40. SERÁ QUE NÃO ENTENDERAM NADA?

As regras obrigatórias do direito, que cada povo adota, formam o seu direito positivo.

Vicente Ráo

 

 I 

Este estudo tem por objetivo enfrentar um problema crônico de nossos Tribunais de Cúpula, qual seja a resistência injustificada em fundamentar/motivar exaustivamente as suas decisões, tornando, exceção, essa imposição democrática.

É intrigante como o dever de fundamentar/motivar as decisões (judiciais e administrativas) causa tantas polêmicas em nosso país.

Não é novidade alguma que bem antes da Constituição Federal de 1.988 (art. 93, IX), lá nos anos de 1.603, as Ordenações Filipinas[1] já faziam essa exigência, não sendo diferente na República (1.891).

Na Constituição de 1.937 restabeleceu-se a unidade legislativa em matéria processual (art. 16, XVI)[2], e a regra de se fundamentarem todas as decisões judiciais passou a fazer parte do CPC/1.939[3] (arts. 118, parágrafo único, e 280, II)[4].

Na mesma perspectiva, o CPC/1.973 dispunha sobre a necessidade de se fundamentarem as decisões judiciais nos arts. 131, 165 e 458, II.

Percebe-se, assim, que o objetivo é evidenciar por meio desse mosaico legislativo o dever de se fundamentarem todas as decisões judiciais, para além de caracterizar um traço importante da tradição histórica brasileira, resgatar um preceito impositivo de nosso ordenamento jurídico[5].

Contudo, com a promulgação da CF/1.988[6] esse panorama sofreu um incremento relevante, muito pouco sentido ao que parece, na medida em que o dever de fundamentação das decisões no âmbito administrativo e judicial recebeu tratamento com status de garantia fundamental[7].

O CPC/2.015 não inovou em absolutamente nada, estabelecendo apenas em seus artigos 11[8] e 489, § 1°[9] o dever de fundamentar todas as decisões judiciais, cumprindo, destarte, aquilo que já fora incorporado a nossa tradição jurídica há mais de 400 anos e alçada em nível constitucional há mais de 30 anos, inclusive, estabelecendo, pormenorizadamente, hipóteses em que não se considera fundamentado o pronunciamento judicial, procurando coibir uma prática perniciosa de nossa praxe forense.

Em outras palavras, procurou-se com o reforço legislativo repisar a necessidade de que todas as decisões judiciais sejam devidamente fundamentadas, possibilitando, desta forma, o devido controle pelos próprios jurisdicionados, pelos Tribunais e pela doutrina do conteúdo das decisões, o que, em última análise, pretende estabelecer que a jurisprudência seja integra, coerente, estável e consistente.

No entanto, em que pese nossa tradição – diga-se, completamente esquecida –, bem como o passar de tantos anos de vigência da CF/1.988 e quatro anos da vigência do CPC/2.015, deparamo-nos, frequentemente, com decisões imotivadas, clichês e genéricas a ponto de servirem para qualquer caso.

Parte disso, talvez seja em razão da própria interpretação que o STF, após uma repentina mudança de entendimento, passou a conferiu ao artigo 93, IX, da CF/1.988.

Com efeito, em 2.008, ao apreciar o RE 434.059-DF, o STF havia firmado correto entendimento no que concerne ao dever de fundamentação exigido explicitamente pela Constituição Federal. Na ocasião, o Tribunal, acertadamente, estabeleceu que o Poder Judiciário deve responder a todos os argumentos levantados pelas partes.

Naquela oportunidade, o Min. Gilmar Mendes, em seu voto, afirmara que a CF/1.988, ao estabelecer os direitos ao contraditório, ampla defesa e devido processo legal, constitucionalizou uma pretensão à tutela jurídica que envolve não só o direito de manifestação e o direito de informação sobre o objeto do processo, mas também o direito de ver os seus argumentos contemplados pelo órgão incumbido de julgar. Sobre esse último aspecto, afirmou-se que o direito de ver seus argumentos contemplados pelo órgão julgador corresponde ao dever dos magistrados de a eles conferir atenção, envolvendo não só o dever de tomar conhecimento, como também o de considerar, séria e detidamente, as razões apresentadas.

Entretanto, em junho de 2.010, equivocadamente, o próprio Min. Gilmar Mendes em outro processo afirmara justamente o contrário daquilo que havia fixado sobre a pretensão à tutela jurídica.

Nos autos da Repercussão Geral na Questão de Ordem no Agravo de Instrumento 791.292-PE, o Min. Gilmar Mendes afirmou que o art. 93, IX, da CF/1.988 exige que o acórdão ou decisão sejam fundamentados, ainda que sucintamente, sem determinar, contudo, o exame pormenorizado de cada uma das alegações ou provas, nem que sejam corretos os fundamentos da decisão[10].

Revele-se, por oportuno, que o Min. Gilmar Mendes modificou seu entendimento e o do STF – uma vez que nas duas decisões foi seguido por seus pares – sem lançar mão de realizar qualquer menção ao “precedente” anterior e às razões pelas quais estaria alterando, superando ou revendo seu entendimento[11]. Simplesmente desconsiderou-se o tão afamado distinguishing!

 II 

fundamentação/motivação/justificação das decisões encontra seu ethos garantista direta e inexoravelmente em duas fontes arquifundamentais dessa doutrina, a saber: a imparcialidade e a não-criatividade[12].

Não é por acaso que o dever (do Estado-Jurisdição) e direito (do cidadão-partes em uma demanda), em uma República-Democracia, exige como pressuposto inafastável à legitimidade do Poder Judiciário que este aja com transparência, prestando contas e oferecendo critérios seguros para a controlabilidade ampla e objetiva de suas decisões.

É na justificação que, ao mesmo tempo, garante-se o accountability[13] pelo órgão jurisdicional prolator do decisum e impõe-se a necessária controlabilidade, quer internamente, através dos elementos componentes da decisão em cotejo com o ordenamento jurídico, quer externamente, por meio do duplo grau de jurisdição e colegialidade formal (a qual garante que a revisão se faça por órgão plúrimo) e material (efetiva discussão entre seus membros)[14].

Nessa perspectiva, para a teoria jurídico-dogmática cognominada garantismo processual (processo como garantia contrajurisdicional de liberdade das partes), a fundamentação/motivação – verdadeira razão republicana do agir-linguístico-decisional   ­­ nasce, (i) para além de refrear as nefastas e indesejáveis parcialidade e criatividade da função jurisdicional, purificando-a, (ii) também com o escopo fundamental de debelar o seu fruto: o ativismo judicial (arbitrariedades).

 III 

Como dito, o CPC/2.015 procurou extirpar de vez essa falácia injustificável em um Estado Democrático de Direito, inserindo no artigo 489, § 1º, IV, que será considerada imotivada, desfundamentada (nula) uma decisão no âmbito do Poder Judiciário que “não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador”.

Essa exigência contida no CPC/2.015, para além de externar – grosseiramente – a garantia da fundamentação das decisões judiciais, encontra alicerce em outras garantias democráticas estabelecidas na Lei da República, notadamente, na ampla defesa e no contraditório (art. 5º, LV), bem como no devido processo legal e seu desdobramento lógico, consistente na garantia de que “a parte não pode ser surpreendida por decisão fundada em fatos e circunstâncias a respeito das quais não tenha tomado conhecimento (Überraschungsentscheidung), vale dizer, fatos que não esclareçam o porquê da decisão[15].

Todavia, conquanto agora “esteja na lei”, tanto o Supremo Tribunal Federal quanto o Superior Tribunal de Justiça, data maxima venia, continuam a empreender resistência ao dever de fundamentar exaustivamente as decisões, enaltecendo a prevalência do “seu entendimento consolidado” contra expresso comando contido no art. 489, § 1º, IV, do CPC/2.015.

Em uma busca rápida no sítio eletrônico do Tribunal da Cidadania fica fácil essa constatação. Veja-se:

(…) Ademais, o magistrado não está obrigado a responder a todas as questões suscitadas em juízo, quando já tenha encontrado motivo suficiente para proferir a decisão. (REsp 1371750/PE, Rel. Ministro OG FERNANDES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 25/03/2015, DJe 10/04/2015)

(…) IV – A fundamentação adotada no acórdão é suficiente para respaldar a conclusão alcançada, pelo quê ausente pressuposto a ensejar a oposição de embargos de declaração. V – Preliminar de nulidade e Embargos de declaração rejeitados (EDcl nos EDcl no AgRg no REsp 1377449/ES, Rel. Ministra REGINA HELENA COSTA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 25/10/2016, DJe 10/11/2016).

(…) Na verdade, a questão não foi decidida como objetivava a Agravante, uma vez que foi aplicado entendimento diverso. É cediço, no STJ, que o Juiz não fica obrigado a se manifestar sobre todas as alegações das partes, nem a ater-se aos fundamentos indicados por elas ou a responder, um a um, a todos os seus argumentos, quando já encontrou motivo suficiente para fundamentar a decisão, o que de fato ocorreu (AgRg no REsp 1262677/PE, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 18/10/2016, DJe 26/10/2016).

(…) Se os fundamentos do acórdão recorrido não se mostram suficientes ou corretos na opinião do recorrente, não quer dizer que eles não existam.  Não se pode confundir ausência de motivação com fundamentação contrária aos interesses da parte, como ocorreu na espécie.  Violação do art. 489, § 1º, do CPC/2015 não configurada (AgInt no REsp 1.584.831/CE, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 14/6/2016, DJe 21/6/2016). (AgInt no REsp 1600922/SP, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 22/09/2016, DJe 04/10/2016).

Recentemente, a Corte Especial do STJ, utilizando-se da questionável[16] vinculação obrigatória contida no art. 927, III, do CPC/2.015[17] fixou “tese”, contrariando frontalmente o que dispõe o art. 489, § 1º, IV, do CPC, asseverando que “o julgador não está obrigado a responder a todas as questões suscitadas pelas partes, quando já tenha encontrado motivo suficiente para proferir a decisão. A prescrição trazida pelo art. 489 do CPC/2015 veio confirmar a jurisprudência já sedimentada pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça, sendo dever do julgador apenas enfrentar as questões capazes de infirmar a conclusão adotada na decisão recorrida. (EDcl no MS 21.315/DF, Rel. Ministra Diva Malerbi (desembargadora Convocada TRF 3ª Região), Primeira Seção, julgado em 8/6/2016, DJe 15/6/2016[18].

No âmbito do STF, chegamos ao ponto de uma decisão “com o mesmo conteúdo” – diga-se, nula de pleno direito – proferida pela Corte servir para “fundamentar/motivar” dois casos diametralmente opostos[19], destacando-se entre multifárias decisões:

Trata-se de agravo cujo objeto é decisão que negou seguimento ao recurso extraordinário. A decisão agravada está correta e alinhada aos precedentes firmados por esta Corte. Diante do exposto, com base no art. 21, §1°, do RI/STF, nego seguimento ao recurso. Publique-se (STF, ARE 992.299/RJ, Rel. Min. Roberto Barroso, DJe 15/9/2016).

Trata-se de agravo cujo objeto é decisão que negou seguimento ao recurso extraordinário. A decisão agravada está correta e alinhada aos precedentes firmados por esta Corte. Diante do exposto, com base no art. 21, §1°, do RI/STF, nego seguimento ao recurso. Publique-se (STF, ARE 1.005.835-RS, Rel. Min. Roberto Barroso, DJe 08/11/2016).

No ARE 992.299-RJ cuidou-se do enfrentamento de questões relativas à responsabilidade civil por danos morais, enquanto no ARE 1.005.835-RS a lide envolveu o fornecimento de medicamentos de alto custo pelos entes federados.

A razão que vemos nisso, parece-nos, seja mesmo o fato de que ao optarmos pela resolução dos conflitos apostando no critério quantitativo não seria desejável qualidade, pois decisões motivadas/justificadas (fundamentadas) ensejam um portentoso esforço técnico-jurídico-argumentativo[20]  prática incompatível com decisões-padrão, construídas por supostas amostragens e dotadas de efeito perpendicularmente vinculantes “a priori”.

 IV 

O alerta necessário que merece reflexão é o seguinte: não é novidade inserida no CPC/2.015 a regra secular, constitucional e legal, do dever de fundamentação/motivação das decisões judiciais.

Não é por outra razão que o art. 5º, II, da CF/1.988 estabelece o princípio da legalidade, evidenciando sua importância para o Estado Democrático de Direito, exigindo-se, como corolário desse, o dever contido no art. 93, IX, do Texto Maior e no art. 489, §1º, em especial, o inciso IV, do CPC/2.015.

Nesses termos, de duas uma: ou o STF e o STJ passam a aplicar a CF/1.988 e a Lei e deixam que estas “atualizem” os seus respectivos “precedentes” ou bem passamos a ter na CF/1.988 e na Lei apenas uma “mera recomendação” ou “carta de intenções” sem qualquer conteúdo normativo-prescritivo.

Se entendermos pela primeira constatação, a resposta inaugural será peremptoriamente afirmativa, ou seja, eles entenderam que a legalidade deve ocupar o seu devido lugar na ordem jurídico-positiva brasileira; caso, lamentavelmente, compreendermos pela última formulação, inexoravelmente, a resposta ao questionamento será um sonoro não, “eles não entenderam absolutamente nada[21]!

Por fim, registro uma lenda urbana: textos devem ser curtos e bonsse curtos não necessariamente serão bons.

Meu propósito se restringe ao primeiro adjetivo, não obstante o desejo em atingir o segundo. Se logrei ou não êxito, isso estará a cargo do leitor. De antemão, agradeço pela leitura!

[1] “E para as partes saberem se lhes convém apelar, ou agravar das sentenças definitivas, ou vir com embargos a ellas, e os Juízes da mór alçada entenderem melhor os fundamentos, por que os Juízes inferiores se movem a condenar, ou absolver, mandamos que todos nossos Desembargadores, e quaesquer outros Julgadores, ora sejam Letrados, ora não o sejam, declarem specificamente em suas sentenças diffinitivas, assim na primeira instancia como no caso da appellação, ou absolver, ou a confirmar, ou revogar”. NOJIRI, Sergio. O dever de fundamentar as decisões judiciais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998. Coleção estudos de direito de processo Enrico Tullio Liebman, v. 39, p. 26.

[2] Com a República, em 1891, consagrou-se o sistema da dualidade processual, por meio do qual havia uma divisão de competência para legislar sobre processo entre a União e os Estados membros. Nesse aspecto Nelson Nery Junior assevera que o direito processual civil estadual foi rico na matéria, na medida em que também enumera como requisito da sentença a fundamentação de fato e de direito dada pelo juiz. Princípios do processo na constituição federal: processo civil, penal e administrativo. 10 Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 289.

[3] NOJIRI, Sergio. O dever de fundamentar as decisões judiciais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998. Coleção estudos de direito de processo Enrico Tullio Liebman, v. 39, p. 27.

[4] “O CPC nacional de 1939 determinava ao juiz que mencionasse na sentença os fatos e circunstâncias que motivaram seu convencimento, bem como os fundamentos de fato e de direito em que se baseou para o julgamento da causa (art. 280, II)”. NERY JUNIOR, Nelson. Op. cit., p. 290.

[5] NOJIRI, SergioOp. cit., p. 28.

[6] Em que pese a advertência de Nelson Nery Junior asseverando que: “A menção expressa da necessidade da motivação das decisões judiciais no texto constitucional não significa que somente se adotada semelhante regra pelo legislador constituinte é que terá validade e eficácia. Muito ao contrário, a motivação das decisões judiciais surge como manifestação do estado de direito, anterior, portanto, à letra da norma constitucional que a refira expressamente. Nada obstante, há constituições que, como a nossa, exigem expressamente sejam motivas as decisões judiciais, como é o caso da Itália (Const. Ita. 111), da Grécia (Const. Grega de 1968, art. 117), dentre outras”. Op. cit., p. 288/289.

[7] Nesse sentido também: NOJIRI, Sergio. Op. cit., p. 28/29.

[8] Art. 11.  Todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade.

[9] Art. 489.  São elementos essenciais da sentença: I – o relatório, que conterá os nomes das partes, a identificação do caso, com a suma do pedido e da contestação, e o registro das principais ocorrências havidas no andamento do processo; II – os fundamentos, em que o juiz analisará as questões de fato e de direito; III – o dispositivo, em que o juiz resolverá as questões principais que as partes lhe submeterem. § 1o Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que: I – se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida; II – empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso; III – invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão; IV – não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador; V – se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos; VI – deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento. § 2o No caso de colisão entre normas, o juiz deve justificar o objeto e os critérios gerais da ponderação efetuada, enunciando as razões que autorizam a interferência na norma afastada e as premissas fáticas que fundamentam a conclusão.

[10] Questão de ordem. Agravo de Instrumento. Conversão em recurso extraordinário (CPC, art. 544, §§ 3° e 4°). 2. Alegação de ofensa aos incisos XXXV e LX do art. 5º e ao inciso IX do art. 93 da Constituição Federal. Inocorrência. 3. O art. 93, IX, da Constituição Federal exige que o acórdão ou decisão sejam fundamentados, ainda que sucintamente, sem determinar, contudo, o exame pormenorizado de cada uma das alegações ou provas, nem que sejam corretos os fundamentos da decisão. 4. Questão de ordem acolhida para reconhecer a repercussão geral, reafirmar a jurisprudência do Tribunal, negar provimento ao recurso e autorizar a adoção dos procedimentos relacionados à repercussão geral. (AI-QO-RG 791292, Relator Min. GILMAR MENDES, julgado em 23/06/2010, publicado em 13/08/2010).

[11] Nesse sentido: OMMATI, José Emílio Medauar. A fundamentação das decisões judiciais no projeto do Novo Código de Processo Civil. In FREIRE, Alexandre; DANTAS, Bruno; NUNES, Dierle; DIDIER JR, Fredie; MEDINA, José Miguel Garcia; FUX, Luiz; Camargo, Luiz Henrique Volpe; OLIVEIRA, Pedro Miranda de. (Orgs). Novas tendências do processo civil: estuados sobre o projeto do Novo Código de Processo Civil. Salvador: Juspodivum, 2014, v. III, p. 118.

[12] Eduardo José da Fonseca Costa. As garantias arquifundamentais contrajurisdicionais: não-criatividade e imparcialidade. Disponível em: https://bit.ly/332GTKe.

[13] No sentido atribuído por Lenio Luiz Streck: “Accountability, nos moldes em que a proponho, quer dizer fundamentação da fundamentação. Isso quer dizer que nem de longe o problema da exigência de fundamentação se resolve no nível apofântico. Ora, com tudo o que já escrevi, eu não seria ingênuo em pensar que o ´dever de fundamentar as decisões` resolve(ria) o problema da decisão …! Um vetor de racionalidade de segunda nível – lógico–argumentativo – não pode se substituir ao vetor de racionalidade de primeiro nível, que é a compreensão. Nela, na compreensão, reside a ´razão hermenêutica`, para usar a expressão de Ernst Schnädelbach (…). Não se pode fazer leitura rasa do art. 93, IX da CF. (…). Deve, sim, explicitar os motivos de sua compreensão, oferecendo uma justificação (fundamentação) de sua interpretação, na perspectiva de demonstrar como a interpretação oferecida por ele é a melhor para aquele caso”. Hermenêutica jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da construção do Direito. 10ª Ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011, p. 398/399.

[14] Nesse sentido: COSTA, Eduardo José da Fonseca. As garantias arquifundamentais contrajurisdicionais: não-criatividade e imparcialidade. Disponível em: https://bit.ly/332GTKe.

[15] JUNIOR, Nelson Nery. Op. cit., p. 225.

[16] Para uma leitura crítica acerca dos precedentes estabelecidos no CPC/2.015 vide: ROSSI, Júlio César. Precedente à brasileira: a jurisprudência vinculante no CPC e no novo CPC. São Paulo: Atlas, 2015.

[17] Art. 927. Os juízes e os tribunais observarão: (…); III – os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos.

[18] EDcl nos EDcl no AgInt nos EAREsp 773.829/SP, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, CORTE ESPECIAL, julgado em 02/10/2019, DJe 07/10/2019.

[19] Para uma análise mais aprofundada do problema vide: ROSSI, Júlio César; ABBOUD, Georges. Os riscos da ponderação à brasileira. Revista de Processo (REPRO) nº 269, jul./2017. São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 109/138.

[20] Sobre a ontologia (enquanto essência ou doutrina do ser no sentido heideggeriano da expressão) do ato de motivar/motivação das decisões, vale destacar cada palavra vertida na doutrina de Eduardo José da Fonseca Costa: “A «motividade» não deve complementar um jato impulsivo decisório, mas brotar de um sereno trajeto decisório. Ela não deve acoplar-se intrusivamente a uma decisão pressentida ou precipitada, mas despontar no curso da maturação decisória. A decisão deve tomar-se no processo de motivação, mediante o processo de motivação e à medida que o processo de motivação se desenvolve; por sua vez, a «motividade» deve nascer no processo decisório, mediante o processo decisório e à medida que o processo decisório se desenvolve. Deflagrado o processo decisório, deflagrado o processo motivacional; concluído o processo motivacional, concluído o processo decisório. Logo, deve haver sincronia, não heterocronia, entre o processo decisório e o processo motivacional. O processo de motivação deve ex-pelir a decisão, mas a decisão não deve in-pelir o processo de motivação. Por sua vez, o processo de motivação deve implicar [in-plicar] a decisão, não se aplicar [ad-plicar] a ela como um adereço. Enfim, «motividade» e decisão não devem ser dados anexos [ad-nexos] um para o outro, mas inexos [in-nexos]. Um deve fluir desde dentro do outro [in-fluir], não fluir desde fora ao encontro do outro [ad-fluir]. Daí por que na teoria do direito só se deve estudar decisão e motivação como co-temática: embora ocupem zonas epistemológicas distintas entre si, teoria da decisão e teoria da motivação devem formar uma investigação concomitante, um par inseparável, que se reforçam, se alimentam e se estimulam reciprocamente, como autênticos «parceiros espirituais». Na verdade, os processos inter-in-plicados de decisão e motivação devem concentrar-se num imperturbável movimento circular de vaivém contínuoi) uma descida dos fundamentos-de-direito aos fundamentos-de-fato [«incidência»]; ii) uma subida dos fundamentos-de-fato aos fundamentos-de-direito [«subsunção»]; iii) a eclosão de uma decisão motivada interina; iv) uma nova descida – retificada – dos fundamentos-de-direito aos fundamentos-de-fato [«re-incidência»]; v) uma nova subida – retificada – dos fundamentos-de-fato aos fundamentos-de-direito [«re-subsunção»]; vi) a nova eclosão de uma decisão motivada interina, agora retificada; vii) uma outra descida – re-retificada – dos fundamentos-de-direito aos fundamentos-de-fato [«re-re-incidência»]; viii) uma outra subida – re-retificada – dos fundamentos-de-fato aos fundamentos-de-direito [«re-re-subsunção»]; ix) outra eclosão de uma decisão motivada interina, agora re-retificada. E, com isso, a decisão motivada vai constituindo-se sem atalhos, dentro de uma comedida demora, a partir de uma circum-abrangência dinâmica, É evidente que o juiz não parte de um ponto zero ou de uma tábua rasa, mas de uma opinião intuitiva prévia sobre o caso ou, quando muito, de um esboço não-deliberado de decisão motivada [= fundo pré-compreensivo]. Esse esboço escrito sofre, porém, lentas e contínuas reestruturações, correções e integrações textuais. De todo modo, cabe ao juiz proteger a si e às partes da sua falibilidade psíquico-cognitiva, da arbitrariedade das suas opiniões particulares e do ocaso dos seus hábitos de pensamento que passam despercebidos. Para tanto, deve mergulhar no acervo probatório, aprofundar-se nos fundamentos trazidos pelas partes, dialogar com os argumentos desenvolvidos por elas, interpretar-aplicar os textos de direito positivo, inteirar-se de posicionamentos doutrinário-jurisprudenciais, compreender [= co-apreender] todos esses elementos, aperfeiçoar o seu projeto preliminar e reconfigurá-lo de modos novos, substituindo-o sucessivamente por outros mais adequados. Em outras palavras: o juiz deve abandonar a sua sensação de conforto permitindo constranger-se por um complexo de elementos objetivos externos, que o arrancam do solipsismo e que o compelem ao refazimento serial do seu projeto primeiro subjetivo. Todavia, tendo em vista que a roda do convencimento gira ad aeternum, é necessário definir, «finir», fixar um fim, interromper esse «processo-sempre-a-caminho», fechar o projeto de decisão motivada. É necessário proceder-se a um «corte preclusional» e proferir-se uma decisão motivada definitiva. Não se pode permitir ao juiz uma eterna circunvolução, ainda que o fechamento anteceda por vezes o ponto otimal da decisão-motivação. Afinal, decidir é isto: de-cidir, do latim de [= fora, de cima a baixo] + caedere [= cortar, matar], que significa «cortar fora ou eliminar outras possibilidades», «resolver mediante um corte de cima a baixo, de A a Z, do alfa ao ômega, de ponta a ponta»”. A motivação escrita e a escrita da motivação. Disponível em: https://bit.ly/2Ot4CxQ.

[21] A locução acima foi externada por Rodrigo da Cunha Lima Freire em vídeo no qual comenta e critica a decisão proferida pela Corte Especial do STJ e referida neste trabalho à nota de rodapé nº. 18. Disponível em 21/10/2019 em seu Instagram (@profrodrigodacunha).

Autor

  • Júlio César Rossi

    Pós Doutor pela Universidade de Coimbra (UC/PT), estágio pós doutoral pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS/RS) e Doutor pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). Membro da ABDPro - Associação Brasileira de Direito Processual. Advogado da União (AGU)



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