Quem perde a luz de seu sonho
Deixando a alma no escuro
Vive no avesso do espelho
De algum sonho sem futuro
O rio dos homens sem sonho
É rio de terra e de pó
Quem sonha um sonho sozinho
Constrói um mundo de um só
A poesia que inaugura esta coluna foi por mim utilizada para finalizar minha exposição na chamada “prova de tribuna”, última etapa do concurso para ingresso na carreira da Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul. A leveza da licença poética permitida para esse derradeiro momento do certame é, sem dúvidas, uma exceção no contexto de um concurso que, reunindo cinco desgastantes fases, busca selecionar candidatos preparados a integrar essa distinta instituição.
Alinhadas à tradição dos demais concursos jurídicos, as provas para ingresso na carreira da Defensoria Pública apresentam, como regra, uma fase objetiva, uma fase dissertativa, uma fase oral e, ainda, a análise final de títulos classificatórios. Como exceção, a DPE/RS exige ainda a aprovação na chamada fase de tribuna, ocasião em que o candidato deve sortear um ponto das disciplinas dispostas no edital e explicar o tema durante 15 minutos para os membros da banca examinadora.
A beleza do epílogo de minha participação no concurso não esteve presente, todavia, nos duros dias de preparação para cada uma das fases do certame. O estudo para concursos públicos não é tarefa fácil, pois carrega consigo uma soma de incertezas voltadas ao futuro e inseguranças existentes no presente.
Uma primeira advertência, portanto, faz-se necessária: se você está iniciando neste caminho, não acredite em pessoas ou perfis de redes sociais que “vendem” que estudar é um mar de rosas.
A empolgação dos primeiros dias pode conferir uma falsa percepção de que eventuais anos de preparação passarão facilmente. Entretanto, o verdadeiro estudante para concursos se revela quando a absorção inicial dos conteúdos termina, dando lugar a uma repetida e maçante revisão de pontos que, teimosamente, escapam da memória. É neste momento que os empolgados desistem e os resilientes persistem.
Sobre empolgação, uma segunda advertência parece ser importante: não basta ser (ou acreditar ser) vocacionado. Os concursos públicos, na (infeliz?) frieza de suas provas, buscam tão somente selecionar aqueles que, tecnicamente, são os mais preparados. Utilize a vocação, então, apenas e tão somente como mola propulsora para o estudo técnico. Você nasceu para ser Defensor Público? Prove isso com dedicação máxima aos estudos e demonstração impecável de técnica nas provas.
Essa advertência parece ser ainda mais necessária para estudantes que se interessam por essa carreira em especial. Explico. Em muitas ocasiões, acadêmicos de Direito realizam estágios na instituição e, empolgados com o propósito e com a atividade da classe, apaixonam-se pela missão ali concretizada e, acreditando-se vocacionados ao trabalho, exigem do destino a milagrosa inserção deles no cargo.
Lembre-se: todo destino reluzente é uma mina de ouro descoberta a pauladas.
Ultrapassadas as advertências iniciais, muitos questionam: então, o que deve ser feito? A resposta também não é exata, pois não existem fórmulas que permitem um estudo adequado e satisfatório a todos. Existem, entretanto, dicas que podem ajudar o estudante a caminhar com passos firmes na direção da aprovação. É sobre elas que vamos falar na sequência.
A análise de múltiplos casos de sucesso evidencia que existe um elemento determinante na aprovação de candidatos: organização.
Dada a amplitude de disciplinas, pontos e detalhes hoje exigidos nas provas, é praticamente inconcebível que um estudante proponha-se ao desafio do concurso sem um mínimo de organização saudável que direcione e regule seus estudos. Essa organização perpassa, logicamente, por aspectos técnicos de estudo, mas também por aspectos de vida e de rotina.
Todo estudante deve conhecer, antes de pegar qualquer livro, a sua própria realidade. Alguns têm a bênção da possibilidade de estudo exclusivo (este era o meu caso), mas tantos outros são trabalhadores, servidores públicos, pais de família, etc. Acredite, todos são capazes de passar, mas somente aqueles que conhecem a sua realidade de maneira objetiva e, dentro desse contexto, organizam seus estudos, alcançam a aprovação.
O conhecimento da realidade pessoal permitirá, em segundo momento, a modulação da nova rotina. Estudar para concursos é atividade-meio, e não fim. Ninguém planeja estudar até morrer. É a aprovação que se almeja. Por isso, a modulação da rotina obedecerá ao critério de médio prazo para alcance do objetivo (aprovação), viabilizando-se, a partir dessa noção, a eleição de renúncias que serão feitas nesse período especial da vida, bem como a hierarquização de prioridades das atividades rotineiras.
A modulação da rotina depende, essencialmente, da noção clara de que, neste período da vida, o estudo será a principal atividade do dia. Disso decorrem conclusões óbvias no sentido da não interrupção da atividade intelectual para resolução de tarefas cotidianas e, ainda, de concentração da maior energia disponível no dia para o estudo.
Sobre esse ponto específico, é comum a reclamação de estudantes que, inseridos em um contexto familiar plural, afirmam não ter apoio total ou compreensão dos familiares sobre esta necessária alteração da rotina.
A problemática normalmente está relacionada com a falta de comunicação entre os membros da família. O estudante, sem deixar sua rotina clara aos outros, acredita que os demais têm a obrigação de conhecê-la. Já os demais, por não estarem inteirados do cronograma, fazem a equivocada leitura de que o momento é de indefinição completa e, então, modulam suas ações e solicitações a partir dessa percepção. Quando todos conhecem a rotina do estudante, a indefinição dá lugar à liberdade.
Ultrapassado o momento de percepção da própria realidade e de ajuste da rotina pessoal, é chegada a hora de debruçar-se sobre os livros. Aqui, não existem milagres ou fórmulas. Cada estudante deve aplicar seus esforços em uma missão que compreende a absorção dos conteúdos e, ao mesmo tempo, a constante avaliação do próprio processo de estudo. Com o tempo, adaptações serão feitas, e o que era difícil se revelará natural e tranquilo.
Os primeiros momentos do estudo devem ser direcionados para formação da base jurídica, que consiste no estudo das disciplinas que balizam o ordenamento de forma completa. A boa compreensão dos institutos e teorias será a viga mestra em que se sustentarão os temas laterais e os detalhes dignos de aprofundamentos.
A edificação desse conhecimento de base pode ser obtida por meio da leitura de manuais doutrinários ou, ainda, pela realização de um curso completo para carreiras jurídicas, com elaboração de caderno (preferencialmente digital) das aulas.
Para concursos da Defensoria Pública, algumas disciplinas apresentam exigência técnica plena e exaustiva. Tradicionalmente, fala-se em Direito Penal, Direito Civil, Direito Processual Penal, Direito Processual Civil e Direito Constitucional, matérias que normalmente (e com razão) apresentam o maior número de questões nas provas.
Com o passar do tempo, passaram a ser exigidas de forma constante nas provas da carreira algumas matérias que, pela atuação prática do cargo, mostravam-se de fundamental conhecimento pelos futuros ocupantes do cargo. Fala-se, então, em Direitos Humanos, Execução Penal, Estatuto da Criança e do Adolescente, etc.
Embora não desconsideráveis, os pontos que não guardam tanta vinculação com a atividade prática são, cada vez mais, deixados à margem da cobrança em provas, a exemplo de Direito Empresarial, Direito Tributário e Direito Financeiro. Por óbvio, se constantes no edital, essas disciplinas não podem ser ignoradas.
Em que pese ainda existam professores que, erroneamente, indicam ser necessário apenas o conhecimento da “letra da lei” para aprovação em primeiras fases de concursos jurídicos, essa máxima passa longe de ser verdadeira. O estudo de formação da base é essencial para todas as demais fases do certame, visto que, ultrapassada a prova objetiva, o candidato terá de demonstrar capacidade de formulação de raciocínios jurídicos complexos, seja pela via escrita ou oral, o que não será possível desenvolver no lapso temporal entre as fases.
Sobre o estudo em si, costuma-se recomendar que as matérias sejam intercaladas nos dias da semana, evitando-se a leitura e esgotamento de uma disciplina para que, então, proceda-se no início de outra. O estudo intercalado permite que o estudante perceba que o ordenamento jurídico é uno, além de viabilizar uma leitura diferente a cada momento, evitando um relaxamento com estilos de escrita.
Durante a formação da base, não pode o estudante deixar de estabelecer uma rotina que compreenda revisões e, ao mesmo tempo, avanços no estudo. A identificação dos pontos que devem ser revisados é, costumeiramente, um problema. Muitos estudantes estabelecem prazos fixos para releitura de pontos e, com isso, acabam revisitando assuntos que ainda estão vivos na memória. Com isso, perdem a empolgação e desistem das revisões.
Uma boa estratégia para identificação dos pontos que precisam ser revisados é a realização semanal (ou quinzenal) de questões sobre os pontos já estudados no passado. Colocando-se no desafio de uma questão, o estudante empreenderá esforço de retomada de memória equivalente ao do momento da prova e, se perceber que o assunto já não está vivo na memória, deve selecionar aquele assunto para retomada no próximo momento de revisão. As questões, então, servem como balizas para a revisão.
Com o amadurecimento dos estudos, deve o candidato inteirar-se das atualizações jurisprudenciais das disciplinas, atividade que é feita mediante a leitura dos informativos de jurisprudência dos tribunais superiores, ou de sites especializados na análise desses julgados.
Com o avanço de fases, é importante lembrar que o estudo não muda, mas o treino é alterado. Enquanto na preparação para a prova objetiva o candidato deve responder questões dessa natureza, as fases discursivas e orais demandam um treinamento diferenciado, com aprimoramento da capacidade de escrita, formulação de raciocínios e exposição de ideias. O estudo, em si, não é modificado, mas o treinamento para a prova sofre alterações significativas.
Em havendo prova de tribuna (como na DPE/RS), cumpre mencionar que a prova tem formato protocolar e forte simbolismo para a instituição, pois se busca ver no candidato a demonstração de oratória, organização de ideias e exposição clara de argumentos, permitindo-se (como demonstrado no início deste texto) a inserção de frases que fujam à técnica jurídica pura para elementos importantes da atividade prática, a exemplo do humanismo na Defensoria Pública.
Durante toda a preparação, o estudante deve dispor-se a ler textos e artigos científicos que apresentem contestações e contraposições a posições doutrinárias e jurisprudenciais conflitivas com os direitos humanos, o princípio da igualdade e o princípio da dignidade humana. A atividade da Defensoria Pública é eminentemente combativa.
Após a aprovação no concurso, o estudante terá a missão de entregar dignidade a uma parcela da sociedade que reiteradamente é privada de voz e que, em muitas vezes, resume sua vida ao triste desígnio de evitar a morte, magistralmente descrita por João Cabral de Melo Neto como
a morte de que se morre.
De velhice antes dos trinta.
De emboscada antes dos vinte.
E de fome, um pouco por dia.