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AUDIÊNCIA TELEPRESENCIAL E DEVIDO PROCESSO CONSTITUCIONAL

AUDIÊNCIA TELEPRESENCIAL E DEVIDO PROCESSO CONSTITUCIONAL

1 Introdução

 Desde 2006, com a promulgação da Lei n. 11.419, que dispôs sobre a informatização do processo judicial, o Poder Judiciário vem desenvolvendo sistemas tecnológicos capazes de promover e aprimorar a prática de atos processuais de forma eletrônica. No contexto atual, e como medida para reduzir o contágio da Covid-19, a necessidade de manutenção de isolamento social transformou sobremaneira as técnicas processuais, diante da impossibilidade de se promover a continuidade da marcha processual pelos meios presenciais convencionais: embora a possibilidade de realização de audiências por videoconferência não seja uma novidade, a Pandemia do Covid-19 acelerou a sua operacionalização.

De tal maneira, e reconhecendo a necessidade da retomada dos prazos processuais em processos eletrônicos, a Resolução n. 314/2020, do Conselho Nacional de Justiça, instituiu a ferramenta Cisco Webex, disponibilizada por meio de seu sítio eletrônico na internet, como forma preferencial para a realização de audiências telepresenciais. Se, por um lado, este avanço deve ser comemorado, por outro deve ser analisado de forma crítica, a fim de que princípios e garantias fundamentais não sejam atropelados sob a justificativa de se obter provimento jurisdicional a qualquer custo.

O princípio do devido processo constitucional (due process of law), instituído no art. 5º, LIV da Constituição de 1988, determina que todo exercício de poder atenda aos direitos e garantias fundamentais. Assim, as garantias do juiz natural, do juiz competente, do acesso à justiça, da ampla defesa e do contraditório, bem como a fundamentação das decisões judiciais devem ser observados – o processo, em sua atual concepção, mais do que um instrumento, deve ser entendido como expressão da própria ordem constitucional.

O presente artigo visa, portanto, analisar se o devido processo constitucional está sendo observado na realização das audiências telepresenciais, no âmbito do procedimento comum do CPC/2015, bem como no âmbito dos Juizados Especiais Cíveis (conciliação ou mediação, saneamento e instrução).

A linha de pesquisa eleita para embasar este artigo foi a crítico-metodológica, e o raciocínio que norteou as ideias aqui desenvolvidas foi o hipotético-dedutivo.

 

2 Audiências telepresenciais: um instituto novo?

 

Com a promulgação da Lei n. 11.419/2006, que instituiu o processo virtual, o Brasil passou a possuir ordenamento jurídico próprio para a prática de atos processuais virtuais. Nesta lei, em seu art. 1º, §2º, considera-se meio eletrônico qualquer forma de armazenamento ou tráfego de documentos e arquivos digitais; a transmissão eletrônica de toda forma de comunicação a distância, com a utilização de redes de comunicação; e a assinatura eletrônica. Assim, com a edição desta lei, o Brasil passou a disciplinar a prática dos atos processuais pelo meio virtual, inclusive com a possibilidade de realização de audiência de conciliação, de saneamento e de instrução virtualmente.

É bem verdade que a Lei 11.419/2006 é bastante simples, haja vista não criar procedimento virtual, mas, sim, regular a prática de atos procedimentais que devem ser feitos pelo modo eletrônico, observando obrigatoriamente todas as regras e princípios processuais.  O processo eletrônico não é, portanto, um novo procedimento, mas técnica que tem por objetivo gerenciar o processo a fim de eliminar os chamados “tempos mortos do processo”, como o prazo em dobro para os litisconsortes que possuem procuradores distintos de escritórios de advocacia igualmente distintos, a distribuição pelo próprio procurador da parte autora, entre outros. (BAHIA; NUNES; PEDRON, 2020, p. 742-3).

No âmbito do direito processual penal, a Lei n.11.900/2009 alterou o Código de Processo Penal para estabelecer a possibilidade de realização da audiência telepresencial de interrogatório de réu preso (art. 185 do CPP).

Para tanto, determina o §2º do art. 185 do CPP que a audiência de interrogatório do acusado (preso) poderá ser feita, excepcionalmente, em decisão de ofício ou a requerimento das partes, por intermédio de sistema de videoconferência ou de outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real, desde que a medida seja necessária para atender a uma das seguintes finalidades:  a) prevenir risco à segurança pública, quando exista fundada suspeita de que o preso integre organização criminosa ou de que, por outra razão, possa fugir durante o deslocamento; b) viabilizar a participação do réu no referido ato processual, quando haja relevante dificuldade para seu comparecimento em juízo, por enfermidade ou outra circunstância pessoal; c) impedir a influência do réu no ânimo de testemunha ou da vítima, desde que não seja possível colher o depoimento destas por videoconferência (art. 217 do CPP);  d) responder à gravíssima questão de ordem pública.

Pode-se verificar, ainda, que a Lei n. 11.900/2009 também regulamentou algumas garantias processuais para o réu e para os advogados quando da realização da audiência de interrogatório de réu preso, quais sejam, a) decisão fundamentada da autoridade judiciária sobre os motivos de excepcionalidade da presente medida; b) a necessidade de intimação das partes com antecedência mínima de 10 dias; c) o preso poderá acompanhar, pelo mesmo sistema tecnológico, a realização de todos os atos da audiência única de instrução e julgamento de que tratam os arts. 400, 411 e 531 do CPC; d) em qualquer modalidade de interrogatório, o juiz garantirá ao réu o direito de entrevista prévia e reservada  com o seu defensor; se realizado por videoconferência, fica também garantido o acesso a canais telefônicos reservados para comunicação entre o defensor que esteja no presídio e o advogado presente na sala de audiência do Fórum, e entre este e o preso; e) a sala reservada no estabelecimento prisional para a realização de atos processuais por sistema de videoconferência será fiscalizada pelos corregedores e pelo juiz de cada causa, como também pelo Ministério Público e pela Ordem dos Advogados do Brasil.

Nota-se que o Código de Processo Penal, em seu art. 185, apenas tenta discriminar parte do procedimento de audiência de interrogatório do acusado por videoconferência, não pontuando informações sobre o local em que deve ser praticada tal audiência com o acusado, sobre a sua proteção, sobre questões relacionadas à fiscalização do interrogatório e à existência ou não de vício de vontade nas informações que presta. Além disso, encontram-se ausentes informações que garantam ao acusado qualquer isenção quanto aos seus pronunciamentos, bem como aquelas relativas à proteção de informações que poderão levar a prisão de outras pessoas.

De tal maneira, faz-se possível entender que o sistema de teleaudiência utilizado no interrogatório judicial é válido à medida que são garantidas visão, audição e comunicação reservada entre o réu e seu defensor, facultando ainda a possibilidade de gravação, que será anexada aos autos para eventual consulta. Assim, respeita-se a garantia da ampla defesa, pois o acusado terá condições de dialogar com o julgador, podendo ser visto e ouvido, além de conversar com seu defensor em canal de áudio reservado[1].

Os tribunais brasileiros consolidaram o entendimento de que a realização de audiência virtual de interrogatório por videoconferência não ofende as garantias constitucionais do processo, que deverá contar com o auxílio de dois defensores, estando um na sala de audiência e outro no presídio, o que serviria para garantir tranquilidade ao acusado em seu interrogatório e em sua integridade física e liberdade de manifestação.

No âmbito do processo civil, a realização de audiências telepresenciais não era uma realidade, ainda que já houvesse tal possibilidade desde a promulgação da Lei n. 11.419/2006: em razão da falta de equipamentos apropriados, da ausência de estrutura física, de acesso à rede mundial de computadores, dentre outros fatores, as audiências, em sua grande maioria, não eram realizadas pelo meio virtual.

O Código de Processo Civil de 2015, 11 anos após a promulgação da lei do processo eletrônico, também ressaltou a possiblidade de realização da audiência de conciliação/mediação pelo meio virtual (art. 334, §7º e 193, ambos do CPC), bem como de qualquer outro ato e audiência que poderiam ser feitos, parcial ou integralmente, pelo meio virtual .(art. 193 a 199 do CPC). Cabe ressaltar, ainda, que o Código de Processo Civil pontua, claramente, do artigo 193 ao artigo 199, sobre regras de desenvolvimento dos atos procedimentais pelo meio virtual, quais sejam: a) o respeito à publicidade dos atos; b) o acesso e a participação das partes e de seus procuradores, inclusive nas audiências e sessões de julgamento, observadas as garantias da disponibilidade, a independência da plataforma computacional, a acessibilidade e interoperabilidade dos sistemas, serviços, dados e informações que o Poder Judiciário administre no exercício de suas funções; c) o registro de ato processual eletrônico deverá ser feito em padrões abertos, que atenderão aos requisitos de autenticidade, integridade, temporalidade, não repúdio, conservação e, nos casos que tramitem em segredo de justiça, confidencialidade, observada a infraestrutura de chaves públicas unificada nacionalmente; d) compete ao Conselho Nacional de Justiça e, supletivamente, aos tribunais, regulamentar a prática e a comunicação oficial de atos processuais por meio eletrônico e velar pela compatibilidade dos sistemas, disciplinando a incorporação progressiva de novos avanços tecnológicos e editando, para esse fim, os atos que forem necessários, respeitando as normas fundamentais do Código de Processo Civil; e) os tribunais divulgarão as informações constantes de seu sistema de automação em página própria na rede mundial de computadores, gozando a divulgação de presunção de veracidade e confiabilidade; f) as unidades do Poder Judiciário deverão manter, gratuitamente, à disposição dos interessados, equipamentos necessários à prática de atos processuais e à consulta e ao acesso ao sistema e aos documentos dele constantes; g) as unidades do Poder Judiciário assegurarão às pessoas com deficiência acessibilidade aos seus sítios na rede mundial de computadores, ao meio eletrônico de prática de atos judiciais, à comunicação eletrônica dos atos processuais e à assinatura eletrônica.

Em março de 2020, o Brasil se viu diante de uma pandemia causada pelo coronavírus (Covid-19). Já na data de 22.06.2020, e em decorrência da Covid-19, o Brasil ultrapassou a marca de mais de 1 milhão de infectados e mais de 50.000 mortos[2]: diante deste contexto, discussões sobre a necessidade de realização de audiências (conciliação/mediação/saneamento/ instrução), bem como sobre a realização de sessões de julgamento nos tribunais pelo meio virtual se aprofundaram, levando o Conselho Nacional do Judiciário, em 20/04/2020, a editar a Resolução n. 314 de 20/04/2020, que determinou inúmeras questões procedimentais, como suspensão de prazos em autos físicos; o retorno dos prazos em autos virtuais; a realização de sessões virtuais de julgamento nos tribunais e turmas recursais, tanto em autos físicos, como em autos eletrônicos, ficando assegurado nas sessões de julgamento virtuais o direito dos advogados de realizar sustentação oral. Referida resolução ainda definiu que a realização de atos virtuais por meio de videoconferência seria assegurada pela utilização, por todos juízos e tribunais, da ferramenta Cisco Webex Meeting, disponibilizada pelo Conselho Nacional de Justiça[3] por meio de seu sítio eletrônico na internet, nos termos do Termo de Cooperação Técnica n. 007/2020, quando arquivos deverão ser imediatamente disponibilizados para andamento processual, com acesso às partes e aos procuradores habilitados.

A mesma Resolução n. 314/2020 ainda estabelece que audiências em primeiro grau de jurisdição, por meio de videoconferência, devem considerar as dificuldades de intimação de partes e testemunhas, realizando-se esses atos somente quando for possível a sua participação, sendo vedada a atribuição de responsabilidade aos advogados e procuradores em providenciarem o comparecimento de partes e testemunhas a qualquer localidade fora de prédios oficiais do Poder Judiciário para participação em atos virtuais.

Deve-se ressaltar ainda que, com base na resolução supracitada, foi editada a Lei n. 13.994/2020, que alterou a Lei n. 9.099, de 26 de setembro de 1995, , para possibilitar a conciliação não presencial no âmbito dos Juizados Especiais Cíveis. Referida modificação pode ser encontrada no artigo 22, §2º da lei em comento, qual seja, a Lei n. 13.994/2020, na qual ficou expresso que “é cabível a conciliação não presencial conduzida pelo Juizado mediante o emprego dos recursos tecnológicos disponíveis de transmissão de sons e imagens em tempo real, devendo o resultado da tentativa de conciliação ser reduzido a escrito com os anexos pertinentes”. Ademais, no art. 23 da mesma lei, tem-se que, “se o demandado não comparecer ou recusar-se a participar da tentativa de conciliação não presencial, o Juiz togado proferirá sentença”. Nada foi tratado sobre a audiência de instrução e julgamento, mesmo tendo como princípio norteador a informalidade (art. 2º da Lei do Juizado Especial Cível).

Da análise preliminar do ordenamento jurídico brasileiro, percebe-se a tendência de realização de atos procedimentais virtuais, bem como de verter audiências presenciais em audiências telepresenciais. Esse fenômeno, potencializado pela pandemia do coronavírus (Covid-19), vendo sendo chamado de “tribunais on-line”.

As audiências do procedimento comum do CPC de 2015 podem ser de três modalidades: a) audiência de conciliação ou de mediação (art. 334); b) audiência de saneamento (art. 357); e audiência de instrução e julgamento (art. 358-368). A viabilidade dessas audiências serem realizadas por videoconferência, assim como a sua compatibilidade com o devido processo constitucional é o que se passará a analisar na presente pesquisa.

 

3 Devido Processo Constitucional

 

A cláusula do devido processo legal é uma norma fundamental de processo prevista na Constituição da República, em seu art. 5º, inc. LVI, que estabelece que ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal.

Segundo Nelson Nery Júnior (2016, p. 106 e 107),

 

o primeiro ordenamento que teria feito menção a esse princípio foi a Magna Carta de João Sem-Terra, do ano de 1215, quando se referiu à law of de the land (art. 39). (…) O termo hoje consagrado, due processo of law, foi utilizado somente em lei inglesa de 1354, baixada no reinado de Eduardo III, denominada Statute of Westminster of the Liberties of London, por meio de um legislador desconhecido (some unknon fraftsman).

 

No direito processual americano, também conforme pontua Nelson Nery Júnior (2016, p. 106 e 107), a cláusula (procedural due process) significa o

 

dever de propiciar-se ao litigante: a) comunicação adequada sobre a recomendação ou a base da ação governamental; b) um juiz imparcial; c) a oportunidade de deduzir defesa oral perante o juiz; d) a oportunidade de apresentar provas ao juiz; e) a chance de reperguntar as testemunhas e de contrariar provas que forem utilizadas contra o litigante; f) o direito de ter um defensor no processo perante o juiz ou tribunal; g) uma decisão fundamentada, com base no que consta dos autos.

 

Além desses direitos, e ainda conforme ensinamentos de Nery Júnior (2016, p. 113), no direito norte-americano, há outros elementos essenciais para garantir o devido processo legal, como

 

  1. a) o direito a processo com a necessidade de haver provas; b) o direito de publicar-se e estabelecer-se conferência preliminar sobre as provas que serão produzidas; c) o direito a uma audiência pública; d) os atos processuais; e) julgamento pelo tribunal do júri (civil); f) o ônus da prova, que o governo deve suportar mais acentuadamente do que o litigante individual.

 

Para Soares (2020), no direito processual brasileiro, a garantia do devido processo legal nada mais é do que a garantia do contraditório, da ampla defesa e da isonomia em um procedimento. Para o autor, portanto, a garantia do devido processo legal abrange os outros direitos-garantia (contraditório, ampla defesa e isonomia), o que faz com que seja possível chamá-lo de devido processo constitucional, haja vista haver estrita ligação com os direitos constitucionais processuais (normas fundamentais). Assim, tem-se então que o devido processo constitucional seria a garantia de aplicação do direito e do procedimento em contraditório, com ampla defesa e isonomia para os casos em que a liberdade ou os bens de determinada pessoa estejam ameaçados de serem cerceados.

O devido processo constitucional é uma conquista histórica para a proteção da liberdade e dos direitos. Conforme ensina José Afonso da Silva (2005), o princípio do devido processo legal, combinado com o direito de acesso à justiça (artigo 5º, XXXV), com o contraditório e com a ampla defesa (art. 5º, LV), fecha o ciclo das garantias processuais. Logo, para que seja garantido o devido processo constitucional, em termos democráticos, deve-se observar o contraditório, a ampla defesa, a isonomia, a publicidade e a fundamentação das decisões (art. 93, inc. IX da CR/88): a transparência dos atos procedimentais, sua publicidade irrestrita para as partes e uma decisão devidamente fundamentada permitem que as partes e todos os interessados na decisão tenham entendimento direto sobre o processo de tomada de decisão.

Apresentado o sentido de devido processo constitucional, resta saber verificar se é possível compatibilizá-lo com o ato procedimental da realização da audiência telepresencial (conciliação/mediação/saneamento/instrução), bem como verificar se é possível garantir o contraditório e a ampla defesa nas audiências telepresenciais.

 

4 Audiência de conciliação e mediação

 

            Segundo sustenta Soares (2020, p. 677), “a audiência é o ato processual necessário para que o juiz possa tomar contato com as partes e com as provas orais”. O Código de Processo Civil diferencia quatro espécies de audiência: a primeira é a audiência de justificação (exemplo a do art. 300, § 2º, art. 563 e art. 564, parágrafo único, todos do CPC); a segunda, é a audiência de conciliação e mediação (prevista no art. 334 do CPC); a terceira, é a audiência de saneamento e organização do processo (prevista no art. 357, §3º do CPC); e a quarta seria a audiência de instrução e julgamento (art. 358 e seguintes do CPC). Ainda para Soares (2019), cada uma delas possui um objetivo diferente.

A audiência de conciliação/mediação tem o objetivo de buscar a composição das partes, por meio do diálogo. Os princípios que regem a conciliação e a mediação estão previstos no art. 166, do CPC, e são os seguintes: independência, imparcialidade, autonomia da vontade, confidencialidade, oralidade, informalidade e decisão informada. Além desses princípios, como todo ato público, a audiência é regida pela publicidade. (art. 188, CPC).

No procedimento comum, a audiência de conciliação e mediação terá sempre lugar quando versar sobre direitos disponíveis, e poderá ocorrer em qualquer fase processual, tanto no processo de conhecimento quanto em fase recursal (art. 932, I, CPC) ou em fase de cumprimento de sentença. (art. 924, CPC) (SOARES, 2020, p. 678). Ainda no que diz respeito à audiência de conciliação e mediação, a sua realização pelo meio telepresencial deve ser incentivada, uma vez que a sua realização pelo meio virtual traz economia processual e celeridade procedimental.

Não é demais ressaltar ainda que, com a implementação de audiências de conciliação e mediação virtuais, despesas de Tribunais seriam inferiores, haja vista a diminuição de uso de instalações físicas nos prédios dos Tribunais, não havendo necessidade de manutenção de cadeiras, de pagar funcionários para conservação e limpeza do ambiente, bem como de contratar pessoas para auxiliar na manutenção e no controle do acesso às dependências dos tribunais. De tal maneira, existiriam centros de conciliação e mediação virtuais que funcionariam de forma mais barata, com mais dinamicidade e celeridade e com custo menor do que se tem hoje – sem falar nas condições de conforto e tranquilidade para as partes e advogados que teriam que trabalhar de seus escritórios ou de suas residências, reduzindo muito gastos com pessoal e com deslocamento.

Quando da realização de audiências de mediação (art. 165. §3º, CPC), mais utilizadas para questões em que entre as partes haja vínculo afetivo anterior, tais como no direito das famílias ou no direito empresarial, também não foi verificado impecílio para a sua realização de maneira telepresencial (virtual). Faz-se necessário ressaltar, apenas, que, nessas mediações, o mediador não faz uma atividade meramente negocial; ele busca estabelecer canais de diálogos entre pessoas que não conseguem conversar. Nestes casos, seria interessante a existência de um sistema híbrido, com mediações telepresenciais e presenciais, a fim de permitir o reestabelecimento do diálogo e a obtenção de um acordo. Cabe lembrar também que a proximidade das partes com o terceiro-mediador, em determinados casos, é fundamental para o restabelecimento do diálogo e de canais de comunicação para que se possa realizar uma transação.

A realização das audiências de conciliação/mediação pelo ambiente virtual (telepresenciais), seja no período excepcional que estamos a vivenciar, em razão da pandemia (Covid-19), seja em momento posterior, deve permanecer, haja vista não violar o devido processo e haver a possibilidade de aumentar o número de acordos, a celeridade procedimental e assim atender maior número de pessoas que buscam o judiciário para a resolução de seus conflitos. Deve-se ressaltar também que, no procedimento comum, instituído pelo legislador do CPC de 2015, a audiência de conciliação e mediação é inaugural, assim como já acontecia nos procedimentos dos Juizados Especiais (Lei n. 9.009/90). Logo, a audiência de conciliação e (também) mediação, ocorrerá antes da apresentação da tese do réu sobre a lide.

A evolução legislativa se iniciou com a instituição da política pública de tratamento adequado dos conflitos jurídicos, apontada pela Resolução n. 125/2010 do Conselho Nacional de Justiça.

Segundo a pesquisa Justiça em Números, realizada pelo Conselho Nacional de Justiça, com base em dados do ano de 2018, o índice de êxito das audiências de conciliação e mediação caiu em relação aos índices dos anos anteriores.

Os pesquisadores concluíram que, em três anos, o índice médio de conciliação teve um crescimento tímido de 0,5 ponto percentual. (CNJ, 2019, p. 220).

A pesquisa Mediação e conciliação avaliadas empiricamente: jurimetria para proposição de ações eficientes, da série ‘Justiça Pesquisa’, do CNJ, realizada por pesquisadores da Faculdade de Economia e Administração da USP (campus Ribeirão Preto, SP) coletou dados referentes aos processos em que houve conciliação ou mediação nos estados do Ceará, de São Paulo, do Paraná, do Rio de Janeiro e do Piauí, dos anos de 2013 a  2017, tendo como um dos objetivos identificar e analisar os fatores relevantes para o sucesso de uma conciliação e/ou mediação. (BRASIL, 2019, p. 19).

Um dos fatores apontados pelos pesquisadores como influenciador de sucesso ou de insucesso para a realização de uma audiência de conciliação/mediação é a falta de orçamento para a estruturação dos CENTROS JUDICIÁRIO DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS – CEJUSC, bem como a inexistência de remuneração para os conciliadores, fatores que limitariam a atuação de profissionais com mais experiência e qualificação[5] – acredita-se que a padronização de salas de conciliação e mediação virtuais possibilitaria a redução de custos com espaços físicos, permitindo a re-destinação de verbas para qualificação e melhor remuneração do pessoal que atua nos CEJUSCs.

É importante saber que tais audiências de conciliação e mediação, que devem ser incentivadas, não podem ser utilizadas de forma indiscriminada e indevida: não havendo para as partes, para os advogados e para o judiciário equipamentos específicos para a sua realização, tais audiências não podem ocorrer, assim como também não pode ser aplicada qualquer pena para os sujeitos processuais. Isso ocorre porque a Lei n. 13.994/2020 alterou a Lei do Juizado Especial Cível (Lei n. 9.099/95) para possibilitar a conciliação não presencial no âmbito dos Juizados Especiais Cíveis, com a seguinte redação (art. 22, §2º, CPC): “é cabível a conciliação não presencial conduzida pelo Juizado mediante o emprego dos recursos tecnológicos disponíveis de transmissão de sons e imagens em tempo real, devendo o resultado da tentativa de conciliação ser reduzido a escrito com os anexos pertinentes”. Ainda em seu art. 23, referida lei ressalta que, “se o demandado não comparecer ou recusar-se a participar da tentativa de conciliação não presencial, o Juiz togado proferirá sentença”.

Tal determinação de pena, prevista no art. 23 da Lei do Juizado Especial Cível, para a parte que se recusar a participar da audiência não presencial, deve ser vista com cautelas, deve-se dizer. Isso porque o próprio CNJ, na Resolução n. 304/2020, indicou que, no art. 6º, § 3º, as

 

audiências em primeiro grau de jurisdição por meio de videoconferência devem considerar as dificuldades de intimação de partes e testemunhas, realizando-se esses atos somente quando for possível a participação, vedada a atribuição de responsabilidade aos advogados e procuradores em providenciarem o comparecimento de partes e testemunhas a qualquer localidade fora de prédios oficiais do Poder Judiciário para participação em atos virtuais.

 

De tal forma, o art. 23 da Lei do Juizado Especial Cível, reformado pela Lei n. 13.994/2020, deve ser compreendido em conjunto com o art. 6º, §3º da Resolução n. 304/2020 do CNJ, e, assim, evitar a aplicação de pena de confissão ou revelia para a parte faltante, ou mesmo a extinção do procedimento sem a resolução do mérito em audiência de conciliação e mediação perante aos juizados especiais cíveis quando lhe for apresentada a justificativa da impossibilidade de realização do ato em razão de dificuldades técnicas, falta de equipamento ou até mesmo inexperiência com o sistema disponibilizado pelo Conselho Nacional de Justiça para acesso às salas virtuais de audiências. Portanto, o art. 23 da Lei do Juizado Especial Cível não deve ser aplicado de plano, sem que haja a verificação da justificativa. Além disso, qualquer deliberação sobre a aplicação do art. 23 do Juizado Especial Cível deve ser devidamente fundamentada, obedecendo a regra do art. 11, do CPC, e 93, inc. IX, da CR/88.

Faz-se importante ressaltar também que, nas causas inferiores a 20 salários mínimos (art. 9 da Lei do Juizado Especial Cível), a participação de um advogado é facultativa nas audiências de mediação e conciliação. Então, e estando as partes desacompanhadas de advogados, a realização da audiência de conciliação/mediação telepresencial pode ser realizada, mas com muito mais cuidado e zelo: como as partes não reúnem condições técnicas e procedimentais para o devido acesso e prática dos atos procedimentais junto ao juizado especial cível, além de desconhecerem as consequências previstas pelo art. 23 da Lei do Juizado Especial Cível, a realização de tal audiência pelo ambiente virtual poderá não ser a melhor escolha.

A ausência do advogado, elemento indispensável para a administração da justiça (art. 133 da CR/88), é elemento preocupante nas audiências telepresenciais de conciliação/mediação junto ao Juizado Especial Cível, e poderá servir para atos de arbitrariedade. Há que se tomar cuidado, portanto, com a realização de audiências telepresenciais de conciliação/mediação sem a presença de um advogado, uma vez que se estará diante de carência e hipossuficiência técnica, procedimental e econômica das partes envolvidas.

O mesmo deve ser dito quando se verifica que uma das partes está acompanhada de advogado no juizado especial e representa uma empresa grande, e, do outro lado, há pessoa física ou pessoas jurídicas de pequeno porte (micro ou pequena empresa). Nestes casos, faltando a isonomia necessária para o estabelecimento do diálogo, tem-se que o certo seria, em nome do devido processo, aconselhar a parte desacompanhada de advogado a contratar um ou indicar a ela a defensoria pública, para assim fazer seu acompanhamento.

Conclui-se indicando que a audiência de conciliação/mediação deve ser incentivada pelo meio presencial e telepresencial. Ainda no que diz respeito a tais audiências, não podem ser suprimidos princípios previstos no art. 166, do CPC. Por isso, o judiciário deve ficar atento para que não sejam as partes obrigadas a realizar audiências de conciliação/mediação telepresencial sem que possuam domínio das questões procedimentais e tecnológicas que o sistema exige: é desaconselhada a realização da audiência de conciliação e mediação no juizado especial cível sem a presença dos advogados, para evitar violação do art. 166, do CPC.

Quanto ao juizado especial cível, o art. 23 da Lei não deve aplicar pena de confissão, revelia ou extinção do procedimento sem a resolução do mérito para a parte faltante em audiência telepresencial de conciliação/mediação de forma automática. Deve-se levar em consideração a justificativa para sua ausência, bem como a sua possível carência de recursos tecnológicos. Ademais, para a aplicação da pena de revelia ou confissão, deve se ter em mente que a decisão deve ser fundamentada, conforme determina o art. 11, do CPC e o art. 93, IX, da CR/88.

 

5 Audiências telepresenciais de saneamento e organização do processo

 

A audiência de saneamento e organização do processo, como o próprio nome informa, tem cinco objetivos: a) resolver as questões processuais pendentes, se houver; b) delimitar as questões de fato sobre as quais recairá a atividade probatória, especificando os meios de prova admitidos; c) definir a distribuição do ônus da prova, observado o art. 373 do CPC; d) delimitar as questões de direito relevantes para a decisão do mérito e e) designar, se necessário, audiência de instrução e julgamento, conforme está previsto no art. 357 do CPC.

Como esclarece Soares (2020, p. 567),

 

sanear significa analisar os atos procedimentais praticados entre a petição inicial, citação, audiência de conciliação, oferecimento de defesa e impugnação à defesa. Organizar significa programar os próximos atos procedimentais a serem praticados, tais como definição das teses de direito e de fatos que serão debatidos e as provas a serem produzidas. A decisão de saneamento e organização do processo no Estado Democrático de direito constitui de um modo de garantir o dever de cooperação entre as partes e o juízo. O saneamento é feito comparticipada.

 

Lucio Delfino (2015, p. 179/180) informa que

 

  1. I) CPC, a exemplo do CPC de 1973, adota o saneamento difuso (complexo ou composto), abrangendo diversos atos, exarados em diversas oportunidades lógicas e sucessivas, cuja serventia é verificável já no primeiro contato do juiz com a petição inicial, quando, antes mesmo de recebê-la, se necessário for, tomará providências a fim de que a demanda proposta e a relação jurídica processual que se formará atendam aos desígnios, matizados na obtenção de uma sentença de mérito – aliás, é importante frisar que o CPC trabalha com regras voltadas à primazia do julgamento do mérito (art. 4º). Constata-se, daí, que o saneador se espraia por todo o procedimento judicial estando regrado em fases variadas, já previstas no limiar da fase postulatória, com nova possibilidade de utilização no momento das providências preliminares e sendo renovado, uma vez mais, caso o feito avance rumo à audiência de instrução e julgamento, quando o juiz deverá proferir decisão de saneamento e de organização do processo (art. 357); II) a essência do saneador está em manter o processo o mais organizado possível, extirpando dele defeitos que amiúde se verificam e às vezes têm o potencial de corromper boa parte das atividades processuais já realizadas, com prejuízo de tempo, dinheiro e talvez do próprio direito material em jogo.

 

Quando a causa apresentar complexidade em matéria de fato ou de direito, deverá o juiz designar audiência para que o saneamento seja feito em cooperação com as partes, oportunidade em que o juiz, se for o caso, convidará as partes a integrar ou a esclarecer suas alegações (§2º. do art. 357 do CPC).

A audiência de saneamento e organização do processo possui como objetivo fixar pontos controvertidos de fato e de direito, bem como fixar provas que serão produzidas e o ônus de prova. Nesta audiência, não há a necessidade das partes comparecerem: os advogados, já devidamente habilitados, podem representar os interesses das partes, com poderes ad judicia para o foro em geral. Estes profissionais devem discutir questões (fato e de direito), verificar as questões controvertidas e incontroversas e quais provas devem ser feitas. As partes somente devem comparecer pessoalmente à audiência de saneamento e organização do processo quando forem intimadas para prestar eventuais esclarecimentos ao juiz – isso é o que chamamos de interrogatório da parte. Assim, cabe-nos analisar se a audiência de saneamento e organização do processo pode ser feita pelo meio virtual quando envolver complexidade em matéria de fato e de direito.

No que diz respeito à audiência de saneamento, acredita-se que a sua realização possa se dar, sem problema algum, pelo meio virtual. Acredita-se ainda, e inclusive, que ela deve ser incentivada, pois a experiência mostra que o judiciário não vem realizando tal audiência com a frequência necessária. Nem mesmo o saneamento do processo, por meio de decisão, tem sido feito da forma devida pelo judiciário.

Como dito, o objetivo do saneamento é duplo: sanear eventuais vícios processuais que dificultam o julgamento do mérito e permitir decidir sobre as questões de fato e de direito que serão objeto de discussão, produção de provas e resolução pelo juízo. Há que se ressaltar que esse saneamento deve ser sempre feito de modo compartilhado, em conjunto com as partes e advogados, respeitando o processo constitucional, não podendo olvidar do contraditório, aqui entendido como preleciona Ronaldo Brêtas de Carvalho Dias (2018, p. 133), o “quadrinômio estrutural – informação, reação, diálogo, influência”.

A realização de audiências de saneamento e organização do processo pelo meio telepresencial também é uma forma de dinamizar sua realização, diminuir custos e otimizar o tempo. Sua realização pelo meio virtual vai ao encontro do princípio da informalidade, da economia processual e da eficiência processual.

No entanto, cabe uma advertência: verifica-se que, na audiência de saneamento e organização do processo (art. 357 do CPC), faz-se possível a realização do interrogatório das partes (o comparecimento das partes para tal interrogatório deve ser feito pelo meio telepresencial, utilizando o sistema Cisco Webex). Comparecendo ambas as partes virtualmente, o juiz irá providenciar o interrogatório, que será realizado da mesma maneira que se dá o procedimento do depoimento pessoal, qual seja, primeiro o autor e depois o réu, sendo que o réu não poderá ouvir o depoimento do autor (art. 385, §2º, CPC).

Garantir que o réu não tenha acesso ao depoimento do autor é uma grande dificuldade do interrogatório virtual. Isso acontece pelo simples fato de que não se faz possível ao juízo controlar o que está acontecendo no ambiente externo à sala virtual da audiência. Não é possível afirmar, por exemplo, se há alguém que está repassando informações para o réu e/ou se o réu não está até mesmo assistindo à referida audiência por outros meios. Se o réu assiste ao depoimento do autor, já há violação do procedimento de interrogatório e do devido processo, pois pode impedir a ocorrência de confissão e dificultar esclarecimentos de fatos.

Por fim, tem-se então que a realização da audiência de saneamento e organização do processo não sofre nenhuma objeção procedimental para que seja realizada pelo meio virtual. No entanto, quando envolver a realização de interrogatório das partes, há clara restrição ao devido processo, e, quando isso ocorrer, a orientação é que tais audiências sejam feitas pelo meio presencial, observando o devido processo e impedindo que a parte ré tenha acesso ao depoimento da parte autora.

 

6 Audiência telepresencial de instrução e julgamento 

 

A audiência de instrução e julgamento ocorre quando houver a necessidade de realização de provas orais em audiência. O requerimento para a realização de provas orais, cabe ressaltar, pode ser feito em petição autônoma, quando da determinação pelo juízo da especificação de provas, após o saneamento e organização do processo ou até mesmo na audiência de organização e saneamento do processo prevista pelo §3º do art. 357 do CPC. Sendo deferida a produção de prova oral, especialmente o depoimento pessoal das partes, inquirição de perito e a prova testemunhal, devem as partes, no prazo comum de 15 dias, apresentar o rol de testemunhas, e, se for o caso, também indicar a necessidade e o interesse no depoimento pessoal ou a apresentação de quesitos para esclarecimentos periciais, conforme preconiza o § 4º do art. 357 do CPC.

Neste ato, a audiência de instrução e julgamento telepresencial se mostra um pouco mais tormentosa para atender ao devido processo legal. A seguir, são elencados alguns motivos pelos quais a ocorrência de audiência de instrução telepresencial pode ferir o devido processo constitucional. São eles: 1) dificuldade de garantir a publicidade; 2) dificuldade de tomar o depoimento pessoal das partes e de obtenção de confissão; 3) dificuldade de saber se a testemunha é realmente a pessoa que se apresenta no vídeo; 4) dificuldade de tomar o depoimento das testemunhas e de policiar qualquer interferência em seus depoimentos; 5) dificuldade de manter incomunicabilidade das testemunhas; 6) instabilidade do tráfego de dados pode prejudicar o depoimento das partes e das testemunhas ou até mesmo a compreensão da pergunta e da resposta pelo juiz; 7) dificuldade pelo juízo de realizar a valorização da prova.

Abaixo serão tecidos comentários sobre os motivos apresentados acima para desaconselhar a realização da audiência de instrução e julgamento pelo meio virtual. Além dos motivos que serão devidamente pontuados, cabe ressaltar ainda que existem outros fatores externos que impedem a sua realização de forma universalizada e eficiente, haja vista milhões de brasileiros não possuírem acesso à internet ou mesmo computador, bem como a instabilidade do tráfego de dados que não é confiável e nem estável, possibilitando que o sigilo de dados seja violado ou que informações possam ser modificadas sem que haja a fiscalização das partes, de advogados, do ministério público e da sociedade.

 

6.1 Ausência de publicidade nas audiências de instrução telepresenciais

 

Conforme determinam os artigos 188 e 388 do CPC, todos os atos processuais devem ser públicos, especialmente as audiências de conciliação/mediação/saneamento e instrução. Ocorre que, pela utilização do sistema Cisco Webex, disponibilizado pelo CNJ, tem havido dificuldade para se garantir tal princípio – a ausência de publicidade leva à nulidade do ato processual e da decisão (art. 188, art. 11 ambos do CPC e art. 93, inc. IX do CPC). A publicidade dos atos processuais e das decisões judiciais devem ser irrestritas.

No momento em que para se acessar uma audiência de conciliação/mediação/ saneamento ou instrução haja a necessidade de autorização do mediador da reunião (serventuário) e esse não deixa saber qual o dia o horário a audiência será realizada, infelizmente há uma violação do art. 188 do CPC e um impedimento à fiscalização dos atos procedimentais e jurisdicionais o que, de sobremaneira, atrapalha a validade e confiabilidade do ato procedimental que está sendo praticado pelo meio telepresencial. O link para se acessar a audiência e o ambiente de sua realização é fechado e restrito para as partes e seus procuradores.

A publicidade faz parte constitutiva e estrutural do modelo democrático do processo. Segundo Ferrajoli (1997, p. 632-634), a publicidade assegura tanto o controle externo, quanto o controle interno da atividade jurisdicional.

Em suma, conclui-se que a forma de estruturação das audiências telepresenciais no direito brasileiro, com pouca experiência, ausência de procedimento e sem nenhuma garantia de publicidade dos atos procedimentais, prejudica a obtenção de resultados melhores, não se podendo, portanto, falar em processo democrático e de fiscalização dos atos procedimentais, o que está a ferir o art. 188 do CPC e até mesmo o art. 37 da Constituição da República.

 

 

6.2 Depoimento pessoal das partes nas audiências de instrução e julgamento telepresenciais  

 

Verifica-se que no parágrafo terceiro do art. 385 do CPC já existia a possibilidade de realização de audiência para inquirição das partes por meio virtual. No entanto, ao ler o parágrafo terceiro do art. 385 do CPC, a sua redação não consegue explicar como garantir o devido processo e evitar que a parte que ainda não depôs tenha acesso ao depoimento da parte que já depôs.

É bom que se diga que o depoimento pessoal das partes tem o objetivo de permitir esclarecimentos de fatos e obtenção de confissão. É importante que advogados estejam juntos das partes que representam, devendo explicar possíveis consequências jurídicas de seus depoimentos e indicar a forma de responder as questões de fato que forem feitas pelo juiz ou pelo advogado da parte contrária – não se pode exigir que advogados fiquem longe de seus clientes ou em recintos diversos, sob pena de impedir o trabalho da defesa e do exercício da ampla defesa (art. 5º, inc. LV da CR/88). Também, em momento de isolamento social em razão da Covid-19, não se pode determinar que o advogado se reúna com seu cliente em seu escritório para a realização da audiência de instrução telepresencial, descumprindo regras de isolamento e se expondo a riscos de contágio.

De toda forma, acreditando ser possível a realização da audiência de instrução e julgamento telepresencial, certo é que a mesma deveria ser marcada por meio de um sistema de acesso controlado à sala virtual de audiência, a fim de que eventuais depoimentos sejam realizados sem que um tenha acesso ao do outro. Neste caso, faz-se necessário considerar ainda duas outras situações: a primeira, em que a parte e o advogado estão juntos no mesmo recinto; e a segunda, em que a parte está em sua residência e o advogado está em seu escritório.

Conforme determina o art. 387 do CPC, “parte responderá pessoalmente sobre os fatos articulados, não podendo servir-se de escritos anteriormente preparados, permitindo-lhe o juiz, todavia, a consulta a notas breves, desde que objetivem completar esclarecimentos”. Portanto, tem-se aí a primeira dificuldade a ser enfrentada pelo depoimento pessoal pelas partes: fazer com que as partes respondam em ambiente virtual a perguntas formuladas pelo juiz e pelo advogado da parte contrária sem que haja interferência de outras pessoas, uma vez que a parte deve responder pessoalmente sobre os fatos articulados, não podendo servir-se de escritos anteriormente preparados. Também, em razão da pessoalidade, não se pode admitir que haja interferência de advogados no depoimento das partes, o que poderá ocorrer, em ambiente telepresencial, sem que o juízo perceba, pois estará em ambiente virtual e totalmente limitado ao que captam as câmeras dos computadores.

Mesmo que as partes estejam perto ou longe de seus advogados, não há nenhuma garantia, para nenhuma das partes, que elas não estejam se utilizando de apontamentos ou preparados escritos ou tendo ajuda de outras pessoas para responder aos questionamentos feitos pelo juízo ou pelo advogado da parte contrária. Tal interferência no depoimento das partes poderá levar a eventual dificuldade no esclarecimento de fatos e na obtenção de confissão.

Outra situação bastante preocupante junto às audiências de instrução telepresenciais é relativa à aplicação da pena de confissão. Segundo determina o art. 385, §1º do CPC, “se a parte, pessoalmente intimada para prestar depoimento pessoal e advertida da pena de confesso, não comparecer ou, comparecendo, se recusar a depor, o juiz aplicar-lhe-á a pena”.

Ocorre que, em ambiente virtual, outras questões podem surgir, não devendo ser consideradas como recusa em responder, e, portanto, não poderia ser aplicada a pena de confissão. Um exemplo de tal situação seria aquele relacionado ao tráfego de dados utilizados pelas partes: imagine uma situação em que a parte esteja utilizando rede de transferência de dados sem eficiência, e, no curso do depoimento, a imagem e o som fiquem travados, com o cancelamento do envio dos dados, restando impossível ouvir a resposta do depoimento. Neste caso, seria correto aplicar a pena de confesso prevista no §1º do art. 385 do CPC? E, ainda, se a parte depoente, de má-fé, ao se ver em uma situação difícil para responder a alguma questão que lhe for perguntada, realizar a desconexão da rede de transferência de dados? Seria o caso de aplicar a pena de confissão? Para aplicar a confissão, como seria a prova de que a rede de transferência de dados não estava boa em seu tráfego e isso impossibilitou a resposta por parte do depoente? Por fim, como provar que o depoente é que propositadamente se desconectou da rede de transferência de dados para evitar responder perguntas maliciosas ou que o prejudicariam? São dúvidas para as quais ainda não há resposta conclusiva.

Embora a audiência de instrução telepresencial seja uma saída importante, há inúmeras dúvidas que precisam ser sanadas do ponto de vista instrumental, uma vez não ser possível realizar testes com direitos fundamentais. Portanto, a aplicação da pena de confissão, justa ou não, pelo ambiente virtual, seria quase impossível, pois existiria sempre a possibilidade de se alegar que houve dificuldade de conexão e dificuldade com transferência de dados. De tal forma, respostas formuladas pelo juiz ou pelo advogado ficariam sem respostas, ou, quando do restabelecimento da conexão, já estariam prontas e seriam dadas de outra forma e em razão de outro momento.

Outra dificuldade que pode ser encontrada em sua realização no ambiente virtual/telepresencial, quanto ao depoimento pessoal, é justamente garantir o disposto no § 2º, do art. 385 do CPC, que indica que “é vedado a quem ainda não depôs assistir ao interrogatório da outra parte”. Tal vedação serve para permitir buscar eventual confissão, e, se o réu assiste ao depoimento pessoal do autor, eventual confissão fica prejudicada. A situação fica mais difícil quando envolve o fenômeno do litisconsórcio ativo ou passivo, pois, quanto mais partes participarem, maiores serão as possibilidades de que uma parte assista ao depoimento da outra, violando a ampla defesa (art. 5º, inc. LV da CR/88). Não existe nenhuma garantia de proteção do depoimento do autor e do réu, e isso poderá ser causa de nulidade processual.

 

6.3 Dificuldade de saber se a testemunha é realmente a pessoa que se apresenta no vídeo

 

Ultrapassadas as dificuldades de produção da prova oral e do depoimento pessoal, tem-se um segundo obstáculo para ser vencido, quando da realização da audiência de instrução telepresencial: a identificação correta da testemunha que compareceu para prestar o depoimento.

Em ambiente telepresencial, não há a possibilidade de conferir, de forma efetiva, a identidade da testemunha, bem como se ela é realmente quem alega ser: dúvida relacionada à identificação da testemunha se dá em ambiente telepresencial em razão da não conferência de sua identidade ou de uma conferência muito branda, sem análise da sua carteira de identidade e de seus critérios de validade, assim como pela dificuldade de identificar visualmente se realmente é a pessoa que irá depor – os meios de aferição da testemunha como sendo a pessoa capaz de testemunhar são bastante difíceis, e, infelizmente, pelo ambiente virtual, eles se tornam ainda mais complicados e tumultuados, já que alguém poderá se passar por outra pessoa, dar um depoimento falso e ninguém ficar sabendo.

No contexto acima mencionado, de quem seria a responsabilidade se uma pessoa se passasse por outra e prestasse informações inverídicas para ajudar uma das partes? Ao que parece, este seria caso claro de litigância de má-fé, no qual se tem a alteração da verdade dos fatos e para o qual se deve buscar a aplicação do art. 81 do CPC[6], com multa para o litigante que assim age. Dessa forma, urge salientar que possível fiscalização mostra-se traumática e difícil, com poucas chances de sucesso em ambiente virtual.

 

6.4 Dificuldade de intimação, incomunicabilidade e inquirição das testemunhas

 

Além da dificuldade de se saber se efetivamente é a testemunha quem afirma ser, há outro problema relacionado ao devido processo constitucional que precisa ser observado, o que, em ambiente virtual, mostra-se mais complicado. Trata-se da realização da intimação de testemunhas, da fiscalização de seu depoimento e da vedação de interferência das partes e de advogados no depoimento das testemunhas.

Estabelece o art. 455 do CPC que “cabe ao advogado da parte informar ou intimar a testemunha por ele arrolada do dia, da hora e do local da audiência designada, dispensando-se a intimação do juízo”. Tal consideração, quando se trata de audiência telepresencial, traz dúvida sobre o local onde o depoimento da testemunha ocorrerá.

Faz-se necessário lembrar que a testemunha poderá estar em 3 lugares: em sua residência, na residência ou no escritório do advogado ou até mesmo junto a outras testemunhas. Infelizmente, não há nenhuma norma procedimental para resolver a presente questão. Além disso, se se entende que o melhor local para o depoimento da testemunha seria em sua residência, longe da parte autora e ré e dos advogados, deve-se saber se a testemunha terá condições tecnológicas para acessar ao sistema Cisco Webex no horário determinado na intimação para prestar seu depoimento. De tal forma, a intimação elaborada pelo advogado, no presente caso, carece de normatividade, pois não há nenhuma indicação de local diverso do fórum, para sua realização, no Código de Processo Civil.

Uma outra questão relacionada ao depoimento das testemunhas refere-se ao fato de que poderá a parte se comprometer a levar a testemunha, independentemente de intimação, a que se refere o art. 455 do CPC, conforme estabelece o §2º do mesmo artigo. Entretanto, caso a testemunha não consiga acessar o sistema Cisco Webex, no horário marcado para a realização da audiência telepresencial, isso poderá levar o juízo a entender que o não acesso da testemunha no sistema foi interpretado como desistência da parte em sua inquirição. Obviamente, transferir o acesso ao sistema e obrigar a testemunha a ter rede de dados eficiente para atender às exigências do judiciário é algo bastante complicado. Assim, poderá a parte ficar prejudicada da produção de prova testemunhal por problemas técnicos e de acesso e transferência de dados da testemunha. Presumir que a parte desistiu da testemunha que não conseguiu acesso ao sistema de comunicação Cisco Webex é cerceamento da ampla defesa.

Pelo procedimento do código de processo civil, estabelece o art. 456 do CPC que “o juiz inquirirá as testemunhas separada e sucessivamente, primeiro as do autor e depois as do réu, e providenciará para que uma não ouça o depoimento das outras”.

Pode-se verificar que o art. 456 do CPC estabelece a incomunicabilidade das testemunhas: as testemunhas que já depuseram não poderão se comunicar com as testemunhas que ainda não depuseram. No ambiente virtual, no entanto, a incomunicabilidade fica prejudicada, pois é impossível que o juiz possa controlar em qual ambiente se encontram as testemunhas. Outrossim, o simples fato de estarem em suas residências, ou estarem em local diverso do que se encontram as partes e os advogados, em nada garante que elas não estejam se comunicando. Cabe ressaltar ainda que existem inúmeras formas de comunicação virtual, e que, enquanto o juiz utiliza o sistema Cisco Webex, a testemunha poderá conversar e comunicar-se com outras pessoas e testemunhas por outros sistemas, e o judiciário não terá condições de fiscalização sobre isso. Pode-se ainda se argumentar que a boa-fé se presume, e que a má-fé deve ser provada; contudo, no presente caso, faz-se necessário entender que a fiscalização do comportamento das testemunhas não é responsabilidade das partes, mas, sim, do judiciário, e é ele que deve dispor de meios próprios e necessários para realizar tal verificação.

Ademais, ressalta-se o art. 459 do CPC, o qual afirma que  “as perguntas serão formuladas pelas partes diretamente à testemunha, começando pela que a arrolou, não admitindo o juiz aquelas que puderem induzir a resposta, não tiverem relação com as questões de fato objeto da atividade probatória ou importarem repetição de outra já respondida”. Embora deva o juiz evitar todo e qualquer tipo de indução de respostas, tal induzimento é difícil de combater no ambiente virtual da audiência de instrução, bem como fica complicada a sua fiscalização, pois poderá o advogado fazer uma pergunta, e, logo após, fora do espectro da câmera, passar a resposta para a testemunha. Novamente, faz-se preciso salientar não haver nenhuma possibilidade de fiscalização do judiciário sobre tal comportamento da testemunha.

Por fim, urge ressaltar que a inquirição de testemunhas é feita pelos advogados e pelo juízo, e, mais uma vez, dificuldades técnicas podem dificultar o esclarecimento de fatos e impedir o devido processo e a ampla defesa. Logo, qualquer falha no sistema não deve gerar nenhum prejuízo para as partes, sob pena de prejuízo para a ampla defesa e para o contraditório. De tal forma, e não havendo a devida conexão entre o juiz e as testemunhas, deve-se adiar a audiência telepresencial, não imponto qualquer penalidade para as partes e/ou para seus advogados.

 

6.5 Valoração e valorização da prova nos depoimentos pessoais e testemunhas

 

A prova, para cumprir sua função de garantia do devido processo  constitucional, enuncia-se pelos conteúdos lógicos de aproximação dos seguintes princípios: a) indiciariedade (existência de elemento sensível na realidade objetiva), b) idearidade (apreensão, somatização e transmissão do elemento de prova pelo intelecto) e c) instrumentalidade (materialização gráfico-formal desses elementos pelos meios intelectivos ou técnicos-jurídicos permitidos). (LEAL, 2016). A prova não tem o objetivo de buscar a verdade dos fatos e nem é responsabilidade do juiz, nem do processo.

 

O juiz não é livre para decidir da forma que melhor entender. Sua atividade é vinculada à argumentação das partes e às provas consistentes nos autos (art. 9 e 10 do CPC). A ausência dessa participação proíbe o juiz de sentenciar e descaracteriza o conceito de fundamento decisório a que alude o art. 93, IX e X da CR/88. (SOARES, 2020, p. 578).

 

Como bem lembra Ronaldo Brêtas (2016, p. 153 e 154),

 

a prova faz com que se opere no processo uma dupla magia que, a rigor, não lhe é própria e exclusiva, mas de todo aquele que pretende investigar fatos ou acontecimentos ocorridos no passado. Essa considerada dupla magia do processo consiste em 1º) fazer reviver fatos que já não vivem, pois aconteceram no passado, portanto, sepultados pelo tempo; 2º) fazê-los reviver na consciência de alguém que estava totalmente ausente e era estranho aos acontecimentos já ocorridos em tempo pretérito e que devem ressurgir, ou seja, o juiz. A partir daí, conclui Spinelli que, por tais razões, o processo poderia ser considerado a ciência do tempo perdido”.

 

O juiz deve, no momento de decidir, empreender duas atividades: a valoração e a valorização da prova. Segundo Rosemiro Pereira Leal (2009), a valoração da prova é, num primeiro momento, perceber/indicar a existência do elemento de prova nos autos do procedimento. Num segundo momento, pela valorização, o juízo, por meio de argumentos, apresentará a importância do elemento de prova para a formação do convencimento e do teor significativo de seus aspectos técnicos e lógico-jurídicos de inequivocidade material e formal; e neste momento se apresenta  uma grande dificuldade de audiências telepresenciais: o distanciamento entre o juízo e a prova (depoimento pessoal e testemunhal) pode impedir a captação de elementos e situações que, com a proximidade, podem ser mais perceptíveis.

No que tange a prova oral, esta tem carga subjetiva muito forte, já que o comportamento do depoente ou da testemunha, sua forma de responder, a entonação de sua voz, seu comportamento perante as respostas, sua ausência de clareza ou nervosismo podem ficar acobertados pela visão limitada do contato telepresencial. De tal maneira, verifica-se que a imediatidade judicial (aproximação do juiz das provas), no ato de valorização da prova, se torna um elemento crucial para a condenação ou para a absolvição de uma pessoa. O distanciamento na audiência telepresencial, por sua vez, afasta a qualidade da valoração da prova, podendo causar error in judiciando ou error in procedendo, o que afetará diretamente a qualidade da decisão jurisdicional. Além disso, estando a testemunha ou a parte em um ambiente mais confortável, como a sua residência, ou no próprio escritório do advogado, ela pode se sentir mais acolhida e direcionada para dizer o que as partes gostariam que fosse confirmado, e isso impediria a valorização da prova de forma efetiva.

Os prejuízos procedimentais para a valoração e valorização da prova, pela audiência telepresencial, são ainda muito pouco controláveis, não havendo mecanismos tecnológicos que possam suprimir a presença física do juízo e do procedimento presencial como um ato solene, público e necessário para a prestação jurisdicional de qualidade.

 

6.6 Instabilidade do tráfego de dados pode prejudicar o depoimento das partes e das testemunhas ou até mesmo a compreensão da pergunta e da resposta pelo juiz

 

Quando se fala na realização de audiências telepresenciais, para o seu adequado desenvolvimento, faz-se necessário possuir computador ou celular, acesso à rede mundial de computadores com tráfego de dados de alta qualidade e que não pode falhar.

Cabe ressaltar que falhas técnicas para a realização da audiência telepresencial podem se dar de muitas formas, como ausência de energia, falha de comunicação, inexistência ou suspensão do tráfego de dados, equipamentos obsoletos e/ou pane no sistema do próprio judiciário. Cada uma dessas falhas, deve-se dizer, pode gerar dificuldades para a realização das provas orais, especialmente para o depoimento das partes e das testemunhas. Vejamos.

A primeira hipótese, relacionada a possíveis problemas técnicos, refere-se à ausência de equipamentos para a realização de audiências e para a participação das partes e testemunhas. Apenas para se ter ideia,

 

a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua – Tecnologia da Informação e Comunicação (Pnad Contínua TIC) de 2018, divulgada hoje (29) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostra que uma em cada quatro pessoas no Brasil não tem acesso à internet. Em números totais, isso representa cerca de 46 milhões de brasileiros que não acessam a rede. Os dados, que se referem aos três últimos meses de 2018, mostram ainda que o percentual de brasileiros com acesso à internet aumentou no país de 2017 para 2018, passando de 69,8% para 74,7%, mas que 25,3% ainda estão sem acesso. Em áreas rurais, o índice de pessoas sem acesso é ainda maior que nas cidades, chega a 53,5%. Em áreas urbanas é 20,6%. Quase a metade das pessoas que não têm acesso à rede (41,6%) diz que o motivo para não acessar é não saber usar. Uma a cada três (34,6%) diz não ter interesse. Para 11,8% delas, o serviço de acesso à internet é caro e para 5,7%, o equipamento necessário para acessar a internet, como celular, laptop e tablet, é caro[7].

 

A ausência de equipamentos, de conhecimentos de informática e de acesso à internet são, realmente, problemas que precisam ser solucionados, bem como fatores preponderantes para o desaconselhamento da realização de audiências telepresenciais -infelizmente, ainda, não  há no Brasil a universalidade de acesso à internet, o que inviabiliza o “acesso à justiça”.

Diante do contexto mencionado, não se pode aceitar que pessoas que não possuem acesso à internet ou conhecimentos de informática mínimos fiquem prejudicados em seus direitos e em sua proteção. O comando constitucional brasileiro para o devido processo é claro (art. 5º, inc. LVI, CR/88): “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”. No presente caso, não há como obrigar pessoas hipossuficientes economicamente, ou que que não possuem conhecimentos técnicos ou até equipamentos para acessar a rede mundial de computadores, a terem acesso a um processo via internet.

Se o Estado entende que a virtualização de processos é uma tendência, faz-se imprescindível, então, que disponibilize equipamentos e pessoal treinado a cidadãos comuns, a fim de que tenham garantido amplo e irrestrito acesso à justiça. Para tanto, o Estado precisa agir com eficiência e transparência.

Segundo Ronaldo Brêtas de Carvalho Dias (2015, p. 194 e 195),

 

quando os órgãos jurisdicionais descumprem essas normas do ordenamento jurídico, (…), o que é prática ilícita corriqueira no Estado Brasileiro, a jurisdição se apresenta morosa, intempestiva e ineficiente. (…) Tem-se, então, nesses casos habituais, atividade estatal desempenhada com afronta manifesta ao princípio da eficiência e ao princípio da legalidade.

 

A transferência de informações e dados por meio virtual sempre pode ter falhas. Por isso, não se deve aplicar as mesmas punições que existem no Código de Processo Civil para as partes, advogados e testemunhas quando da realização de audiências telepresenciais.

Em audiências presenciais, caso a parte (autora/ré) não compareça à audiência de instrução presencial, para a qual foi devidamente intimada (art. 385, §1º, CPC), será aplicada a pena de confissão (art. 389, CPC). Referida pena, na audiência telepresencial, não pode ser automática, deve-se lembrar. Antes de aplicá-la, seria preciso entender os motivos pelos quais a parte não acessou a audiência de instrução: se foi por dificuldades técnicas ou por falta de equipamento, por falta de energia ou até mesmo por falta de conhecimentos mínimos de informática, a pena de confissão não se faz cabível.

O mesmo posicionamento deve ser seguido quando da realização da audiência de conciliação (art. 334, CPC). Para esta audiência, segundo o §8º, “o não comparecimento injustificado do autor ou do réu à audiência de conciliação é considerado ato atentatório à dignidade da justiça e será sancionado com multa de até dois por cento da vantagem econômica pretendida ou do valor da causa, revertida em favor da União ou do Estado”. Ora, é preciso considerar que, no caso de audiências de conciliação telepresenciais, o não comparecimento das partes (autor e réu) pode ocorrer por inúmeras causas (falta de energia, ausência de acesso à internet, ausência de conhecimentos sobre informática, dificuldades técnicas em geral etc.), não sendo possível, portanto, embasar a aplicação da multa de 2% prevista no §8º do art. 334 do CPC. Faz-se preciso entender que a lógica do Código de Processo Civil para as audiências presenciais não pode ser a mesma para o desenvolvimento de audiências telepresenciais. No momento, não há normas procedimentais que regulem as audiências telepresenciais, o que remete ao descumprimento do devido processo constitucional.

 

7 Considerações Finais

 

            O processo constitucional é resultado de conquistas da evolução da teoria do processo ao longo da história. No entendimento atual, um processo somente é válido caso demonstre a efetiva participação de seus sujeitos de forma a construir a adequada resolução do conflito. Assim, o devido processo constitucional somente será considerado observado caso respeite o contraditório, a ampla defesa, a isonomia, a publicidade e a fundamentação das decisões.

O presente texto buscou verificar se a realização de audiências do procedimento comum do CPC de 2015, bem como no âmbito dos Juizados Especiais Cíveis (conciliação ou mediação, saneamento e instrução) é compatível com o devido processo constitucional.

Em relação às audiências de conciliação e mediação da justiça comum, conclui-se que estas devem ser incentivadas, tanto pelo meio presencial como pelo telepresencial, observando-se sempre condições materiais e operacionais dos sujeitos do processo para a sua realização, bem como a isonomia entre as partes quanto à justificativa para sua ausência e a carência de recursos tecnológicos. Além disso, faz-se desaconselhada a realização da audiência de conciliação e mediação, no âmbito do juizado especial cível, sem a presença de advogados, não devendo ainda ser aplicada pena de confissão, revelia ou extinção do procedimento sem a resolução do mérito para a parte ausente em audiência telepresencial de conciliação/mediação de forma automática. A decisão judicial para tanto deverá ser fundamentada, levando em consideração a justificativa para sua ausência.

A audiência de saneamento e organização do processo apenas sofre objeção procedimental, para que seja realizada pelo meio virtual, quando envolver a realização de interrogatório das partes, a fim de se impedir que a parte ré tenha acesso ao depoimento da parte autora, prejudicando a obtenção de confissão.

A audiência telepresencial de instrução de julgamento é a que apresenta as maiores dificuldades. As principais dificuldades apresentadas para a sua realização no presente artigo foram: a) a ausência de publicidade; b) dificuldade de manutenção de incomunicabilidade no depoimento pessoal; c) dificuldade de identificação das testemunhas; d) dificuldade de intimação, incomunicabilidade e inquirição das testemunhas; e) valoração da prova pelo magistrado; e f) instabilidade de tráfego de dados.

Portanto, entende-se que as audiências telepresenciais de conciliação e mediação, bem como as de saneamento respeitam, como regra, o devido processo constitucional. As audiências de instrução e julgamento, entretanto, diante das diversas falhas apontadas nesta pesquisa, devem ser realizadas apenas por exceção.

Ressalta-se, por fim, que qualquer falha no sistema, em quaisquer das audiências telepresenciais, não poderá gerar nenhum prejuízo para as partes, sob pena de incompatibilidade com o devido processo constitucional.

[1] INTERROGATÓRIO JUDICIAL ON-LINE. Valor-Entendimento – “O sistema de teleaudiência utilizado no interrogatório judicial é válido à medida que são garantidas visão, audição, comunicação reservada entre o réu e seu defensor e faculta, ainda, a gravação em compact disc, que será anexado aos autos para eventual consulta. Assim, respeita-se a garantia da ampla defesa, pois o acusado tem condições de dialogar com o julgador, podendo ser visto e ouvido, além de conversar com seu defensor em canal de áudio reservado”. (TACRM/SP – Apelação nº. 1.384.389/8 – São Paulo – 4ª Câmara – Relator: Ferraz de Arruda – 21.10.2003 – V.U., Voto nº. 11.088).

[2] CORONAVIRUS BRASIL. Painel Coronavírus. Disponível em: https://covid.saude.gov.br/. Acessado em 22 jun. 2020.

[3] CNJ. Plataforma Emergencial de Videoconferência para atos processuais. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/plataforma-videoconferencia-nacional/. Acessado em 28 mai. De 2020.

[4] CNJ. Justiça em Números. Disponível em: < https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/conteudo/arquivo/2019/08/justica_em_numeros20190919.pdf>. Acessado em 14 jul. 2020.

[5] “(…) é constante em todos os locais visitados. É muito comum que o Cejusc tenha sido montado de forma improvisada, com sobras de móveis e empenho do próprio servidor por ele responsável. Muitos desses servidores trouxeram decoração e revistas de suas próprias casas para tornar o local mais agradável.  Muitos mencionam a necessidade de um ambiente acolhedor para facilitar a conciliação e entendem que os fóruns mais imponentes não afastam a população mais simples. Sobre a estrutura da sala de espera, para alguns, a existência de uma sala de espera única favorece a conciliação, pois as partes e os advogados já podem conversar antes do início da sessão e entrarem com um acordo já encaminhado. Muitos servidores mencionaram que, em razão da expectativa de ganho, muitas pessoas se apresentaram como voluntários e que atualmente, com a inexistência de remuneração, tem sido difícil de encontrar conciliadores. Os que aparecem são apenas para poder completar o estágio dos cursos de conciliação ou para cumprir com o tempo de prática jurídica necessário para prestarem concursos”. (CNJ, 2019, p. 164).

[6] Cf. SOARES, Carlos Henrique. Litigância de Má-fé no Direito Processual Brasileiro. Revista do Direito de Língua Portuguesa. Lisboa – PT, Ano II, Número 3, p. 7-36, janeiro/junho 2014.

[7] AGÊNCIA BRASIL. Um em cada 4 brasileiros não tem acesso à internet, mostra pesquisa. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2020-04/um-em-cada-quatro-brasileiros-nao-tem-acesso-internet#:~:text=A%20Pesquisa%20Nacional%20por%20Amostra,n%C3%A3o%20tem%20ª
cesso%20%C3%A0%20internet.
Acessado em 05 jul. 2020.

Artigo originalmente publicado na Revista Brasileira de Direito Processual – RBDPro / Belo Horizonte, ano 29, n. 113, p. 137-164, jan./mar. 2021.

Autor

  • Carlos Henrique Soares é Doutor e Mestre em Direito Processual (PUC/MG), Professor de graduação em Direito Processual Civil (PUC/MG), Professor de Pós-Graduação. Professor Colaborador do Mestrado em Direito Processual (PUC/MG), Coordenador do Curso de Pós-Graduação em Direito Processual Civil (IEC-Barreiro), Professor de Graduação da Escola Superior Dom Helder Câmara, Palestrante. Escritor de livros e Artigos. Advogado Militante. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual. Membro do Instituto Panamericano de Direito Processual. E-mail: carlos@pdsc.com.br. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-4568-4069
    Lucélia de Sena Alves é Mestre em Direitos Fundamentais, da linha de Direito Processual Coletivo, pela Universidade de Itaúna (2014). Possui experiência em pesquisa empírica em Direito. Professora de Direito Processual Civil das Faculdades Kennedy de Minas Gerais e da Faculdade Promove. Coordenadora do curso de Pós-graduação em Advocacia Cível e Tecnologias Aplicadas à Advocacia da Faculdade Promove. Professora da Escola Superior da Advocacia de Minas Gerais. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual. Advogada no escritório Sena & Alves Advocacia. E-mail: luceliasenalves@gmail.com. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6764-6189

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