SUSTENTAÇÃO ORAL E A LEI N. 14.365/2022

Recentemente, no dia 02 de junho de 2022, foi promulgada a Lei n. 14.365, que promoveu sensíveis mudanças no Estatuto da Advocacia, Código de Processo Civil e Código de Processo Penal. Dentre as inúmeras novidades trazidas pelo legislador ordinário, uma em destaque é a ampliação do rol de hipóteses de sustentação oral no sistema processual brasileiro.

A sustentação oral é uma relevante técnica processual para a promoção de debate dos pontos relevantes – fáticos ou jurídicos – para o deslinde de uma controvérsia. Nas palavras de Eduardo Yoshikawa, esta técnica é compreendida pela “exposição verbal dos argumentos de qualquer das partes por seus advogados (ou, eventualmente, pelo representante do Ministério Público, nos processos em que ocorrer a sua intervenção) durante a sessão de julgamento de recursos, reexame necessário ou ação de competência originária dos tribunais”.

Se em um passado esta ferramenta argumentativa era pouco usual pelos advogados, defensores ou representantes do MP, reservada para casos excepcionalíssimos, cujo interesse jurídico, social ou econômico causasse repercussão na esfera das partes ou da comunidade em geral, atualmente a praxe evidencia uma utilização massiva deste instituto.

Em termos gerais, incutiu-se na mentalidade das partes e de seus causídicos de que os arrazoados não são devidamente averiguados pelos órgãos jurisdicionais pátrios, em razão da profusão de demandas que compõe o acervo do Judiciário brasileiro. Embora esta desconfiança, muitas das vezes, se mostre pertinente, já que o erro na análise de procedimentos/petições é averiguado na prática jurisdicional, outras críticas também devem ser tecidas ao emprego excessivo das sustentações orais. Não é pelo fato de que um julgador não analise detidamente arrazoados, petitórios, provas e argumentos escritos, que tal falta pode ser facilmente suprimida pelo exercício de uma sustentação oral.

Na realidade, o que também se tem inferido na prática, são pautas de julgamento com dezenas – e às vezes – centena – de processos submetidos à apreciação da turma julgadora. Se a sustentação oral é a última ou talvez a única oportunidade da parte chamar a atenção do magistrado a algum ponto ou prova que passe desapercebida, uma pauta quilométrica não parecer ser a melhor opção para que o advogado alcance o desiderato de convencer ou chamar a atenção de um argumento.

Soma-se a este problema a ausência de clareza, de foco e de objetividade de muitas exposições orais, “que pouco ou ada servem para informar os demais julgadores (porque no caso do Relator presume-se não ser isso necessário) a respeito do objeto do processo e das questões nele discutidas”[1].

Várias são as críticas e problemas que podem ser delineados acerca da utilização do instituto da sustentação oral no sistema processual brasileiro. Mas o que se chama mais atenção é um problema de ordem elementar: há uma dificuldade latente dos sujeitos processuais em falar/expor argumentos como também há uma dificuldade daqueles em ouvi-los, refleti-los e interpretá-los.

A despeito destes embaraços à efetivação desta técnica nos tribunais brasileiros, certo é que a sustentação oral se mostra como um exemplo vivo e prático dos princípios constitucionais do contraditórios e da ampla defesa, e sua ampliação mostra-se benéfica a democratização do sistema processual e ao controle de arbitrariedades judiciais.

A técnica de sustentação oral é disciplinada no Código de Processo Civil de 2015 em seu artigo 937. Nesta disposição consta expressamente o prazo para a exposição oral, como também os recursos em que se admitirá o emprego da técnica, a saber: recurso de apelação, recurso ordinário, recurso especial, recurso extraordinário, embargos de divergência, ação rescisória, mandado de segurança, reclamação e agravo de instrumento interposto contra decisões interlocutórias que versem sobre tutelas provisórias de urgência ou evidência.

Porém, o legislador ordinário, com a já citada lei n. 14.365/2022 incluiu o parágrafo segundo ao artigo 7° do Estatuto da Advocacia para dispor expressamente em quais circunstâncias o advogado poderá sustentar:

Art. 7º São direitos do advogado:

(…)

§ 2º-B.Poderá o advogado realizar a sustentação oral no recurso interposto contra a decisão monocrática de relator que julgar o mérito ou não conhecer dos seguintes recursos ou ações:

I – recurso de apelação;

II – recurso ordinário;

III – recurso especial;

IV – recurso extraordinário;

V – embargos de divergência;

VI – ação rescisória, mandado de segurança, reclamação, habeas corpus e outras ações de competência originária.

Veja-se que a alteração legislativa promoveu mudanças na dinâmica das exposições orais não no CPC, mas sim no Estatuto da Advocacia, proclamando como um direito do advogado, tanto processual quanto profissional, em exercer razões orais perante os tribunais.

Neste ponto, como disserta José Henrique Mouta Araújo e Rodrigo Nery, a previsão contida no Estatuto da Advocacia propicia a “impetração de mandado de segurança em nome do próprio advogado para fazer valer essa prerrogativa”, o que se apresenta como um avanço para esta classe[2].

Outro avanço da novel legislação é a previsão de possibilidade de sustentar nos recursos que atacarem decisões monocráticas de relator (Agravo Interno), que julgarem o mérito ou não conhecerem de determinados recursos, o qual não havia previsão legal neste sentido, ficando a cargo de normas regimentais de cada tribunal dispor sobre a sua viabilidade.

Mais um ponto benéfico é a previsão expressa de sustentação em todas as espécies de ações que são de competência originária do Tribunal, expandido a disposição constante no CPC. Ou seja, a sustentação não mais recairá somente quanto às ações rescisórias, mandados de segurança e reclamações.

Ainda assim, há algumas omissões quanto à possibilidade de serem proferidas exposições orais em recursos na sistemática atual que se perpetuam, a exemplo da impossibilidade de sustentação em agravos em recursos especiais e extraordinários (art. 1.042, CPC) e do agravo de instrumento interposto contra decisão parcial de mérito[3].

De um modo geral, a legislação promulgada deve ser celebrada por se tratar de uma conquista da parte, da advocacia e do acesso à jurisdição. Mas o que se espera é que de fato a sustentação oral seja levada a sério, não se tratando apenas de um instrumento performático e que não é capaz de efetivar o contraditório e a ampla defesa.

[1] YOSHIKAWA, Eduardo Henrique de Oliveira. Sustentação oral no Processo Civil Brasileiro. Revista de Processo. Vol. 280/2018, p. 243-274. Jun-2018.

[2] ARAÚJO, José Henrique Mouta; NERY, Rodrigo. Novas possibilidades de sustentação oral: avanços e omissões da Lei n° 14.365. Conjur. 10 de junho de 2022. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2022-jun-10/araujoe-nery-avancos-omissoes-lei-14365

[3] Ver críticas desenvolvidas por Alexandre Moura de Paula Filho no artigo intitulado “Inadmissão da sustentação oral no agravo de instrumento interposto contra decisão parcial de mérito nos tribunais brasileiros: um problema legislativo e regimental” (Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br › download)

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