- Considerações Iniciais
Dando prosseguimento à série dedicada às primeiras considerações sobre o art. 1.009, § 1º, CPC, nesta quarta parte pretendo responder a esta indagação: havendo interesse autônomo para impugnar a decisão interlocutória de recorribilidade mediata, a parte pode escolher por recorrer em razões ou em contrarrazões, em ambos os casos sob o regime de recurso independente?
Sendo procedentes os argumentos lançados nas duas primeiras partes desta série, tem-se que: (i) quando há interesse autônomo para impugnar a decisão interlocutória de recorribilidade mediata porque não se condicionará à apelação em razões do adversário, a parte tem 30 dias para apelar, ou seja, 15 do prazo de apelação mais 15 do prazo de contrarrazões; (ii) quando não há interesse autônomo para impugnar a decisão interlocutória de recorribilidade mediata porque se condicionará ao provimento da apelação em razões do adversário, a parte tem apenas o prazo de 15 dias contrarrazões para apelar. A questão de relevo que se coloca aí, a rigor, é a seguinte: há alguma inconstitucionalidade na hipótese (i), dado o elastério de prazo para interposição da apelação?
É o que passo a examinar.
- Desenvolvimento
Em recurso de analogia, poder-se-ia apressar a resposta negativa, considerando que a parte que interpõe recurso adesivo (pense-se na apelação adesiva, para aproximar o raciocínio) também tem, ao fim e ao cabo, 30 dias para recorrer (os 15 dias das razões mais os 15 dias das contrarrazões).
A referência não é adequada. A apelação subordinada segue a sorte da apelação independente (art. 997, § 2º, III, CPC), de modo que, nela, o bônus da dobra de prazo (15 dias para interpor apelação independente + 15 dias para interpor apelação subordinada) vem acompanhado do ônus do regime de subordinação: não conhecido o recurso independente, deixa-se, só por isso, de conhecer o recurso subordinado). O regime de subordinação atua como um mecanismo de compensação da benesse da dobra do prazo.
O mesmo não se dá, segundo a interpretação aqui adotada, com a apelação em contrarrazões do art. 1.009, § 1º, CPC, como já exaustivamente demonstrado. Portanto, em relação a ela, o bônus da dobra de prazo não é contrabalanceado com nenhum ônus: interposta a apelação em contrarrazões (entre o 16º e o 30º dia do prazo), o seu conhecimento não fica dependente da sorte da apelação em razões do adversário. Aqui, a dobra de prazo é puramente benéfica a quem aproveita, sem que o mesmo ocorra com o adversário.
Um exemplo pode aclarar o argumento: A demanda em face de B pedindo a condenação deste a pagar 100. No curso do procedimento A é condenado a pagar multa por não comparecer à audiência de conciliação e, ao final, é proferida sentença de procedência integral. Neste caso, como não há qualquer dependência lógica entre as questões decididas na interlocutória e na sentença, então A pode impugnar a interlocutória tanto nos 15 dias do prazo de razões como nos 15 dias do prazo de contrarrazões, em face de eventual apelação de B contra a sentença. Já B terá apenas o prazo de 15 dias para apelar em razões contra a sentença. Porém, a apelação em contrarrazões de A terá de ser examinada mesmo que a apelação em razões de B não seja conhecida.
Penso que essa dobra de prazo viola a isonomia. Isso porque, enquanto uma parte tem 15 dias para interpor apelação independente (15 em razões, apenas), a outra tem 30 dias para interpor apelação independente (15 em razões + 15 em contrarrazões). O regime recursal é o mesmo, mas o prazo é concedido em dobro a apenas a quem impugnará a decisão interlocutória de recorribilidade mediata, sem ônus nem justificativa plausível. Inexiste discrímen capaz de justificar tal distribuição de prazos, daí decorrendo a quebra de isonomia. Pelo contrário, como é possível que essa decisão já tenha sido proferida há bastante tempo, na prática a parte dispôs de longo lapso temporal para raciocinar acerca do recurso.
Uma solução para preservar o art. 1.009, § 1º, CPC, é interpretá-lo no sentido de que, havendo interesse recursal autônomo para impugnar a decisão interlocutória de recorribilidade mediata, a apelação só será cabível se interposta em razões. Excluída a anti-isonômica e injustificável dobra de prazo, torna-se desnecessário considerar o dispositivo inconstitucional.
Concebe-se uma alternativa lícita para nos casos de interesse autônomo a parte poder apelar contra a decisão interlocutória de recorribilidade tanto no prazo de 15 dias, contado da intimação da sentença, quanto no prazo de 15 dias, contado da intimação para contra-arrazoar a apelação do adversário: no primeiro caso, interpor apelação em razões independente e, no segundo, interpor apelação em razões subordinada. Aí remanesce o bônus da dobra de prazo (15 dias a contar da intimação da sentença + 15 dias a contar da intimação para contra-arrazoar a apelação do adversário), mas gravado pelo ônus do regime de subordinação (não conhecido a apelação independente em razões do adversário, não se examinará da apelação subordinada), plenamente compatível com a isonomia.
- Considerações finais
Havendo interesse autônomo para impugnar a decisão interlocutória de recorribilidade mediata, a parte poderá interpor apelação independente apenas em razões, não em contrarrazões – admitir a apelação independente em contrarrazões significa dobra injustificada de prazo, solução incompatível com a isonomia. É lícito adicionar mais esta possibilidade: impugnar a decisão interlocutória de recorribilidade mediata apenas por ocasião da resposta ao recurso do adversário, ou melhor, em apelação subordinada/adesiva.
Em suma, esta é a conclusão que proponho sobre a interpretação do cabimento da apelação nos moldes do art. 1.009, § 1º, CPC: (i) nos casos de interesse recursal autônomo, pode ser interposta em razões independentes (15 dias, a contar da intimação da sentença) e em razões subordinadas (15 dias, a contar da intimação para contra-arrazoar a apelação do adversário); (ii) nos casos de interesse recursal condicionado, só pode ser interposta em contrarrazões (15 dias, a contar da intimação para contra-arrazoar a apelação do adversário).
Há opinião no sentido de que algumas decisões interlocutórias de recorribilidade mediata são apeláveis apenas em razões, sejam independentes (art. 997) ou subordinadas/adesivas (art. 997, § 1º), enquanto outras são apeláveis apenas em contrarrazões (art. 1.009, § 1º). A proposta parece convergir com a que ora lanço, mas assenta em premissas distintas, e merece, por isso, exame. Disso cuidará a quarta parte deste ensaio.