Introdução
A previsão de honorários advocatícios (sucumbenciais ou processuais) para a generalidade das demandas ajuizadas na Justiça do Trabalho, fruto da alteração na CLT promovida pela Lei nº 13.467/2017, tem despertado diversos questionamentos que anteriormente não suscitavam maior interesse acadêmico e na prática forense. Nesse contexto, as presentes linhas buscam debater a legitimidade para interposição de recurso que objetiva exclusivamente a ampliação dos honorários advocatícios.
1. Legitimidade inicial
O tema relativo à titularidade dos honorários advocatícios contou com precisa definição pelo CPC de 2015 e, no processo do trabalho, pela Lei nº 13.467/2016, diplomas que, de forma expressa, reconhecem ser do advogado a titularidade dessa parcela. Trata-se de correta definição pois os honorários advocatícios destinam-se a retribuir o trabalho desempenhado pelo profissional em sua atuação na causa. Com isso, afastou-se o nebuloso regramento do regime normativo anterior que tantas discussões provocou sobre a titularidade dos honorários advocatícios.
Não obstante, essa clareza não ocorre em relação à legitimidade recursal.
Embora a titularidade dos honorários advocatícios resida na pessoa do advogado, ele não é parte no processo, não possuindo legitimidade para postulá-los, ao menos, na fase inicial do processo. A legitimidade corresponde a elemento positivamente identificado no processo, qual seja, “coincidência, avaliada in status assertionis, entre a posição ocupada pela parte, no processo, com a respectiva situação legitimadora, decorrente de certa previsão legal, relativamente àquela pessoa e perante o respectivo objeto litigioso”. É, enfim, a capacidade para conduzir de forma válida e eficaz o processo[1].
É clássica a distinção entre as formas pelas quais uma pessoa pode conduzir de forma válida o processo. Assim, a legitimação pode ser ordinária, que corresponde à hipótese em que a parte no processo postula ou defende, em seu próprio nome, o interesse discutido em juízo, e extraordinária, também chamada de substituição processual, hipótese na qual, mediante autorização do ordenamento jurídico, a parte defende em seu nome um direito ou interesse direto de outrem, como estabelece o art. 18 do CPC. Essa distinção assume especial importância quando se investiga o tema relativo aos honorários advocatícios.
Ainda que não estejam relacionados na petição inicial, os honorários advocatícios integram, por expressa previsão legal (art. 322, § 1º, CPC), o rol de pedidos. Há, portanto, uma legitimidade extraordinária conferida à parte para que possa formular, dentre suas pretensões, a condenação da outra parte ao pagamento dos honorários processuais em favor de seu advogado. Observe-se que essa legitimidade extraordinária se estende também à parte ré, face à isonomia existente, ao que se soma a previsão expressa contida no parágrafo único do art. 338 do CPC. No caso, essa legitimidade extraordinária é exclusiva: apenas a parte poderá postulá-los em favor do advogado que lhe assiste. Nem poderia ser diferente, pois no ajuizamento da demanda ou na apresentação da resposta não há um direito apreciável do advogado, mas sim expectativas vinculadas ao sucesso da pretensão versada por seu cliente. Inexiste, portanto, um interesse concretizado, antes, uma mera potencialidade.
Deste modo, o pedido de condenação em honorários processuais é realizado em nome da parte assistida pelo advogado.
2. Metamorfose da legitimação ativa: interposição de recurso
O transcurso do processo projeta nítidas alterações relativas à legitimidade para a postulação dos honorários advocatícios. Se anteriormente, com a postulação ou a defesa, havia apenas uma expectativa jurídica, pois condicionada ao resultado da pretensão da parte, o desenvolvimento do processo tem o condão de transformar, a partir do ato sentencial, aquela potencialidade em uma concretude, qual seja, o direito reconhecido pela decisão.
A transformação do status jurídico dos honorários processuais gera, consequentemente, uma metamorfose quanto à legitimação ativa para a sua tutela, pois, se antes, o advogado estava cerceado na atuação, com esse ato decisório, inaugura-se em seu favor uma nova situação jurídica, de forma a reconhecer-lhe a aptidão para a defesa de seu crédito reconhecido. A partir da definição sentencial acerca dos honorários processuais, o advogado passa a deter a legitimidade ativa para atuar no processo na defesa desse direito. Excluí-lo dessa defesa seria impedir-lhe o acesso à justiça[2]. O advogado é, então, “introduzido, de alguma forma, na relação processual que se estabelece a partir da sentença condenatória nessa parte”[3].
Quanto a essa legitimação do advogado, não subsistem maiores questionamentos, pois há textos normativos que lhe dão suporte (art. 99, § 5º, e art. 996, ambos do CPC; art. 23, Lei nº 8.906/1994), sendo essa a posição da jurisprudência[4].
Essa transformação quanto à legitimidade ativa suscita o questionamento em saber se, após a fixação dos honorários advocatícios na sentença, a defesa exclusiva desse crédito pode ser realizada também pela parte ou se, ao revés, apenas o advogado pode atuar na tutela dessa parcela. Caso se entenda que apenas o advogado possa atuar na tutela dos honorários advocatícios, sua legitimidade seria exclusiva. Por outro lado, se entender pela possibilidade de a parte continuar atuando em favor dos interesses do advogado, ter-se-ia uma hipótese de legitimação concorrente disjuntiva.
A doutrina, com certa predominância[5], entende tratar-se de legitimidade concorrente, a identificar que o ordenamento jurídico autorizaria a substituição processual pela parte também para a interposição de recurso que almeje a ampliação dos honorários advocatícios. Esse é o pensamento, por exemplo, de Arruda Alvim, Araken de Assis, Daniel Amorim e Rogério Licastro[6], bem como o posicionamento do STJ[7] e, igualmente, a orientação presente no TST[8].
Essas manifestações refletem o posicionamento tradicional, haurido que foi sob a égide do regramento normativo anterior. Sob tal influxo, os honorários advocatícios não eram, inicialmente, direcionados ao advogado, mas sim à parte, na esteira do art. 21 do CPC/1973[9], conforme entendimento consolidado no Enunciado 306 da Súmula do STJ. Daí, é até intuitivo, sob tal regência, pudesse a parte recorrer quanto ao valor dos honorários advocatícios pois, afinal, sua esfera jurídica seria alcançada pelo capítulo dos honorários processuais, de forma que o aumento dessa parcela lhe era interessante pois teria um valor maior a ser compensado. Assim, com essa extrema vinculação, natural pudesse a parte recorrer quanto ao capítulo dos honorários.
Porém, discorda-se diametralmente desses entendimentos doutrinários e jurisprudenciais, pois calcados em uma regência normativa superada, com a devida vênia.
Não se nega que, caso a parte recorra buscando a melhoria de sua própria posição jurídica, como o aumento ou a redução da condenação, a decisão tomada no recurso provoca reflexos também nos honorários advocatícios. Isto decorre do efeito expansivo, subjetivo e também objetivo interno. Todavia, diversa é a hipótese em que o recurso destina-se unicamente a ampliar os honorários processuais.
De fato, tanto o Código de Processo Civil (art. 85, § 14), quanto a CLT (art. 791-A, caput), estabelecem de forma expressa que os honorários processuais são destinados ao advogado, não mais à parte. Ao reconhecer a titularidade do advogado a essa parcela, afastou-se da parte patrocinada qualquer interesse jurídico em relação a ela, pois a definição dos honorários não atinge direito do qual a parte seja titular ou que possa defender como substituto processual.
Nessa linha, com a alteração do direito positivo acima mencionada, o interesse jurídico quanto aos honorários processuais é, unicamente, do advogado. Esse objeto não possui aptidão para atender às necessidades da parte, uma vez que seu interesse em relação a esses honorários é de ordem moral ou econômica, isto é, ver o seu advogado com um resultado financeiro maior. Não há interesse jurídico algum da parte assistida quanto a essa parcela: o capítulo dos honorários processuais em nada lhe acrescenta ou diminui, inexistindo qualquer proveito do ponto de vista prático e jurídico, falecendo, também, interesse processual recursal[10]. Ao reconhecerem a titularidade do advogado quanto aos honorários advocatícios, os textos normativos citados tornam insubsistente a atuação da parte na defesa de um interesse que não lhe é próprio.
Como se sabe, diversas são as razões pelas quais se autoriza a substituição processual. Desde a busca de uma adequada tutela (seja pela inexpressividade individual do interesse objeto de tutela, seja pela inaptidão técnica ou materiais do titular), seja como razão de ser do substituto, seja como forma de concretizar o acesso ao Judiciário, seja por uma opção metodológica (como se verifica na defesa inicial dos honorários feita pela parte). Ocorre que os fundamentos que justificam a substituição processual pela parte não mais se encontram presentes na hipótese em que se busca exclusivamente a ampliação dos honorários advocatícios. O sistema jurídico não tem nenhum ganho efetivo com essa hipótese de substituição processual. Observe-se que a substituição processual no ajuizamento da demanda ou na resposta decorre do fato de que, neste momento, não havia projeção decisória na esfera jurídica do advogado, que, aliás, estava interditado em sua atuação, diferentemente do que ocorre quando prolatada decisão fixando os honorários advocatícios, em que caberá ao profissional interpor o recurso, caso pretenda ampliar o valor de seus honorários.
Note-se que, a prevalecer o posicionamento ora refutado, seria lícito ao advogado recorrer, em seu nome, quanto ao que foi decidido no tocante ao objeto principal da demanda, uma vez que o resultado do recurso poderia ampliar o valor de seus honorários. Algo incogitável, todavia.
Assim, contrariamente ao entendimento prevalecente na doutrina e na jurisprudência, sob a égide do CPC de 2015 e da Lei nº 13.467/2017, é possível entender que a parte não possui legitimidade para interpor recurso visando a alterar exclusivamente o capítulo relativo aos honorários processuais em favor de seu advogado.
[1] ASSIS, Araken de. Processo civil brasileiro. V. II, t. I. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2016, p. 177.
[2] Nesse sentido, cf.: NEVES, Daniel Amorim Assumpção Neves. Manual de direito processual civil: volume único. Salvador: Juspodivm, 2016, p. 1510.
[3] CAHALI, Yussef Said. Honorários advocatícios. 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 418.
[4] BRASIL. TST. 2ª T. RR-1001227-71.2019.5.02.0386, Rel. Min. Maria Helena Mallmann, DEJT 18/12/2020.
[5] Registra-se o posicionamento divergente de Bruno Lopes, para quem inexiste autorização expressa para essa substituição processual, malgrado seja exigida pelo art. 18 do CPC (art. 6º, na redação vigente à época em que escrito o seu texto). Cf.: LOPES, Bruno Vasconcelos Carrilho. Honorários advocatícios no processo civil. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 16-17.
[6] ALVIM, Arruda. Manual de direito processual civil [livro eletrônico]. 4ª ed. e-book baseada na 19ª ed. impressa. São Paulo: Thomson Reuters do Brasil, 2020. p. RB 32.5; ASSIS, Araken de. Manual dos recursos. [livro eletrônico]. 5ª ed em e-book baseada na 9ª ed. impressa. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2017, s.l; MELLO, Rogério Licastro Torres de. Honorários advocatícios: sucumbenciais e por arbitramento [livro eletrônico]. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2019, p. RB-2.11; NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito processual civil: volume único. 8ª ed. Salvador: Juspodivm, 2016, p. 226;
[7] RECURSO ESPECIAL. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. EXTINÇÃO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. HONORÁRIOS DE ADVOGADO. CPC DE 2015. LEGITIMIDADE RECURSAL CONCORRENTE DA PARTE E DO ADVOGADO. […]. 3. A própria parte, seja na vigência do CPC de 1973, inclusive após o reconhecimento do direito autônomo dos advogados sobre a verba honorária, ou mesmo na vigência do CPC de 2015, pode interpor, concorrentemente com o titular da verba honorária, recurso acerca dos honorários de advogado. 4. […]”. (BRASIL. STJ. REsp 1776425/SP. 3ª T. Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino. DJe 11/06/21).
No mesmo sentido: STJ. 3ª T. REsp 1.820.982/PR, Rel. Min. Nancy Andrighi. DJe 18/12/2020; 5ª T. AgRg no REsp 1.644.878/SC, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, DJe 24/5/2017; 2ª T. REsp 1.596.062/SP, Rel. desor(a) convocada Diva Malerbi, DJe 14/6/2016; 3ª T. AgRg no REsp 1.466.005/SP, Rel. Min. Moura Ribeiro, DJe 29/9/2015; 2ª T. AgRg no REsp 1.378.162/SC, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe 10/2/2014.; 2ª T. REsp 1.800.042/PR. Rel. Min. Herman Benjamin. Dt. Julg.: 19/11/2019.
[8] “[…]. Desse modo, a jurisprudência vem se posicionando no sentido de considerar concorrente a legitimidade recursal, tanto da parte vencida, quanto do advogado da parte vencida (na condição de terceiro prejudicado), na hipótese em que o objeto do recurso envolver matéria de interesse do patrono, mas que tenha origem no processo judicial por ele patrocinado”. (BRASIL. TST. 7ª T. RR-2004-23.2010.5.03.0043. Rel. Min. Renato de Lacerda Paiva. Dt. Julg.: 03/03/21). (destaque original)
[9] “Se cada litigante for em parte vencedor e vencido, serão recíproca e proporcionalmente distribuídos e compensados entre eles os honorários e as despesas”.
[10] NERY JR., Nelson. Teoria geral dos recursos [livro eletrônico]. 1ª ed. em e-book baseada na 7ª ed. impressa. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014, s.l., item 3.4.1.2.