao tema, não há nos autos elementos para firmar uma tese ou delimitar fundamentos determinantes neste sentido. Vê-se, contudo, que este ponto é de essencial debate para o tema.
Assim, ratifica-se que a ratio do enunciado da súmula 343 do STF é pelo não cabimento da rescisória como meio de uniformização de jurisprudência, sem analisar se a matéria para o caso é constitucional ou infraconstitucional. O precedente posterior, indicado como preocupado em delimitar o alcance da súmula, também não firmou fundamento determinante sobre a possibilidade de rescisória tendo em vista matérias constitucionais.
A ratio de toda a discussão, súmula nº 343 do STF, aponta que tendo o STF proferido precedentes em determinado sentido, eventual decisão que tenha respeitado esse entendimento, quando ocorrer mudança do então entendimento, não poderá ser rescindida por questão de segurança jurídica. A súmula e os três precedentes não tratam, assim como os outros precedentes indicados pelo STF, sobre ter cabimento rescisória se a matéria for constitucional, ou se, por exemplo, o STF não tiver se manifestado sobre a tese, há decisão transitada em julgado sobre o tema e posteriormente o STF firma tese – são essas discussões não tratadas pelos precedentes e, portanto, não há ratio decidendi neste sentido.
3 Súmula nº 400 do STF
A súmula nº 400 do STF tem o seguinte enunciado: “Decisão que deu razoável interpretação à lei, ainda que não seja a melhor, não autoriza recurso extraordinário pela letra “a” do art. 101, III, da Constituição Federal.”
O site do STF traz quatro referências em julgamento que deram origem ao enunciado de súmula 400. O primeiro AI 29343, Publicação: DJ de 30/07/1964; o segundo AI 30500, Publicações: DJ de 17/12/1963; o terceiro AI 29843 Publicações: DJ de 14/11/1963 e o quarto AI 22357, Publicação: DJ de 04/10/1961.
Destaca-se que a leitura da súmula tem sentido se, incialmente, compreender que na Carta Constitucional de 1946 era de competência do Supremo Tribunal Federal a defesa da Constituição e também da lei infraconstitucional por meio do recurso extraordinário (art. 101, III).
Assim, a leitura dos quatro processos vinculados ao tema não traz extrato suficiente para formar uma ratio.
Mesmo não tratando sobre o tema, o enunciado da súmula 400 do STF, o site do STF indica que há o afastamento da súmula 400 em matéria constitucional. O site cita, para tanto, dois julgados:
RE 434.059, rel. Min. Gilmar Mendes, P, j. 7-5-2008, DJE 172 de 12-9-2008. Importante trecho destaca que “esta Corte já assentou que “temas de índole constitucional não se expõem, em função da própria natureza de que se revestem, à incidência do enunciado 400 da Súmula do Supremo Tribunal Federal” (…).
AI 145.680 AgR, rel. min. Celso de Mello, 1ª T, j. 13-4-1993, DJ de 30-4-1993. “Temas de índole constitucional não se expõem, em função da própria natureza de que se revestem, à incidência do enunciado 400 da Súmula do Supremo Tribunal Federal. Essa formulação sumular não tem qualquer pertinência e aplicabilidade às causas que veiculem perante o Supremo Tribunal Federal, em sede recursal extraordinária, questões de direito constitucional positivo. Em uma palavra: em matéria constitucional não há que cogitar de interpretação razoável. A exegese de preceito inscrito na Constituição da República, muito mais do que simplesmente razoável, há de ser juridicamente correta.
Neste sentido, “a súmula nº 343 nada mais é que a repercussão, na esfera da ação rescisória, da súmula nº 400 – que não se aplica a texto constitucional – no âmbito do recurso extraordinário” (RE 89.108, RTJ 101/207, voto do Min. Moreira Alves).
Ratifica o texto da súmula 400 que é possível interpretação razoável da lei, ou seja, não há um único sentido (uma norma jurídica) a ser extraído do texto legal. Para fins da ratio, esse ponto é o mais importante a ser extraído.
4 Recurso extraordinário nº 590.809 /RS
Nesta seção, também, de maneira proposital, faz-se análise detalhada e com alguns recortes do leading case, com repercussão geral, RE 590.809/RS – início de discussão em plenário 22/10/2014.
Pois bem. O pano de fundo discutido no recurso é de suma importância. O objetivo era, de acordo com Min. Marco Aurélio, saber se “a rescisória é instrumental voltado à uniformização da jurisprudência”, pois afirmou o Min. Relator que no caso ocorreu a mutação constitucional. O tema, portanto, como bem destacado pelo Min. Ricardo Lewandowski, é “cabimento de ação rescisória que visa a desconstituir julgado com base em nova orientação da Corte” (p. 24)
O Min. Marco Aurélio, relator, destaca que “a rescisória deve ser reservada às situações excepcionalíssimas, ante a natureza de cláusula pétrea conferida pelo constituinte ao instituto da coisa julgada” (p. 2). Afirma ainda o Min. relator que “presente qualquer grau de divergência jurisprudencial, mas de prestigiar a coisa julgada se, quando formada, o teor da solução do litígio dividia a interpretação dos Tribunais pátrios ou, com maior razão, se contava com óptica do próprio Supremo favorável à tese adotada” (2).
Afirma o Min. Marco Aurélio que “Não posso admitir, sob pena de desprezo à garantia constitucional da coisa julgada, a recusa apriorística do mencionado verbete, como se a rescisória pudesse “conformar” os pronunciamentos dos tribunais brasileiros com a jurisprudência de último momento do Supremo, mesmo considerada a interpretação da norma constitucional.” (p. 4).
Preocupado com a mutação constitucional, prazo da rescisória e cabimento de rescisória para uniformizar jurisprudência, o Min. Marco Aurélio destaca que “Hipoteticamente, vamos admitir mutação constitucional subsequente: todos os acórdãos formalizados no período, inspirados no pronunciamento do Supremo, serão passíveis de rescisão? A insegurança grassará.”
A Min. Cármen Lúcia, após pedido de vista, conclui que “O julgado recorrido desconsiderou a alteração jurisprudencial promovida por esse Supremo Tribunal Federal em data posterior à decisão rescindenda e que o julgado rescindendo levou em conta o que prevalecia como orientação jurisprudencial.” (48)
O Min. Teori Zavascki afirmou que, “No que se refere especificamente à súmula 343/STF, essa doutrina enuncia o seguinte: para privilegiar a segurança jurídica representada pela estabilidade da coisa julgada, justifica-se a manutenção das sentenças que tenham dado interpretação razoável aos preceitos normativos, ainda que não a melhor.” (p. 52)
Em resumo, o Min. Teori Zavascki destacou que “em nome da segurança jurídica, toleram-se interpretações equivocadas, desde que não se trate de equívoco aberrante.” (p. 52)
Na sequência do voto, o Min. Marco Aurélio firma que “Admitirmos, a esta altura, o cabimento da rescisória é compará-la a rescisória a um instrumento diverso, não a tomando como ação autônoma de impugnação, mas, sim, como um meio de uniformização da jurisprudência. É colocar em segundo plano que o Supremo sinalizou aos Regionais Federais o alcance da Carta da República.” (p. 58)
A Min. Rosa Weber iniciou seu voto com uma importante discussão, pontuando que “registrei que era consolidada a jurisprudência desta Corte no sentido da inaplicabilidade da Súmula 343, quando a matéria versada nos autos fosse de cunho constitucional, mesmo que a decisão objeto da rescisória tivesse sido fundamentada em interpretação controvertida ou anterior à orientação fixada pelo Supremo Tribunal Federal”. (64).
Afirmando ainda pela necessidade de segurança jurídica, a Ministra assevera que “Mais do que nunca, no nosso Direito, nós estamos quase que a adotar a teoria dos precedentes judiciários. Eles são fundamentais.” (64)
O Min. Gilmar Mendes acompanhou o voto do Min. Teori Zavascki. Afirma o Min. Gilmar Mendes que “o caso não tinha sequer se pacificado, quer dizer, não tinha vindo a publicação do acórdão”. (67) Entendeu o ministro pela negativa do provimento do recurso.
O Min. Celso de Mello inicia seu voto destacando “o alto significado jurídico e político-social da coisa julgada e da segurança jurídica, que representam valores fundamentais cuja integridade há de ser preservada por esta Suprema Corte, em sua legítima condição de guardiã da ordem constitucional.”(68)
Ainda sobre a coisa julgada, o Min. afirma que “a coisa julgada em sentido material, notadamente a imutabilidade dos efeitos inerentes ao comando sentencial, recebem, diretamente, da própria Constituição, especial proteção destinada a preservar a inalterabilidade dos pronunciamentos emanados dos Juízes e Tribunais, criando, desse modo, situação de certeza , de estabilidade e de segurança para as relações jurídicas.” (69)
Ainda o respeito da coisa julgada, o Min. complementa, “É por essa razão que o Supremo Tribunal Federal, por mais de uma vez, já fez consignar advertência que põe em destaque a essencialidade do postulado da segurança jurídica e a consequente imprescindibilidade de amparo e tutela das relações jurídicas definidas por decisão transitada em julgado.” (72)
Encerra ainda o Min. resumindo que “Todas as considerações que venho de fazer resumem-se a um único ponto, que consiste no reconhecimento de que a segurança jurídica, proporcionada pela autoridade da coisa julgada, representa, no contexto de nosso sistema normativo, o fundamento essencial da ordem constitucional, necessariamente condicionante da resolução da presente controvérsia”. (83)
Ao final, por questão de ordem, o Senhor Procurador da Fazenda Nacional questiona se a tese de repercussão geral é “sentido de que não cabe ação rescisória em face de acórdão que, à época de sua prolação, estiver em conformidade com a jurisprudência predominante do Supremo Tribunal Federal.” (85)
Em resposta, o Min. Marco Aurélio afirma que “a base do meu voto é justamente esta” (85)
O Min. Celso de Mello destacou, após discussão, que “Aplicável, de modo geral, a todos os casos e não apenas aos litígios de natureza tributária.” (87)
Possível extrair, portanto, como fundamento determinante do referido leading case, com repercussão em todos os relacionados ao tema, que não é a rescisória instrumento voltado à uniformização da jurisprudência. Ou seja, a rescisão não tem cabimento para rescindir tese posteriormente alterada pelo STF. Melhor explicando, alterando a tese de entendimento do STF, eventuais decisões transitadas em julgadas não podem ser objeto de rescisória.
Em obiter dictum[2] foi discutido se o tema tem cabimento em matérias constitucionais ou infraconstitucionais, mas na decisão não há debate suficiente sobre o tema para formar uma ratio. Não passou ela pelo crivo do contraditório, não há debate e fundamentos suficientes para extrair do julgamento referida conclusão neste sentido – a ratio do tema não abrangem, portanto, esse fundamento.
Destaca-se que o referido precedente aborda temática na qual havia orientação do STF no sentido da decisão, mas posteriormente foi modificado o entendimento. Assim, o precedente foi de privilegiar a coisa julgada. Não abordou o precedente discussão sobre outras possibilidades, tais como: não existia orientação do STF, há decisão transitada em julgado e a ação rescisória seria meio para uniformizar jurisprudência; ou outra hipótese, onde há sinalização de mudança de orientação do STF e a rescisória seria meio para uniformizar a jurisprudência para deixar o novo entendimento após ser consolidado pelo órgão. São essas hipóteses não tratadas pelo RE 590.809/RS.
Na sequência, importante a leitura do AG.REG. na ação rescisória 2.370/CE que buscou interpretar o RE 590.809/RS, afirmando não ter cabimento da rescisória mesmo quando se tratar de norma constitucional.
5 AR 2370 AgR/CE que interpretou o RE nº 590.809
O AG.REG. na ação rescisória 2.370/CE fez por bem interpretar o RE 590.809/RS. Toda decisão tem seu efeito vinculativo a posteriori, ou seja, o que importa é a interpretação de decisões posteriores à decisão proferida. A interpretação é inerente ao texto e a AG.REG. na ação rescisória 2.370/CE fez, em parte, essa função.
Em 22/10/2015, o plenário, tendo como relator o Min. Teori Zavascki, em constar em ementa que “Ação rescisória. art. 485, V, do código de processo civil. Matéria constitucional. Rescisão de acórdão que aplicou jurisprudência do STF posteriormente modificada. Não cabimento da ação rescisória como instrumento de uniformização da jurisprudência do tribunal. (…) Ao julgar, em regime de repercussão geral, o RE 590.809/RS, (Min. Marco Aurélio, DJe de 24/11/2014), o Plenário não operou, propriamente, uma substancial modificação da sua jurisprudência sobre a não aplicação da Súmula 343 em ação rescisória fundada em ofensa à Constituição. O que o Tribunal decidiu, na oportunidade, foi outra questão: ante a controvérsia, enunciada como matéria de repercussão geral, a respeito do cabimento ou não da “rescisão de julgado fundamentado em corrente jurisprudencial majoritária existente à época da formalização do acórdão rescindendo, em razão de entendimento posteriormente firmado pelo Supremo”, a Corte respondeu negativamente, na consideração de que a ação rescisória não é instrumento de uniformização da sua jurisprudência.
Em seu voto, o Min. Teori Zavascki afirma que “É importante, para esse e outros casos de ação rescisória em matéria constitucional, esclarecer o alcance da decisão do Plenário no julgamento do RE 590.809/RS.”. Destacou ainda o Min. que “A resposta, adotada pelo relator e pela maioria, foi negativa. Considerou-se que a ação rescisória não poderia ser utilizada como simples mecanismo de uniformização da jurisprudência, não fazendo sentido, portanto, embora se tratando de matéria constitucional, enfocar o caso sob a ótica da não aplicação da Súmula 343.”
O Min. Teori Zavascki ainda reforçou o entendimento de que “Em outras palavras: o que o Tribunal afirmou, naquela oportunidade, foi que a superveniente modificação da jurisprudência do STF não autoriza, sob esse fundamento, o ajuizamento de ação rescisória para desfazer acórdão que aplicara jurisprudência firme até então vigente no próprio STF.”
O fundamento determinante do AG.REG., na ação rescisória 2.370, é o de reforçar a ratio descrita acima do RE 590.809/RS. Fez, inclusive, menção de independente da matéria ser infraconstitucional ou constitucional, eventual alteração de entendimento não pode ser rescindida por rescisória.
Este é, inclusive, nosso entendimento. A interpretação é única e alinhada com a constituição. Não há cabimento afirmar que, se a matéria for constitucional, há possibilidade de rescisória em eventual alteração de entendimento. Sendo a matéria constitucional ou infraconstitucional, a interpretação deve ser alinhada com a constituição, logicamente, e sendo matéria constitucional ou inconstitucional, a rescisória não tem a finalidade de servir como instrumento voltado à uniformização da jurisprudência.
Pode ser a rescisória fonte de interpretação do precedente em casos específicos, para ratificar entendimento firmado ou esclarecer determinadas teses. Diga-se que, inclusive, pode ser ela necessária neste ponto, pois como há algumas decisões com forte força vinculativa que desde logo proferida passam a ser de cumprimento obrigatório, a rescisória pode esclarecer e ratificar o conteúdo vinculativo da decisão (sua ratio).
O precedente AG.REG., na ação rescisória 2.370, presta, portanto, a uma importante função de interpretar o precedente firmado em RE 590.809/RS, inclusive afirmando que seu alcance é independente de tratar sobre norma constitucional.
O leading case citado é, portanto, aparentemente contrário ao texto do art. 525, §15 do código de processo civil de 2015.
Embora “diga” isso o precedente, não se entende possível extrair essa análise como uma ratio decidendi, pois mesmo sendo parte fundamental da decisão, não tem ela debate necessário e contraditório sobre o assunto. Não tem a capacidade, portanto, de ser segura ratio sobre o assunto e precedente obrigatório a ser seguido neste sentido. Como adiante se vê, mesmo com o conteúdo posto até o momento, o tema ainda não é pacífico.
Assim, analisadas as ratio de súmulas, os precedentes que deram origem ao conteúdo sumulado, bem como precedentes posteriores que tentaram delimitar o alcance da matéria, passa-se a analisar precedentes nos quais o tema foi utilizado. Queremos entender se as cortes superiores entenderam o que foi dito.
6 Afastamento da súmula nº 343 do STF por matéria constitucional
Verificam-se agora precedentes do STF, deixando de aplicar a súmula 343 em matérias constitucionais. O problema destacado desde logo é que muitas citam como fundamento o enunciado da súmula 343 do STF, mas já se pode observar que essa conclusão não é possível obter com a análise de enunciado da súmula ou com os precedentes indicativos de sua origem.
Assim, na sequência, algumas decisões afastando a aplicabilidade da súmula 343 em matérias constitucionais.
AI 305592 AgR/RS. Relator(a): Min. Moreira Alves. Julgamento: 20/02/2001. “Ementa: Agravo regimental. – Inexistência de ofensa ao artigo 5º, XXXVI, da Carta Magna sob o ângulo da coisa julgada e da não aplicação da súmula 343 desta Corte, pela singela razão de que o enunciado dessa súmula se situa exclusivamente no plano da interpretação da legislação processual infraconstitucional, como se vê de sua referência legislativa.”
RE 89.108/GO, DJ de 19.12.1980: “a súmula nº 343 nada mais é que a repercussão, na esfera da ação rescisória, da súmula nº 400 – que não se aplica a texto constitucional – no âmbito do recurso extraordinário” (RE 89.108, RTJ 101/207, voto do Min. Moreira Alves)
AG.REG., na ação rescisória 1.981/DF, 20/02/2018, Plenário, Min. Ricardo Lewandowski: “O enunciado da Súmula 343/STF não configura a hipótese dos autos, uma vez que sua aplicação não abrange interpretação do texto constitucional, como na espécie.
RE 101.114/SP. “Ação rescisória. Acidente do trabalho. Trabalhador rural. Ofensa ao art. 165, pár. único da Constituição. Súmula 343 (inaplicação). A atribuição ou extensão de benefício previdenciário a categoria não contemplada no sistema próprio implica ofensa ao art. 165, § único da CF, dada a inexistência do pressuposto da correspondente fonte de custeio total. A Súmula 343 tem aplicação quando se trata de texto legal de interpretação controvertida nos tribunais, não, porém, de texto constitucional. Recurso Extraordinário conhecido e provido.’ (RE nº 101.114/SP, 1ª Turma, Min. Rafael Mayer, D.J. de 10.2.84)
AgRg no RE 235.794/SC – 2a T. – Rel. Min. Gilmar Mendes – DJU 14.11.2002: “É inaplicável o verbete 343 da Sumula do STF (Não cabe ação rescisória por ofensa a literal dispositivo da lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpreta controvertida nos tribunais) em matéria constitucional, por afrontar não só à força normativa da Constituição, mas também ao princípio da máxima efetividade da norma constitucional porquanto admitir-se a aplicação da orientação contida no referido verbete em matéria de interpretação constitucional significa fortalecer as decisões das instâncias ordinárias do Tribunal Superior do Trabalho, que não conhecera de ação rescisória ao fundamento de que não houvera indicação expressa do art. 5º, XXXVI, da CF (…).
RE 328.812/AM-AgR, 11/12/2012, STF. “Ação Rescisória. Matéria constitucional. Inaplicabilidade da Súmula 343/STF. 5. A manutenção de decisões das instâncias ordinárias divergentes da interpretação adotada pelo STF revela-se afrontosa à força normativa da Constituição e ao princípio da máxima efetividade da norma constitucional. 6. Cabe ação rescisória por ofensa à literal disposição constitucional, ainda que a decisão rescindenda tenha se baseado em interpretação controvertida ou seja anterior à orientação fixada pelo Supremo Tribunal Federal.”
STF, Ação Rescisória 1409/SC. 26/03/2009, “Preliminar de descabimento da ação por incidência da Súmula STF 343. Argumento rejeitado ante a jurisprudência desta Corte que elide a incidência da súmula quando envolvida discussão de matéria constitucional.”
Pleno – AR 2457 AgR, Rel. Min. Edson Fachin, Pleno, DJe: 24/08/2017: “Nos termos da jurisprudência do STF, torna-se aplicável a Súmula 343 do STF aos casos em que se cogite interpretação controvertida de questão constitucional nos tribunais. Precedente: RE-RG 590.809, de relatoria do Ministro Marco Aurélio, Tribunal Pleno, DJe 24.11.2014.” (…) “Assenta-se, ainda, que a Súmula 343 do STF não se aplica em matéria de cunho constitucional.”
RE nº 103.880/SP, 1ª Turma, Min. Sydney Sanches, D.J. de 22.2.85: “Ação rescisória. Acidente do trabalho. Trabalhador rural. Ofensa ao art. 165, parágrafo único da Constituição Federal. Súmula 343 (inaplicabilidade). A atribuição ou extensão de benefício previdenciário a categoria não contemplada no sistema próprio implica ofensa ao art. 165, parágrafo único, da Constituição Federal, dada a inexistência da correspondente fonte de custeio. A Súmula 343 tem aplicação quando se trata de texto legal de interpretação controvertida nos tribunais, não, porém, de texto constitucional. Recurso extraordinário conhecido e provido.”
Neste sentido também o STJ em matérias constitucionais.
EREsp 687.903/RS, 04/11/2009, “Ação rescisória. A Súmula nº 343 do Supremo Tribunal Federal não se aplica em matéria constitucional. Embargos de divergência conhecidos e providos. (…)
AgInt na ação rescisória nº 4.865/SC, Ministro Mauro Campbell Marques, 12/06/2019, “Ação rescisória. Descabimento. Súmula 343/STF. Aplicabilidade também para as questões constitucionais onde inexistente controle concentrado de constitucionalidade.” (…) “Apenas nos casos onde houver manifestação do STF vinculante via controle concentrado de constitucionalidade é que a Súmula n. 343/STF deve ser afastada, tendo aplicação nos demais casos.”
EREsp 608.122/RJ, 09/05/2007, “Processual civil. Ação rescisória (CPC, art. 485, V). Matéria constitucional. Inaplicabilidade da súmula 343/STF. Existência de pronunciamento do STF, em controle difuso, em sentido contrário ao da sentença rescindenda. (…) “Essa, portanto, a orientação a ser seguida nos casos de ação rescisória fundada no art. 485, V, do CPC: em se tratando de norma infraconstitucional, não se considera existente “violação a literal disposição de lei”, e, portanto, não se admite ação rescisória, quando “a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais” (Súmula 343). Todavia, esse enunciado não se aplica quando se trata de “texto” constitucional.”
Esp 111150/RS. T1 – Primeira Turma. Publicação DJ 14.12.1998: “A Súmula nº 343/STF “nada mais é do que a repercussão, na esfera da ação rescisória, da Súmula nº 400 – que não se aplica a texto constitucional – no âmbito do recurso extraordinário”. (RTJ 101/214). “Se a lei é conforme a constituição e o acórdão deixa de aplicá-la à guisa de inconstitucionalidade, o julgado se sujeita à ação rescisória ainda que na época os tribunais divergissem a respeito. Do mesmo modo, se o acórdão aplica lei que o Supremo Tribunal Federal, mais tarde declare inconstitucional“. (REsp 128239/RJ – Rel. Min. Ari Pargendler).”
Assim também, afastamento a súmula 343 do STF, em matéria infraconstitucional.
REsp 1163267/RS, “Assim, a Súmula n. 343/STF não obsta o ajuizamento de ação rescisória quando, muito embora tenha havido dissídio jurisprudencial no passado sobre o tema, a sentença rescindenda foi proferida já sob a égide de súmula do STJ que superou o mencionado dissenso e se firmou em sentido contrário ao que se decidiu na sentença primeva”.
Verifica-se, aqui, que, embora citando o enunciado de súmula 343 do STF neste caso, deveria o fundamento ser de aplicabilidade do atual art. 966, V, e §5º do CPC/2015 (art. 485, V do CPC/1973), pois como existia na época súmula, há violação de norma jurídica.
Outra decisão também afastamento a súmula 343 do STF, em matéria infraconstitucional, REsp 1.063.310/BA, “07/08/2008, Ação rescisória. Violação à lei federal. Matéria controvertida nos tribunais à época da prolação da decisão rescindenda. Súmula 343/STF. Não-aplicação. Revisão da jurisprudência a respeito. (…) “O exercício dessa função se mostra particularmente necessário quando a norma federal enseja divergência interpretativa. Mesmo que sejam razoáveis as interpretações divergentes atribuídas por outros tribunais, cumpre ao STJ intervir no sentido de dirimir a divergência, fazendo prevalecer a sua própria interpretação. Admitir interpretação razoável, mas contrária à sua própria, significaria, por parte do Tribunal, renúncia à condição de intérprete institucional da lei federal e de guardião da sua observância.” (…) 4. É relevante considerar também que a doutrina da tolerância da interpretação razoável, mas contrária à orientação do STJ, está na contramão do movimento evolutivo do direito brasileiro, que caminha no sentido de realçar cada vez mais a força vinculante dos precedentes dos Tribunais Superiores.” “5. Por todas essas razões e a exemplo do que ocorreu no STF em matéria constitucional, justifica-se a mudança de orientação em relação à súmula 343/STF, para o efeito de considerar como ofensiva a literal disposição de lei federal, em ação rescisória, qualquer interpretação contrária à que lhe atribui o STJ, seu intérprete institucional. A existência de interpretações divergentes da norma federal, antes de inibir a intervenção do STJ (como recomenda a súmula), deve, na verdade, ser o móvel propulsor para o exercício do seu papel de uniformização. Se a divergência interpretativa é no âmbito de tribunais locais, não pode o STJ se furtar à oportunidade, propiciada pela ação rescisória, de dirimi-la, dando à norma a interpretação adequada e firmando o precedente a ser observado; se a divergência for no âmbito do próprio STJ, a ação rescisória será o oportuno instrumento para uniformização interna; e se a divergência for entre tribunal local e o STJ, o afastamento da súmula 343 será a via para fazer prevalecer a interpretação assentada nos precedentes da Corte Superior, reafirmando, desse modo, a sua função constitucional de guardião da lei federal.”
Interessante pesquisa e comparação nesta seção. Os julgados citam, para possibilitar a rescisão do julgado, a súmula 343 do STF quando se trata de matéria constitucional, mesmo o enunciado da súmula ou seus precedentes não dizerem nada sobre o assunto ao ponto servirem de fundamento para ser paradigma de fundamentação de precedente.
Essa pequena análise demonstra como são tratados os “precedentes”, pois não recebem a devida fundamentação necessária de forma prospectiva, ou seja, justificando ao ponto que a decisão sirva como precedente. Ainda em sintonia com esse descompasso, quem julga tendo como fundamento decisão paradigma, não analisa seus mínimos fundamentos e literalmente encaixa ao bel prazer os fundamentos que quer enxergar na decisão paradigma.
Nessa sintonia de pensando, verificam-se agora decisões contrárias ao posicionamento deste subcapítulo.
7 Não afastamento da súmula nº 343 do STF mesmo em matéria constitucional
Até o momento, verificaram-se diversos casos nos quais a súmula 343 do STF foi usada, mas a rescisão teve cabimento por tratar a matéria sobre normal constitucional. Agora se vê o contrário, em que a súmula 343 teve aplicabilidade e a rescisória não teve cabimento mesmo em matéria constitucional.
AG.REG., na ação rescisória 2.341 Rio Grande do Sul. Relator: Min. Ricardo Lewandowsk. “Ementa: agravo regimental em ação rescisória. Excepcionalidade da rescisão. Coisa julgada. Cláusula pétrea. divergência jurisprudencial. Não cabimento de ação rescisória. Súmula 343. Incidência. Agravo a que se nega provimento. I – Divergência jurisprudencial não enseja ação rescisória. II – Coisa julgada consiste em cláusula pétrea constitucional, do que decorre a excepcionalidade da rescisão. III – Agravo regimental não provido”. 18/05/2018 (grifo nosso) – destacamos e indicamos a leitura do voto vencido do Min. Gilmar Mendes.
Em sentido diverso, no mesmo julgamento, veja voto divergente do Min. Gilmar Mendes em AG.REG. na Ação Rescisória 2.341 RS), “meu entendimento externado em várias ações rescisórias de minha relatoria: AR 1515; AR 2389 e AR 2406 MC, quanto à inaplicabilidade da Súmula 343 do STF em questão constitucional.” … “Por outro lado, não há como aplicar a Súmula 343 do STF (incognoscibilidade da ação rescisória com fundamento em violação literal de lei) aos casos em que: 1) o posicionamento do Supremo Tribunal Federal sempre tenha se pautado no mesmo sentido (nunca houve divergência interna corporis); 2) houve mutação constitucional; 3) presente situação de overruling. Em tais situações, competiria ao mérito da demanda saber se o aresto transitado em julgado concorda ou diverge do atual entendimento.” 18/05/2018 (grifo nosso)
AG.REG. na ação rescisória 2.572/DF, 24/02/2017 Plenário: “2. Conforme tese fixada no julgamento do Tema 136 da Repercussão Geral (RE nº 590.809/RS), “não cabe ação rescisória quando o julgado estiver em harmonia com o entendimento firmado pelo Plenário do Supremo à época da formalização do acórdão rescindendo, ainda que ocorra posterior superação do precedente”, sendo irrelevante a natureza da discussão posta no feito rescindendo (se constitucional ou infraconstitucional) para a observância do enunciado da Súmula STF nº 343.”. (grifo nosso)
Aqui é possível já verificar que o fundamento da decisão não condiz com os fundamentos determinantes da súmula 343 do STF e do RE nº 590.809/RS. Eles não são paradigmas de fundamentação para o argumento da referida decisão.
AG.REG., na ação rescisória 1.415, Rio Grande do Sul. Relator: Min. Luiz Fux. Plenário, 09/04/2015: “Agravo regimental na ação rescisória. Inexistência de violação a literal disposição de lei. Súmula 343 do STF. Incidência também nos casos em que a controvérsia de entendimentos se baseia na aplicação de norma constitucional.
“AG.REG., na ação rescisória 1.959/DF, 10/03/2015 primeira Turma, “Agravo regimental na ação rescisória. Reajuste remuneratório. Servidores públicos do distrito federal. Leis distritais nº 38/89 E nº 117/90. Inexistência de violação a literal disposição de lei. Súmula 343 do STF. Incidência também nos casos em que a controvérsia de entendimentos se baseia na aplicação de norma constitucional.”
“AG.REG., na ação rescisória 2.236/SC, 09/04/2015, Plenário. “Os agravantes buscam dar formato condicional à ação rescisória, fundados na expectativa de que haja modificação da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, de modo a agasalhar o pedido indenizatório por eles formulado. Impossibilidade.” (…) “esta Corte se posicionou no sentido de que é irrelevante a natureza da discussão posta no feito rescindendo (se constitucional ou infraconstitucional) para a observância do enunciado da Súmula nº 343.” (grifo nosso)
Assim, complementa-se o raciocínio descrito ao final da seção 6, na qual se procurou demonstrar como decisões são fundamentadas, sem entender como precedente são fundamentados (em visão prospectiva pensando que ele depois será analisado) e também que precedentes não são depois analisados para fundamentar, ou seja, a decisão paradigma base de fundamentação não é analisada.
Essa é nossa linha de pesquisa no presente texto publicado, a saber, demonstrar essa análise.
Aproveita-se para fazer uma digressão, um prenúncio do caos. O código de processo civil de 2015 entregou para determinados tipos recursais grande força vinculativa. Ou seja, ao contrário do sistema inglês em que decisões são proferidas e depois analisadas e no tempo ganham “função” de servir como precedentes, no direito brasileiro diversos tipos recursais são desde a sua edição precedentes obrigatórios. Mas como serão essas decisões proferidas, com bons fundamentos, aptas a serem “precedentes”? Segundo, como serão as decisões posteriores que aplicam o precedente paradigma, farão elas bom uso dos fundamentos do precedente?
Acredita-se que não. Tem-se aí um problema sistêmico, para uma escola processual, civil law, inclusive não acostumada ao uso dos “precedentes”.
8 Fundamentos determinantes das decisões, art. 525, §15 E ART. 966, V e §5
O parágrafo 14 do art. 525 positiva a impugnação ao cumprimento de sentença (sentença inconstitucional originária). Certo neste ponto, pois estaremos diante uma sentença inconstitucional, entendimento este firmado antes mesmo do trânsito em julgado da decisão impugnada. Aqui fica evidente que o código traz respeito obrigatório a ratio decidendi da decisão do STF, tanto no controle concentrado como difuso em matérias constitucionais.
Porém, este não é o caso do parágrafo 15 do art. 525, pois neste a decisão de inconstitucionalidade (veja §12 do art. 525) é posterior ao trânsito em julgado e teria cabimento rescisória.
Na hipótese de existir “precedente” com forte força vinculativa, veja art. 966, V e §5º, por violar manifestamente norma jurídica ou violação de enunciado de súmula ou acórdão proferido em julgamento de casos repetitivos (art. 966, §5º) que no ato da edição da decisão já existia, terá cabimento da ação rescisória. Trata-se de sentença transitada em julgada, que no momento de sua edição contrariou referidos “precedentes” vinculativos. Aqui tem cabimento da rescisória.
Assim, o Código de Processo Civil traz precedentes qualificados que são de respeito obrigatório, mesmo que transitado em julgado. Tem nestes casos cabimento a rescisória.
Deste modo, decisões como essas na vigência do Código de Processo Civil de 2015 precisam ser revistas: STJ, nº 1.655.722: “Processo civil. Recurso especial. Ação rescisória. Hipótese de cabimento. Violação à literal disposição de lei. Precedente do STJ com eficácia vinculante. 1. Ação rescisória ajuizada em 05/12/2014, de que foi extraído o presente recurso especial, interposto em 18/03/2015 e concluso ao Gabinete em 24/02/2017. Julgamento pelo CPC/73. 2. Cinge-se a controvérsia a decidir, preliminarmente, sobre o cabimento da ação rescisória e, no mérito, se o acórdão rescindendo violou o art. 205 do CC/02. 3. A súmula 343/STF nega o cabimento da ação rescisória quando o texto legal tiver interpretação controvertida nos tribunais. No entanto, o STF e esta Corte têm admitido sua relativização para conferir maior eficácia jurídica aos precedentes dos Tribunais Superiores. 4. Embora todos os acórdãos exarados pelo STJ possuam eficácia persuasiva, funcionando como paradigma de solução para hipóteses semelhantes, nem todos constituem precedente de eficácia vinculante. 5. A despeito do nobre papel constitucionalmente atribuído ao STJ, de guardião da legislação infraconstitucional, não há como autorizar a propositura de ação rescisória – medida judicial excepcionalíssima – com base em julgados que não sejam de observância obrigatória, sob pena de se atribuir eficácia vinculante a acórdão que, por lei, não o possui. 6. Recurso especial desprovido”
Tem cabimento, portanto, se antes de transitar em julgado há precedente qualificado e o ordenamento jurídico não respeita sua ratio. Não tem cabimento neste ponto da discussão, portanto, a súmula nº 343 STF. Primeiro, os precedentes qualificados foram positivados após a edição da súmula. Segundo, não se trata de ofender interpretação controvertida nos tribunais, mas sim de ofender “precedente” qualificado com expressa positivação de ser de cumprimento obrigatório. Não é o caso de aplicação da súmula 343 do STF ou RE 590.809/RS.
Não se trata neste texto de uma problemática especial do art. 966, V e §5º na hipótese da decisão ter precedentes vigentes, respeitando referidos precedentes e na sequência seu trânsito em julgado, mas depois ocorre o overruling (após a decisão transitada em julgado há o overruling). Nessa hipótese poderia ser questionado se teria cabimento rescisória para “atualizar” o atual entendimento tento em vista a superação do precedente. Entende-se que não, mas não se aprofundam maiores fundamentos para essa grande problemática. Apenas destaca-se precedente neste sentido, mesmo que ainda não na vigência do CPC/2015: “O elenco das hipóteses que viabilizam o ajuizamento da Ação Rescisória é taxativo, não se encontrando prevista no art. 485 do CPC/1973 a possibilidade de desconstituição da coisa julgada para readequação da matéria decidida à orientação posteriormente fixada em sentido contrário – entre o trânsito em julgado do acórdão rescindendo e a alteração da jurisprudência em julgamento de recurso repetitivo transcorreram mais de três anos –, por ocasião de julgamento de recurso repetitivo. 3. Não bastasse isso, a interpretação dada pelo acórdão rescindendo aos arts. 9º e 12, “a”, do Decreto-Lei 406/1968, à época de sua prolação (2009), observou a jurisprudência do STJ então vigente. 4. Pedido julgado improcedente.” (grifo nosso) Ação Rescisória nº 5.028/SC (2012/0176660-0) Relator : Ministro Herman Benjamin.
Retornando ao tema do art. 525, é possível verificar que a rescisória também no parágrafo 15 do art. 525 é por outra situação. Aqui são as decisões descritas no parágrafo 12, porém após o trânsito em julgado.
Sobre este ponto que é a problemática.
Sobre a possível inconstitucionalidade do referido artigo, cita-se a ADI 2.418/DF. Em ementa fez constar a constitucionalidade do art. 525, art. 525, § 1º, III e §§ 12 e 14, assim: “São constitucionais as disposições normativas do parágrafo único do art. 741 do CPC, do § 1º do art. 475-L, ambos do CPC/73, bem como os correspondentes dispositivos do CPC/15, o art. 525, § 1º, III e §§ 12 e 14, o art. 535, § 5º. São dispositivos que, buscando harmonizar a garantia da coisa julgada com o primado da Constituição, vieram agregar ao sistema processual brasileiro um mecanismo com eficácia rescisória de sentenças revestidas de vício de inconstitucionalidade qualificado, assim caracterizado nas hipóteses em que (a) a sentença exequenda esteja fundada em norma reconhecidamente inconstitucional – seja por aplicar norma inconstitucional, seja por aplicar norma em situação ou com um sentido inconstitucionais; ou (b) a sentença exequenda tenha deixado de aplicar norma reconhecidamente constitucional; e (c) desde que, em qualquer dos casos, o reconhecimento dessa constitucionalidade ou a inconstitucionalidade tenha decorrido de julgamento do STF realizado em data anterior ao trânsito em julgado da sentença exequenda.
Verifica-se aqui que a constitucionalidade foi para rescindibilidade diante da inconstitucionalidade antes do trânsito em julgado, ou seja, antes.
Em eventual inconstitucionalidade após o trânsito em julgamento, ou seja, julgamento pelo STF após o trânsito em julgado da decisão rescindenda, podem-se ver fundamentos apontando já possível inconstitucionalidade.
Assim, no mesmo processo, ADI 2.418/DF, voto do Ministro Barroso sobre o §15: “Portanto, eu não estou me comprometendo com o § 15, mas, por ora, uma vez mais louvo o minucioso, bem lançado e doutrinariamente bem desenvolvido voto do Ministro Teori Zavascki e, consequentemente, também estou julgando improcedente o pedido.” (grifo nosso)
Também assim ADI 2.418/DF, passagem do Ministro Luiz Fux sobre o §15: se nós formos analisar na própria origem da coisa julgada, o que se visa proteger com a coisa julgada são exatamente leis legítimas. A coisa julgada não visou a proteger a ilegitimidade das leis. Isso está nos fundamentos de Chiovenda. Então é mais do que razoável que se possa impedir o cumprimento de uma decisão judicial baseado numa lei que foi posteriormente declarada inconstitucional. Mas, em nome da segurança jurídica, que isso seja efetivado antes do trânsito em julgado da sentença. (grifo nosso)
Ainda neste sentido, ADI 2.418/DF, passagem do Ministro Fachin sobre o §15: “somente podem ser aplicados esses comandos às situações em que a norma específica, que fundamentou o título executivo judicial, for declarada inconstitucional, anteriormente ao respectivo trânsito em julgado.” (grifo nosso)
Entende-se, também, com os fundamentos descritos acima, que a o referido artigo é manifestamente inconstitucional (inconstitucionalidade formal e substancial). Nega ele o próprio controle de constitucionalidade e faz a coisa julgada sem utilidade e com características de provisoriedade. Sem a inconstitucionalidade do referido dispositivo, é possível dizer que o jurisdicionado não possui qualquer segurança jurídica enquanto o supremo não se manifestar a respeito da questão constitucional. Neste sentido, versa a súmula 134 editada em 1983 do TRF: “Não cabe ação rescisória por violação de literal disposição de lei se, ao tempo em que foi prolatada a sentença rescidenda, a interpretação era controvertida nos Tribunais, embora posteriormente se tenha fixado favoravelmente à pretensão do autor.”
Prestigia-se, assim, a coisa julgada. Ocorre que uma hipótese poderia causar maiores preocupações: a sinalização. Eventual trânsito em julgado de decisão na ocasião em que havia precedente firmado vinculante, mas com sinalização clara de eventual mudança e entendimento, a rescisória seria de maior potencial de pertinência. Assim também as relações continuadas, pois a coisa julgada protege as circunstâncias da causa enquanto permanecem as mesmas, há nova causa de pedir se alterar os fatos ou o direito – duas ações e duas decisões são, nestes casos, harmônicas.
Do que foi dito no início do ensaio, entende-se que a súmula 343 e o RE 590.080/RS não trazem contribuições para a questão da análise do art. 525, §15, pois para este artigo o debate é questão constitucional e, como afirmado, neste ponto, não se podem extrair fundamentos determinantes da súmula 343 e RE 590.080/RS em questão constitucional.
Em tempo, destaca-se decisão proferida em medida cautelar na arguição de descumprimento de preceito fundamental 615 do STF (02/09/2019). Na decisão Min. Barroso destaca que a coisa julgada não constitui “direito absoluto”, que o prazo da rescisória seria iniciado a contar da decisão declaratório de inconstitucionalidade (art. 535, §8º), cogita a possibilidade de rescisória no juizado especial cível, que é necessária a “proteção da supremacia da constituição”, que a “ponderação da coisa julgada com a supremacia da Constituição que, mais de um princípio, é uma premissa lógica”. É o deferimento de medida cautelar em importante tema, que se bem fundamentada a decisão final, poderá servir de paradigma para outros casos similares.
9 A necessária análise de modulação dos efeitos, art. 525, §13
Por fim, o parágrafo 13 do art. 525 é importante. Na hipótese de aplicabilidade do parágrafo 12 e também parágrafo 13, ou seja, atribuindo modulação de efeitos ex nunc, nenhuma dessas problemáticas postas serão discutidas, pois o entendimento firmado pelo STF será para os novos casos. A autorização de modulação de efeitos é positivada pelo §13 do art. 525, §6º do art. 535, o art. 927, §3º, todos do CPC/2015, também Lei n. 9.868/99.
Assim, a análise de eventual modulação é essencial (525, §13 do CPC), tanto para analisar eventual modulação de efeito ex nunc, quanto também para conferir o que a lei polemicamente possibilita, art. 525, §15, o efeito ex tunc da decisão. Destaca-se sobre o assunto o Enunciado n.º 176 do FPPC “(art. 525, § 13): “Compete exclusivamente ao Supremo Tribunal Federal modular os efeitos da decisão prevista no § 13 do art. 525.”
Considerações finais
Procurou o presente ensaio discorrer sobre assuntos diretamente ligados ao direito Constitucional, à interpretação e, assim, também, aos direitos fundamentais. Destaca-se a aplicabilidade dos “precedentes” no atual ordenamento jurídico, principalmente a dificuldade de extrair fundamentos determinantes (ratio) de súmulas (em especial das decisões que deram origem às súmulas).
Súmulas (o texto) devem refletir a ratio dos julgamentos que derem origem ao seu texto legal. Assim também os julgados que utilizarem das súmulas para proferir julgamentos devem compreender a correta ratio (o texto da súmula e seus julgados que deram origem ao texto da súmula).
Os “subcapítulos” 6 e 7 apresentam, também, uma outra grave crise, a insegurança jurídica. A crise é manifesta quando presente essa ausência de segurança jurídica e não previsibilidade. O conteúdo da súmula deve ser aplicado e se equivocado seu texto legal (da súmula), deve ser ela revogada. Súmulas vigentes que devem ser revogadas causam grande insegurança ao ordenamento jurídico.
[1] Texto parcialmente já publicado com capítulo de livro em “Direito processual civil. Diálogos Brasil-Portugal / organizadores Antônio Pereira Gaio Júnior, Marco Carvalho Gonçalves – Londrina, PR: Thoth, 2020”, neste ato revisitado e revisado para o site “Contraditor”.
[2] “Vê-se não se tratar de referência a ato por meio do qual o Supremo assentou, com eficácia maior, a inconstitucionalidade de norma. Estivesse envolvida declaração da espécie, poderia até cogitar, com muitas reservas, do afastamento do verbete em favor do manejo da rescisória apenas para evitar a vinda à baila indiscriminada de decisão judicial, transitada em julgado, fundada em norma proclamada inconstitucional, nula de pleno direito. Mas não é este o caso ora examinado”. (p. 11) Min. Marco Aurélio.