De longa data remontam os estudos acerca do impacto dos vieses cognitivos na tomada de decisão humana. Tal assunto também não é novidade no campo processual, sendo certo que há célebres estudos sobre a temática, que apontam, justamente, a falácia da imparcialidade do julgador.
A influência da psicologia e do estudo de vieses cognitivos na emanação do ato decisório aponta uma série de contaminação que pode estar submetido o decisor.
Decerto, é preciso pensar alternativas que permitam controlar o raciocínio decisório. Destrinchar o que não transparece em uma decisão judicial, mas permanece intacto na mente do magistrado no momento da tomada de decisões.
Dentre as diversas espécies de vieses cognitivos que o ser humano pode estar sujeito, destaca-se uma, em especial, que pode ser deveras deletéria ao processo democrático: o viés de grupo.
Em estudo especializado, Arturo Muñoz Aranguren[1] classifica o viés de grupo como uma técnica cognitiva que provoca o erro na avaliação realizada pelo decisor, que passa – injustificadamente – tomar partido por atitudes, atos e opiniões de pessoas que pertençam a um mesmo grupo, pelo simples fato de serem daquele grupo. Em outras palavras, significa dizer que o ser humano tem a tendência de confirmar uma atitude ou ato de grupo pelo qual se identifica.
Transpondo para exemplos práticos no sistema processual brasileiro, Eduardo José Fonseca da Costa aponta as difuncionalidades em julgamento quando há opiniões de peritos do juízo e experts particulares, de modo que valoram com maior credibilidade a versão de um funcionário público do que qualquer outro especialista da área, mais qualificado ou mais experiente:
“Existe um viés de grupo facilmente identificável, no qual incorrerem habitualmente juízes e tribunais, que consiste em atribuir maior valor per se a um ditame pericial elaborado por um funcionário público, pelo simples fato de ser funcionário público, mais do que se pode atribuir ao trabalho de qualquer outro especialista na matéria, por mais que este seja melhor fundamentado e seja tecnicamente superior em rigor e exaustividade. É indubitável que a presunção de maior independência destes peritos pode – e deve – ser tomada em consideração na hora de determinar-se a credibilidade de suas informações, mas se trata de um fator a mais, que não deve impedir que o órgão jurisdicional entenda prevalentes as conclusões de um informe pericial distinto caso o juiz nele divise superioridade técnica e maiores razões de ciência”[2].
A observação assinalada pelo professor Eduardo Fonseca é claro em evidenciar que o julgador pode ter seu raciocínio sabotado por um viés de grupo colocando em risco a resolução do caso concreto. Se aparentemente é mais cômodo decidir em atenção às simples constatações de um técnico funcionário público, pelo simples fato de integrarem a mesma estrutura organizacional do Judiciário, tal atitude pode renegar a solução técnica-científica mais adequada, formulada por um perito particular. Mostra-se irracional que permitamos a perpetuação de fundamentação no processo decisório que se baseie em opiniões do perito do juízo por ser um “técnico imparcial de confiança do juízo e, por isso, suas considerações gozam de presunção de veracidade”.
A crítica de Eduardo Fonseca é contundente a este respeito. É necessário romper com estes estereótipos de grupos, que fazem com que julgadores rechacem de plano os pareceres técnicos dos assistentes das partes, só porque foram contratados particularmente, e acreditem, com certa sacralidade, que a opinião do perito oficial é irretocável.
Outro exemplo importante para demonstrar o prejuízo que um viés de grupo pode ocasionar é a tendência do juízes valorizarem mais os argumentos de membros do Ministério Público ou da AGU, por também comporem um grupo de servidores públicos especialmente qualificados, como destaca Eduardo Fonseca.
Voltando ao estudo pioneiro de Arturo Muñoz Aranguren, verificou-se em pesquisa empírica que a ancoragem dos magistrados pela versão narrada em petição inicial do Parquet chegava a aproximadamente 60% das resoluções judiciais. Há uma tendência do juízo entender como mais verossímil a argumentação ministerial por pré-julgar serem os seus membros mais preparados, com maiores conhecimentos e aprofundamento dos fatos, desqualificando qualquer esforço da parte defensiva, que também pode estar preparada tecnicamente e ser tão conhecedora quanto dos fatos e das provas de um caso.
Ainda que isso seja reflexo inconsciente do processo decisório levado a cabo por magistrados, o viés de grupo pode ser bastante perigoso. Quem há de negar que os membros do Ministério Público ou da AGU também podem estar contaminados e sujeitos a vieses cognitivos? O que faz a sua versão ser melhor qualificada a não ser pelo simples fato de serem agentes do Estado como o magistrado?
Esses pontos precisam ser trazidos ao debate, porquanto essas contaminações psíquicas podem prejudicar a esfera jurídica daquelas partes que estão no jogo processual. Admitir que uma versão é mais apta a ser acolhida em sentença apoiada em um viés de grupo, acreditando-se que aqueles agentes do Estado são melhores qualificados, é depositar a confiança na irracionalidade e desprezar os esforços da teoria do processo constitucional.
Se de um lado, há os atalhos configurados na mente do julgador, que funcionam como facilitadores do raciocínio decisório, mas que, ao mesmo tempo, pode enviesá-lo a tomar decisões de forma solitária, de outro existe a premente necessidade de se garantir a efetivação da principiologia regente do modelo constitucional de processo, mormente com relação à ínsita conexão entre contraditório e fundamentação das decisões.
Nessa linha de raciocínio, a decisão deve corresponder a uma resposta de todas as questões que foram suscitadas pelas partes, sobretudo aquela que for sucumbida. Com isso, possibilitar-se-á o efetivo controle dos fundamentos da decisão, verificando se a mesma é a mais adequada para a solução do caso concreto.
[1] Esta técnica cognitiva provoca el error de valorar de forma injustificadamente homogénea las actitudes, actos y opiniones de las personas que pertenecen al mismo grupo, y por la sola razón de pertenencia a ese grupo. Esos prejuicios pueden ser tanto positivos, como negativos, y pueden darse por la pertenencia o no del propio sujeto a uno de esos grupos (ARANGUREN, Arturo Muñoz. La influencia de los sesgos cognitivos em las decisiones jurisdiccionales: el fato humano. Barcelona, Abril, 2011, p. 9, disponível em: https://raco.cat/index.php/InDret/article/view/241333/323924)
[2] COSTA, Eduardo José da Fonseca. Levando a imparcialidade a sério: proposta de um modelo interseccional entre direito processual, economia e psicologia. Tese. 187 f. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. 2016, p. 120.