Introdução
Nos termos do art. 139, IV, do CPC de 2015 tem- se que o juiz dirigirá o processo e incumbe-lhe “determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária”[1].
A doutrina designa as possibilidades constantes no inciso IV do art. 139 do CPC de medidas executivas atípicas, por se constituírem em cláusulas abertas a serem aplicadas pelo juiz de acordo com o caso concreto, em contraponto as medidas executivas típicas, ou seja, aquelas que possuem um regramento predeterminado que visam a “expropriação de bens do executado”[2].
Em razão da vigência do CPC de 2015 e do disposto art. 139, IV, tornaram-se frequentes, na execução trabalhista, os exequentes realizarem requerimentos, em razão do não pagamento ou da falta de garantia do juízo pelos executados, para que o magistrado determine, em face dos devedores, a suspensão da CNH, cancelamento de cartão de crédito, apreensão do passaporte etc., como medidas coercitivas aptas a obrigarem os devedores a cumprirem as obrigações.
No CPC de 1973 as medidas executivas atípicas já existiam para as obrigações de fazer, não fazer e entregar coisa e não havia grandes discussões quanto a sua aplicação, pois partia-se do pressuposto de que elas foram criadas justamente pelo fato de que a vontade do executado em cumprir as obrigações de fazer, não fazer e entregar é relevante. Entretanto, quando o CPC de 2015, por meio do inciso IV do art. 139, ampliou a possibilidade de aplicação das medidas atípicas para a obrigação de pagar quantia certa, o tema ressurgiu na doutrina e na jurisprudência.
A intenção do presente trabalho é analisar como o TST vem enfrentando o assunto e as diretrizes já fixadas na sua jurisprudência quanto ao disposto no art. 139,IV, do CPC.
O tema é importante, pois se observarmos bem, a redação do inciso IV do art. 139 do CPC traz cláusulas abertas e não estabelece um procedimento para sua incidência, o que gera dúvidas na sua aplicação.
1 Medidas executivas de execução indireta já existentes na obrigação de pagar
No cumprimento da sentença ou na ação de execução de título executivo extrajudicial para cumprimento de obrigação de pagar a regra sempre foi a utilização de medidas sub-rogatórias (penhora e expropriação de bens). É chamada de sub-rogatória pelo fato de que o Estado de sub-roga na vontade do devedor para entregar ao credor o que tem a receber mediante um procedimento previamente determinado. Esse procedimento de medidas executivas típicas com procedimento predeterminado tem por finalidade criar segurança jurídica para as partes, uma previsibilidade de como a execução vai se desenvolver, tudo conforme o devido processo legal formal. Ocorre que o tempo foi comprovando que as medidas executivas típicas são eram suficientes e o legislador começou a criar outras que não seguiam somente o penhorar e expropriar. Dentre essas medidas, a lei (CLT, art. 883-A) permite, expressamente, como forma de coação sobre o executado, que o magistrado determine as seguintes medidas executivas: (a) protesto da obrigação constante da sentença; (b) inclusão do nome do executado no Banco Nacional de Devedores Trabalhistas (BNDT); (c) inscrição do nome do executado em órgãos de proteção ao crédito.
Ademais, é importante pontuar que a diferença entre responsabilidade patrimonial e responsabilidade pessoal se mantém nas medidas executivas acima citadas, pois o “o nome faz parte do patrimônio da pessoa”[3].
2 As teses, na doutrina, quanto a constitucionalidade do art. 139, IV, do CPC e a ADI que tramita no STF
Na doutrina, existem basicamente as seguintes teses, quando analisam o disposto no inciso IV, do art. 139 do CPC: (a) os que entendem que a medida é constitucional. Cito, como exemplo, Alexandre Freitas Câmara: “A legitimação constitucional da cláusula geral de atipicidade dos meios executivos provém de sua compatibilidade com os princípios constitucionais: o princípio da tutela jurisdicional efetiva (art. 5º, XXXV) e o princípio da eficiência (art. 37). Aliás, vale a pena recordar que ambos esses dispositivos constitucionais são reafirmados como normas fundamentais do processo civil, como se vê pelos arts. 3º e 8º do CPC”[4]; (b) Os que negam a possibilidade de utilização de medidas atípicas, por inconstitucionais. Cito, como exemplo, a posição de Araken de Assis no sentido de que “O art. 139, IV, não constitui regra revolucionária, mas ensejou, graças à falta de determinação das medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias, a adoção de penas civis, sem previsão legal específica, e, por isso, flagrantemente inconstitucionais à luz do art. 5º, LIV, da CF/1988”[5].
Há uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) no STF com o número 5.941, em que é relator o Min. Luiz Fux, questionando a constitucionalidade do art. 139, IV, do CPC (aliás, não somente esse artigo, mas também os artigos 297, 380, parágrafo único, 403, parágrafo único, 536, caput e parágrafo 1º e 773, todos do CPC de 2015) com o fundamento de que a regra “restringe garantias constitucionais” violando os arts. 1º, III e 5º, XV da CF/1988 quanto a apreensão da CNH e passaporte, arts. 5º, II; 37, I e XXI; 173, § 3º e 175 quanto a vedação à participação em concurso e licitação pública e, por fim, violação ao art. 5º, LV, devido processo legal.
O pedido na ADI é para que “seja julgado procedente o pedido para que essa Suprema Corte declare a nulidade, sem redução de texto, do inciso IV do artigo 139 da Lei n. 13.105/2015, para declarar inconstitucionais, como possíveis medidas coercitivas, indutivas ou sub-rogatórias oriundas da aplicação daquele dispositivo, a apreensão de carteira nacional de habilitação e/ou suspensão do direito de dirigir, a apreensão de passaporte, a proibição de participação em concurso público e a proibição de participação em licitação pública”. E pelos mesmos fundamentos “que seja também julgado procedente o pedido para que essa Suprema Corte declare a nulidade, sem redução de texto, também dos artigos 297, 390, parágrafo único, 400, parágrafo único, 403, parágrafo único, 536, caput e § 1º, e 773, todos do CPC, de modo a rechaçar, como possíveis medidas coercitivas, indutivas ou sub-rogatórias oriundas da aplicação daqueles dispositivos, a apreensão de carteira nacional de habilitação e/ou suspensão do direito de dirigir, a apreensão de passaporte, a proibição de participação em concurso público e a proibição de participação em licitação pública.”
Na referida ação há parecer da Procuradoria-Geral da República opinando pela procedência do pedido, cujos autos da ADI estão conclusos ao relator, conforme consulta realizada no site do STF no dia 5.10.2021[6].
3 A jurisprudência do TST
Para que possamos ter uma visão quanto ao entendimento do TST sobre as medidas executivas atípicas, trago algumas decisões do ano de 2021 acerta do tema:
1ª) A medida executiva atípica deve ter caráter subsidiário, pelo fato de que o “procedimento padrão” (citação/intimação, penhora e expropriação etc.) é o rito regulado, prima facie, pela lei. Assim, o que se espera do Poder Judiciário é que utilize as medidas previamente previstas pelo legislador. O entendimento do TST, no momento, é que o processo deve passar por todo o procedimento típico e, somente com a frustração do rito padrão, é que se pode requerer medidas executivas atípicas[7].
Por isso, tem-se decisões no sentido de que deve ocorrer o “esgotamento dos meios típicos”[8] para pensar-se na aplicação de medidas atípicas. Esse, inclusive, é o entendimento do Enunciado 12 do Fórum Permanente de Processualistas Civis[9].
Porém, é importante deixar ressaltado que o inciso IV do art. 139 do CPC não tem previsão de que há necessidade de esgotamento dos meios típicos para somente após aplicar os meios atípicos. Por isso, parte da doutrina entende que não há necessidade desse esgotamento dos meios típicos, bastando uma adequação da medida atípica ao caso concreto[10].
O que se tem na realidade é que a jurisprudência do TST está fazendo uma compatibilização do rito típico com as medidas atípicas. Entretanto, nada impede que em um caso concreto, seja aplicada uma medida atípica, por ser menos onerosa ao devedor ou mais vantajosa ao credor.
2ª) A medida executiva atípica somente pode ser aplicada quando houver indícios de ocultação de patrimônio passível de expropriação. Isso pode ser constatado, principalmente, nos casos que a doutrina designa de “devedor ostentação”, ou seja, aquele que não paga dívida, mas expõe patrimônio nas redes sociais[11]. Se pensarmos que a lei estabelece um rito para o caso de não serem encontrados bens, qual seja: a suspensão do processo e, posteriormente, o inicio da prescrição intercorrente tem-se, então, que existe um procedimento para quem não tem patrimônio e o fato gerador da medida executiva atípica seria o executado ter bens ou indícios de os ter e os ocultar.
Nesse ponto, é interessante pensarmos que as medidas atípicas são sanções, pois impõem restrições sobre o patrimônio do executado, mas tem uma finalidade executiva, pois visam trazem para o processo o patrimônio do devedor e, consequentemente, a quitação da dívida. Pensar que o magistrado não pudesse utilizar uma medida executiva atípica por não estar expressamente prevista em lei é esvaziar o disposto no inciso IV do art. 139 do CPC. Nas palavras de José Miguel Garcia Medina: “Pensamos, assim, que os meios coercitivos também devem ser considerados manifestação da tutela jurisdicional executiva, na medida em que visam, ainda que mediatamente, à realização do direito do exequente. Pelo menos sob o prisma funcional as medidas coercitivas devem ser consideradas executivas”[12].
3ª) A medida executiva atípica deve “buscar a realização do título executivo” e “não a mera penalização dos executados”, pois é preciso pensar que a execução tem caráter patrimonial, conforme art. 789 do CPCTST – RO 1002016-35.2017.5.02.0000 – Rel. Min. Alexandre de Souza Agra Belmonte – DJe 19.03.2021[13]. Desse modo, a imposição da medida executiva atípica tem que possuir relação de causa e efeito, ou seja, deve ser analisada se será útil na prática, pois a inexistência de bens capazes de suportar a execução ou a inexistência de indícios de bens não pode ser, por si só, fato gerador da imposição da medida executiva atípica[14]. De fato, pensar em sentido contrário seria permitir que a medida executiva passasse a ter um caráter punitivo.
4ª) A medida executiva atípica deve ser “fundamentada” (art. 489, § 1º do CPC) e observar os “parâmetros de necessidade, adequação, razoabilidade e proporcionalidade”[15]. Assim, a decisão deve explicar que todas as medidas típicas foram tomadas e não surtiram efeitos e que há indícios de ocultação patrimonial passível de expropriação.
5º) A medida executiva atípica deve obedecer ao contraditório. Para viabilizar o contraditório, antes de decidir acerca de pedidos de medidas executivas atípicas, é preciso dar vista do pedido do exequente ao executado[16]. Nas palavras de Daniel Amorim Assumpção Neves “Entendo que em respeito ao contraditório o juiz deve intimar o executado antes de decidir o requerimento do exequente para a adoção das medidas executivas atípicas”[17].
Conclusão
O que se extrai do disposto no art. 139, IV, do CPC, na leitura das decisões do TST é que, a sub- rogação não é a única medida para se realizar a execução, pois o legislador permite a utilização, ainda, de medidas coercitivas, dentro dos parâmetros da legalidade. Assim, “as medidas executivas atípicas são uma nova forma de flexibilização procedimental, de forma a contribuir para a satisfação da execução […]”[18].
[1] Aplicado ao processo do trabalho por força do art. 3º, III, da Instrução Normativa nº 39/2016 do TST.
[2] Art. 824 do CPC. A execução por quantia certa realiza-se pela expropriação de bens do executado, ressalvadas as execuções especiais.
[3] AREsp 131925 SP 2012/0034768-8. Publicação DJ 16/08/2012. Relator Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI.
[4] O princípio da patrimonialidade da execução e os meios executivos atípicos: lendo o art. 139, IV, do CPC in Medidas executivas atípicas/coordenadores Eduardo Talamini, Marcos Youji Minami. – 2 ed. rev. e atual. – Salvador: Editora JusPodivm.2020. p. 256.
[5] Cabimento e adequação dos meios executivos “atípicos”. in Medidas executivas atípicas/coordenadores Eduardo Talamini, Marcos Youji Minami. – 2 ed. rev. e atual. – Salvador: Editora JusPodivm.2020. p. 149.
[6] In https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5458217.
[7] “O exame do próprio ato coator revela que a autoridade coatora não esgotou as medidas expropriatórias que podem, imediatamente, solver o crédito juslaboral porquanto, na mesma decisão em que se determinou a suspensão da Carteira Nacional de Habilitação, a autoridade coatora destacou haver valores da titularidade dos devedores sob a custódia de corretora de valores mobiliários, os quais poderiam ser cautelarmente constritos, na forma do art. 854 do CPC de 2015. Destarte, no caso em tela, a determinação de apreensão da Carteira Nacional de Habilitação revelou-se prematura, porque não exauridas as medidas sub-rogatórias necessárias à quitação do débito exequendo. (TST – RO 325-38.2018.5.21.0000 – Relª Minª Maria Helena Mallmann – DJe 14.05.2021).
[8] TST – ROT 1890-81.2018.5.05.0000 – Relª Minª Maria Helena Mallmann – DJe 25.06.2021.
[9] Enunciado 12. (arts. 139, IV, 523, 536 e 771) A aplicação das medidas atípicas sub-rogatórias e coercitivas é cabível em qualquer obrigação no cumprimento de sentença ou execução de título executivo extrajudicial. Essas medidas, contudo, serão aplicadas de forma subsidiária às medidas tipificadas, com observação do contraditório, ainda que diferido, e por meio de decisão à luz do art. 489, § 1º, I e II.
[10] PEREIRA, Rafael Caselli. . Execução de alimentos legítimos, indenizatórios e decorrentes de verba honorária sucumbencial o contratual, sob a perspectiva da atipicidade dos meios executivos (art. 139, inciso IV – CPC/2015) uma proposta de sistematização. in Medidas executivas atípicas/coordenadores Eduardo Talamini, Marcos Youji Minami. – 2 ed. rev. e atual. – Salvador: Editora JusPodivm.2020. p. 302-303.
[11] TST – RO 1002016-35.2017.5.02.0000 – Rel. Min. Alexandre de Souza Agra Belmonte – DJe 19.03.2021.
[12] Execução: teoria geral, princípios fundamentais, procedimento no processo civil brasileiro. 6 ed. Ver., atual. E ampl. – São Paulo: Thomson Reuters. 2019. p. 45.
[13] TST – RO 1002016-35.2017.5.02.0000 – Rel. Min. Alexandre de Souza Agra Belmonte – DJe 19.03.2021
[14] TST – RO 10464-16.2019.5.03.0000 – Relª Minª Maria Helena Mallmann – DJe 09.04.2021
[15] TST – RO 10483-39.2018.5.18.0000 – Rel. Min. Renato de Lacerda Paiva – DJe 14.05.2021.
[16] TST – RO 1237-68.2018.5.09.0000 – Relª Minª Delaíde Alves Miranda Arantes – DJe 26.02.2021.
[17] Manual de Direito Processual Civil. 13. Ed. Salvador. Ed. JusPodivm. 2021. p. 1070.
[18] Becker, Rodrigo Frantz. Manual do Processo de Execução dos Títulos Judiciais e Extrajudiciais. Salvador: Editora JusPodivm. 2021. p. 57.