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RESPONSABILIDADE CIVIL E PENAL EM ANESTESIOLOGIA

E A IMPOSSIBILIDADE DE RESPONSABILIZAÇÃO SOLIDÁRIA DO CIRURGIÃO-CHEFE NA CONDUTA CULPOSA PERPETRADA EXCLUSIVAMENTE PELO MÉDICO ANESTESISTA

Apresentação da coluna pelos coordenadores

É com muita honra e alegria que iniciamos hoje a coluna semanal “Direito da Saúde e Empresas Médicas” – no website “Contraditor.com, o debate em primeiro lugar” –, cujo alicerce se encontra no grupo de pesquisa de mesmo nome coordenado por nós, desde 2018, no programa de mestrado e doutorado do UNICURITIBA. Atualmente, o grupo conta com a participação de quase 70 membros de diversos estados, dentre eles, professores e estudantes de graduação e pós-graduação, advogados e doutrinadores. Visando um diálogo interdisciplinar, também integram o grupo profissionais com formação na área da saúde, especialmente médicos e enfermeiros. Trata-se de um grupo múltiplo e coeso, que há mais de três anos vem promovendo debates em encontros semanais.

Em 2020, publicamos pela Editora Revista dos Tribunais, a nossa primeira obra coletiva do grupo, intitulada “Debates Contemporâneos em Direito Médico e da Saúde” (https://www.livrariart.com.br/debates-contemporaneos-em-direito-medico-e-da-saude/p). Neste ano, seguimos com o desenvolvimento de novas pesquisas e discussões realizadas em seminários semanais, para elaboração de uma segunda obra.

Assim, nossa coluna terá a missão de trazer discussões pelos integrantes do grupo – e de alguns convidados externos –, a respeito dos temais mais atuais e relevantes ao direito médico e da saúde, no intuito de sempre promovermos um rico debate de ideias.

Deixamos registrado o nosso agradecimento pela oportunidade do Portal Contraditor, em especial ao Dr. Antônio Carvalho Filho e à Dra. Luciana Benassi, de podermos apresentar reflexões sobre o direito médico e da saúde neste espaço.

 

Passamos, agora, ao tema do primeiro artigo, escrito por nós, coordenadores da coluna.

Obrigação contratual e responsabilidade civil em anestesiologia

A Anestesiologia vem cada vez se diferenciando mais como especialidade médica, mas até cerca da primeira metade da década de 50, nem especialidade autônoma constituía. O próprio cirurgião aplicava o anestésico. Após, com a especialização dos profissionais dessa importante área de atuação médica, a anestesiologia conquistou posição de realce e tornou-se tão essencial quanto a cirurgia.

Nesse sentido, explica Hildegard Taggesell Giostri que, com a evolução da especialidade de anestesiologista, teve-se como consequência “uma necessária dissociação de responsabilidades entre a deste especialista e a do médico-cirurgião. No passado, era ele considerado como auxiliar do operador, trabalhando sob as suas ordens, bem como a tarefa de anestesiar o paciente era, muitas vezes, desempenhada, até mesmo por enfermeiras. Todavia, com o avanço científico-tecnológico, o ato anestésico tornou-se extremamente complexo. As drogas utilizadas, bem como toda a aparelhagem necessária para sua realização, passaram a demandar do profissional um alto conhecimento, tanto técnico quanto científico, o que veio mudar drasticamente a situação anterior. Atualmente, o anestesiologista ocupa posição de destaque no ato cirúrgico, em pé de igualdade com o cirurgião, e nem poderia ser diferente, pois trata-se de dois profissionais, com a mesma habilitação legal (são médicos), apenas com especialidades diferentes.”[1]

O anestesista tem sua atuação estratificada nas seguintes fases:

“a) a fase pré-anestésica, na qual o anestesista avalia o paciente na véspera da operação programada com antecedência ou mesmo antes da operação de urgência;

b) a indução anestésica, quando a sensibilidade e reação do paciente estão sendo postas à prova: como nesta fase, a concentração dos anestésicos é alta, requer uma pronunciada atenção;

c) a per anestésica [ou fase transoperatória], durante a qual o paciente deve ser acompanhado, por ser imprescindível o controle de suas condições ventilatórias e cardiovasculares, logo inadmissível a saída do anestesista da sala de cirurgia, mesmo com a melhor monitoração por aparelhagem;

d) a de recuperação anestésica, consistente em trazer o paciente às condições prévias à anestesia. O paciente, paulatinamente, vai readquirindo seus reflexos, apresentando com muita frequência, náusea e vômito. A aspiração do vômito pode produzir pneumonia, com graves consequências, às vezes letais. Existe um risco comum e perigoso para o paciente já reanimado do estado em que se encontrava quando anestesiado, mas ainda não totalmente recuperado, pois no organismo dele pode haver quantidade suficiente da substância anestesiante, ainda não metabolizada, capaz de agir repentinamente e, na falta de atendimento imediato, causar parada respiratória, matando-o. A preocupação com o paciente é tão grande na fase que se instalou sala de recuperação anestésica, em que vários doentes são monitorados permanentemente por anestesiologistas e enfermagem especializada.”[2]

Guilherme Chaves Sant’Anna, em abordagem monográfica plena de informações encontradiças em compêndios técnicos, esclarece que, através da anestesia, suprime-se a sensibilidade à dor (analgesia), ao calor e ao frio, e também o tato. Na anestesia geral, ocorre a inconsciência do paciente. Após, sintetiza as principais obrigações que a diligência profissional impõe ao anestesista.[3]

Incumbe-lhe, especialmente: a) preparar o paciente, no campo médico e psicológico: prever possíveis dificuldades, acalmar o doente, conquistar-lhe a colaboração e confiança, preparar-lhe o organismo para o ato cirúrgico, escolher o anestésico mais conveniente; b) vigiar, de perto, o estado do paciente, durante a intervenção: observar os mais leves sintomas, saber exatamente o grau que a anestesia atingiu, verificar as reações nervosas, o ritmo da respiração, a pressão sanguínea; c) evitar todas as complicações possíveis: espasmos de laringe, convulsões, perturbações cardíacas ou respiratórias; d) após o ato cirúrgico, sua missão é ainda mais delicada: auxiliar o paciente a voltar a si, evitar acidentes com a obstrução das vias respiratórias, as manifestações de choque e ministrar-lhe líquidos fisiológicos.

As possíveis reações anafiláticas constituem um quadro alérgico, efeito colateral do sistema imunológico da pessoa. A resposta excessiva do sistema, devido ao estímulo prolongado, pode provocar danos a tecidos, alterações cutâneas, hipotensão arterial, broncoespasmo grave, colapso circulatório, e até a morte. A avaliação pré-anestésica envolve aspectos emocionais do paciente, a internação, o afastamento da família e do lar, a cirurgia em si. A informação prestada ao doente deve ser a mais abrangente. Durante a anestesia, a monitorização deve ser completa (sondas, sensor térmico, ECG, capnógrafo etc.). Dentre as complicações pós-anestésicas, destacam-se: edema agudo de pulmão, embolia, laringoespasmo, broncoespasmo, hipoxemia, aspiração pulmonar.

A escolha da modalidade adequada de anestesia, dos equipamentos, a ausência de defeitos na aparelhagem (manômetros, monitores, oxímetros), o tipo, quantidade e dosagem das drogas anestésicas, o monitoramento ininterrupto – com permanência contínua na sala de cirurgia e não realização de anestesias simultâneas, o domínio das técnicas de reanimação – tudo isso constitui obrigação contratual do anestesiologista.

Afirma-se que a anestesia encerra obrigação de resultado. Para se averiguar se esse resultado danoso era ou não previsível objetivamente pelo anestesista, bastará proceder-se, hipoteticamente, à substituição do profissional por outro colega, dando a este toda a informação que o primeiro possuía sobre o caso, assim como todos os dados e métodos geralmente conhecidos e aceitos pela ciência médica, aplicáveis à espécie, e os que o anestesista conhece por sua formação pessoal. Se, nessa hipotética situação, também não se pudesse prever esse prejuízo final para a saúde do paciente, o anestesista não terá infringido esse dever de cuidado objetivo; se, ao contrário, a resposta à indagação for afirmativa, também o será a relativa à infração do dever de cuidado. Também se pode chegar à caracterização do dever de cuidado objetivo obedecendo-se às regras gerais aplicáveis a casos típicos ou semelhantes. Esse conjunto de regras técnicas ou procedimentos constitui a lexartis.[4]

Com alguma frequência, imputa-se culpa ao anestesiologista que realiza, simultaneamente, duas anestesias. Os principais erros do anestesista foram catalogados por João Batista de Oliveira e Costa Jr.: a) erros de diagnóstico – na avaliação do risco anestésico; resistência ao ato operatório; análise dos dados indispensáveis à aplicação da anestesia (ao anestesiar cardíacos, falta de medicação pré-anestésica); o anestesista deve dispor de todos os elementos para a escolha do anestésico cabível; recomenda-se muita prudência, completo exame psicofísico e exames de laboratório; b) erros de terapêutica (ou de conduta do anestesista) – pré-medicação ineficaz (tipo ou dosagem errada); erro do tipo ou dosagem dos anestésicos; negligência durante o ato cirúrgico: deixar o paciente sem vigilância permanente; após a conclusão da cirurgia, deixar de combater o estresse cirúrgico; c) erros de técnica – uso de gás explosivo durante operações realizadas com bisturi elétrico ou termocautério; uso de anestésico local em paciente hipersensível; uso inadequado de substância anestésica; posição imprópria do doente durante o ato, lesões nervosas ou traumáticas (aqui o cirurgião também responde); oxigenação insuficiente (deve ser avaliada intermitentemente); excesso de anestésico; morte anestésica; lesões de olhos e da pele; lesões provocadas pela máscara; lesões provocadas pela agitação do paciente durante o ato anestésico; pneumonia causada por éter líquido nos pulmões.[5]

Casuística e aferição da culpa do médico anestesista

Os Conselhos Regionais de Medicina promovem julgamentos dos médicos anestesistas acusados de infringir o Código de Ética. Dentre os casos apreciados pelo CRM do Paraná, encontramos alguns que se referem à especialidade em comento. Assim, anestesista que não se encontrava em seu plantão, para atender parturiente – ausência sem motivo comprovado –, foi apenado com censura confidencial em aviso reservado; anestesista que permitia que profissionais não médicos realizassem anestesia: sofreu advertência confidencial, em aviso reservado; anestesista que participou de cirurgias desnecessárias, por desconhecer o diagnóstico, foi absolvido. Ao médico responsável pelas cirurgias desnecessárias aplicou-se suspensão do exercício profissional por 30 dias e censura confidencial em aviso reservado.

Vejamos agora dois julgados sobre a responsabilidade civil do anestesista, sendo ambos tratados na obra “Responsabilidade Civil do Médico” (4. ed., Editora RT, 2019).

O TJMG apreciou apelação manifestada contra sentença que julgara procedente ação indenizatória decorrente de dano médico, causado por anestesia. A conduta foi considerada inadequada para o paciente, à época com cinco anos de idade. Era cirurgia de osteomielite, localizada na perna direita, logo abaixo do joelho. Figuraram no polo passivo o hospital e o médico: o nosocômio, por não ter oferecido e assegurado as condições indispensáveis para uma intervenção cirúrgica, além de permitir a aplicação de anestesia, sem prévio teste de reação a anestésico; o anestesista, por ter agido com culpa, não tomando as precauções necessárias para a realização do ato, principalmente por ter deixado de efetuar teste para saber previamente o tipo de anestésico indicado para aquela situação. Durante o ato cirúrgico sobreveio parada cardiorrespiratória, que ocasionou lesões irreversíveis ao paciente, que daí em diante passou a ter vida apenas vegetativa, extinguindo-se a atividade dos centros nervosos cerebrais.

O julgador singular acolheu o pedido apenas em relação ao médico, julgando-o improcedente quanto ao hospital. A sentença enfatizou que o anestesista não visitou o paciente antes do trabalho anestésico – e não cuidou de equipar a sala de instrumental capaz de detectar o choque em tempo hábil para a reanimação sem sequelas, ou para que estas fossem mínimas. O relator, em seu voto, refere-se à polêmica em torno da necessidade ou não do teste alérgico antes da indução anestésica, pois alguns especialistas alegam que o teste alérgico é tão arriscado quanto a própria anestesia. Apurou-se que o anestesista entrou diretamente para a sala de operação, sem nenhum contato com o pequeno paciente, que apresentava quadro clínico infeccioso, a exigir maiores cuidados na aplicação da anestesia.

No voto que proferiu ao ensejo desse julgamento, o Des. Walter Veado alude as duas principais razões do reconhecimento da culpa do anestesista: a falta de exame prévio do paciente, cuja situação específica exigia cuidados especiais, e o não acompanhamento rigoroso da indução anestésica.

Ainda, destaca-se um caso sui generis de responsabilidade médica envolvendo anestesia em Porto Alegre. Ao preparar um jovem de 21 anos para cirurgia de apendicite, o anestesista, após a entubação e aplicação de máscara de oxigênio, afastou-se da sala cirúrgica para fazer a esterilização das mãos. Nisso, foi chamado apressadamente pela irmã de caridade e enfermeira, que notara algo anormal no paciente. Voltando, o médico constatou que o paciente estava morrendo. Todos os esforços para reanimá-lo foram inúteis, e o jovem faleceu momentos após. No outro dia, quando se realizava a amputação do dedo de outro paciente, descobriu-se que o gás utilizado não era oxigênio, mas sim gás carbônico (CO2). Restaram condenados a reparar o dano o hospital, a empresa que fornecia gases ao estabelecimento e o anestesista.

Quanto ao último, anotou o Min. do STJ Ruy Rosado de Aguiar Jr., à época desembargador do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que “o médico anestesista descumpriu o dever elementar de sua profissão, afastando-se da sala de cirurgia depois de o paciente ter sofrido uma ‘crise respiratória com frequência e alta amplitude’, tendo notado a presença de cianose nos lábios e espuma branca na boca. Diante desse quadro, o médico deixou a sala, para fazer a esterilização das mãos. Quando retornou, à chamada da enfermeira, o quadro era irreversível”. Na espécie, o médico exercia as funções de anestesista e de cirurgião quando eram, portanto, redobradas as suas responsabilidades. Concluiu-se, no caso, pelo comportamento imprudente do médico anestesista e o liame causal entre o afastamento do anestesista da sala de cirurgia e o dano verificado.

Anestesiologia e dolo eventual

A Resolução 2.174, de 14.12.2017, do Conselho Federal de Medicina, impõe ao médico anestesiologista, durante a realização da anestesia, o dever fundamental, como integrante da equipe cirúrgica, de permanecer todo o tempo junto ao doente, até a total recuperação dos efeitos da anestesia. Considera ato atentatório à ética médica a realização simultânea de anestesias em pacientes distintos, pelo mesmo profissional (art. 1º, IV). Também na aferição da culpa do anestesista cabe a advertência: nem o rigor excessivo, nem a benevolência corporativista; risco sempre existe; não deve ser aumentado pela imperícia, imprudência ou negligência do médico.

Os anestesistas têm plena consciência, desde os bancos acadêmicos, passando pela residência médica e, ao depois, durante todos os dias da sua vida profissional – da vedação expressa de se afastar da sala de cirurgia. Tais especialistas dizem ser a anestesia composta por “noventa e nove por cento de tédio e um por cento de pânico”.

Justamente por isso, nesses momentos em que a situação exige pronta e adequada intervenção, é que os anestesistas devem permanecer à cabeceira do paciente desde a indução anestésica até a completa recuperação, sem se permitir mínimo afastamento. Portanto, no momento em que se ausenta da sala de cirurgia, deixando o paciente desassistido, o anestesiologista aceita o resultado, ou seja, aquiesce à probabilidade de a pessoa que se submete à intervenção venha a sofrer todas as consequências nefastas – danos cerebrais quase sempre irreversíveis ou morte – provenientes da falta de oxigenação no cérebro.

O anestesista tem pleno conhecimento de que, em sua ausência, nada poderá ser feito para reanimar o paciente, pois ele, o anestesista, não estará em seu lugar. Isso arreda o figurino da culpa consciente para armar o dolo eventual.

Para se admitir o dolo eventual, a conduta do médico deve colidir frontalmente com as regras técnicas que regem a profissão, sobretudo descumprindo, sem a menor sombra de dúvida, preceitos e protocolos inarredáveis da prática médica, desprezando resoluções e outros atos normativos exaradas pelo Conselho Federal de Medicina, aplicáveis às especialidades.

Isso ocorreu, a nosso ver, exemplificativamente, em caso julgado pelo TJSP,[6] no qual o anestesiologista que abandonou a sala de cirurgia, em meio a procedimento de cirurgia plástica (abdominoplastia – e, por isso, o cirurgião não percebeu a saída do anestesista, que se posicionava por detrás da paciente e esta, com o dorso arcado para a frente, tolhia o campo de visão do operador, impossibilitado de enxergar o colega). Ao deixar a paciente entregue à própria sorte – esta lhe foi madrasta, pois daí resultou irreversível comprometimento neurológico à vítima, reduzida à vida vegetativa. Consta que o anestesista teria se ausentado para tratar da vistoria e renovação do seguro do seu automóvel.

A situação narrada revelaria conduta tão aberrante dos cânones da especialidade, que desborda os parâmetros da culpa consciente, para adentrar aos domínios do dolo eventual. Todos sabemos que os médicos são formados para mitigar dores e salvar vidas. A simples menção ao fato de que um desses profissionais, mesmo vislumbrando a provável ocorrência do dano, persevera na ação geradora do risco – traz consigo ponderosas dúvidas. Trata-se de situações graves, com resultados trágicos, perfeitamente evitáveis, se porventura o médico não transgredisse, de forma tão escancarada, as regras da profissão, incidentes à hipótese.

O anestesiologista, no caso acima narrado, fez tábula rasa do impostergável dever de vigilância sobre as condições vitais da pessoa entregue a seus cuidados. Dessa forma, o médico subtraiu da paciente qualquer possibilidade de socorro de urgência, com tempo de resposta adequado, para minorar consequências indesejadas – caso se verificasse, por exemplo, reação anafilática ou similar, risco sempre presente na indução anestésica.

Portanto, o especialista em anestesiologia, médico experiente e com residência específica, tem consciência de que o pior poderia acontecer, quando se ausenta da sala de cirurgia, sem deixar em seu lugar colega com idênticas credenciais profissionais – seja qual for o motivo dessa saída. Portanto, age com dolo, mesmo eventualmente, o anestesiologista que, contrariando todas as advertências normativas, da literatura e da experiência médicas, abandona a sala de cirurgia – para tratar de interesses outros. Despreza a vida humana entregue aos seus cuidados, que deveriam ser permanentes e ininterruptos – dando causa a lesões gravíssimas e incapacitantes. Daí se poder afirmar, com exatidão, que o anestesista tinha consciência e anuiu ao trágico resultado. Age, pois, com claro e inequívoco dolo eventual.

A impossibilidade de responsabilização solidária do cirurgião-chefe na conduta culposa perpetrada exclusivamente pelo médico anestesista

A responsabilidade do anestesista é individual nos períodos pré e pós-operatórios. Durante o ato cirúrgico, no interior da sala de operação, há que examinar possível culpa concorrente. Quanto à anestesia, não se pode imputar culpa ao cirurgião. O quadro fático, porém, é de difícil análise: as competências se interferem e superpõem. Só o exame do caso concreto indicará as conclusões apropriadas.

Na hipótese de dano decorrente de conduta unicamente realizada pelo anestesista, o Superior Tribunal de Justiça (EREsp 605.435/RJ, j. 14.09.2011), analisando detidamente a matéria em sede de Embargos de Divergência em Recurso Especial, fixou o entendimento de que, na hipótese de o dano ao paciente decorrer de erro médico do anestesista, este responde individualmente pelo evento, porquanto não há solidariedade decorrente de responsabilidade objetiva entre o cirurgião-chefe e o anestesista. Isso, em razão de “sua capacitação especializada e de suas funções específicas durante a cirurgia, agindo o anestesista com acentuada autonomia, segundo técnicas médico científicas que domina e suas convicções e decisões pessoais, assumindo, assim, responsabilidades próprias, segregadas, dentro da equipe médica”.[7]

Mais recentemente, o STJ julgou caso (Recurso Especial 1.790.014/ SP, j. 11.05.2021)[8] em que se discutia se o cirurgião plástico, ora recorrente, poderia ser responsabilizado civilmente por erro médico do anestesista ocorrido durante o pós-operatório, isto é, quando a paciente já se encontrava em sala de recuperação.

O Ministro Relator Paulo de Tarso Sanseverino, acompanhado pelo Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, negou provimento ao recurso especial, mantendo a responsabilidade do recorrente em razão da culpa in eligendo, considerando que foi o cirurgião plástico quem contratou o anestesista. Nesse mesmo sentido, o acórdão do TJSP tinha concluído que “(1) o médico responde por ato próprio, mas também por quem age sob suas ordens, em face do art. 933 do CC; e (2) responderá, também, pela indicação de outros profissionais, quando se reconhecer sua culpa ‘in eligendo’, modalidade que se insere na definição do art. 186 do mesmo Estatuto”.

Por outro lado, foi proferido voto divergente do Ministro Marco Aurélio Bellizze, para dar provimento ao Recurso Especial e julgar improcedente a ação, sendo, posteriormente, acompanhado pelo Ministro Moura Ribeiro e pela Ministra Nancy Andrighi. Destacou-se que “se existe um profissional na hora da cirurgia que não é comandado por ninguém, que tem atribuição técnica totalmente distinta, possuindo autonomia, e que, mesmo integrando a equipe, não há por parte do cirurgião nenhuma providência que possa ser tomada por uma atitude certa   – e muito menos por uma conduta equivocada -, este profissional é o anestesista, sendo, pois, trabalhos estanques, autônomos, cada um com sua regra de atuação, e um não participa ou influi no âmbito do resultado da atividade do outro”.

O voto-vencedor, proferido pelo Ministro Bellizze, ressalta que o acórdão do TJSP recorrido está em manifesta dissonância com o entendimento pacificado na 2ª  Seção do STJ, que, por ocasião supracitado EREsp 605.435/RJ, entendeu que o cirurgião, ainda que se trate de chefe de equipe, não pode ser responsabilizado por erro médico cometido exclusivamente pelo anestesista, somente cabendo responsabilização solidária do chefe da equipe médica quando “o causador do dano for integrante da equipe que atue na condição de subordinado, ou seja, sob comando daquele. Assim, no caso de médico anestesista, que compõe o grupo, mas age como profissional autônomo, seguindo técnicas próprias de sua especialidade médica, deverá ser responsabilizado individualmente pelo evento a que der causa”.[9]

Por conseguinte, resta demonstrada a importância, na análise do caso concreto, de verificar a existência de subordinação e o fato de o anestesista ter sido imposto pelo hospital ou ser parte integrante da equipe médico-cirúrgica.

Diante disso, conclui-se que há duas hipóteses de contratação dos serviços do cirurgião-chefe e do médico anestesista. Primeiramente, tem-se o cenário de contratos independentes, entre o paciente e cada um destes profissionais, com responsabilidades analisadas individualmente. Contudo, não se pode afastar a responsabilidade do cirurgião-chefe apenas na situação em que o paciente contrata, ele próprio, em paralelo, o anestesista. Inclusive, não é frequente essa hipótese de buscar autonomamente a contratação de trabalho de anestesista, pois este normalmente virá em um pacote de contratação, que é feito diretamente com o cirurgião ou com o hospital.

Já na segunda hipótese de contratação, conforme exposto nestas breves reflexões, é que paira a principal discussão sobre se há ou não solidariedade na responsabilidade decorrente do erro médico do anestesista. A partir dos julgados apresentados, concluímos que, apesar de haver a ligação entre o médico anestesista e a equipe selecionada pelo médico-cirurgião, não existe, a princípio, responsabilidade solidária entre os dois profissionais da Medicina, tendo em vista que o anestesista possui um trabalho autônomo e seu campo de atuação é distinto.

[1] GIOSTRI, Hildegard Taggesell. Algumas reflexões sobre a arte da anestesia e a responsabilidade profissional do anestesiologista. Revista de Direito Médico e da Saúde, Recife, ano I, n. 3, julho/2005, p. 60-61.

[2] CASTRO, João Monteiro de. Responsabilidade civil do médico. São Paulo: Método, 2005, p. 163.

[3] SANT’ANNA, Guilherme Chaves. Responsabilidade civil dos médicos-anestesistas. In: BITTAR, Carlos Alberto (coord.). Responsabilidade civil médica, odontológica e hospitalar. São Paulo: Saraiva, 1991, p. 133-153.

[4] CASABONA, Carlos Maria Romeo. El médico ante el derecho. Madrid: Ministerio de Sanidad y Consumo, 1985, p. 69-70.

[5] COSTA JR., João Batista de Oliveira e. Aspectos médico-legais da anestesia, p. 402 e ss. Apud SANT’ANNA, Guilherme Chaves. Responsabilidade civil dos médicos-anestesistas. In: BITTAR, Carlos Alberto (coord.). Responsabilidade civil médica, odontológica e hospitalar. São Paulo: Saraiva, 1991, p. 146-148.

 

[6] TJSP, Ap. Crim. 216.707-3, rel. Des. Silva Pinto, 2ª C., j. 25.05.1998, Un. – Trecho do voto do Relator – JTJ-Lex 212/287 – apud AMARO, MOHAMED. Código Penal na expressão dos tribunais. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 180.

[7] STJ, EREsp 605.435/RJ, 2ª Seção, rel. Min. Nancy Andrighi, rel. p/Acórdão Min. Raul Araújo, j. 14.09.2011, DJe 28.11.2012

[8] ST, REsp 1790014/SP, rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, rel. p/ Acórdão Min. Marco Aurélio Bellizze, 3ª Turma, j. 11.05.2021, DJe 10.06.2021.

[9] Idem.

Autor

  • Miguel Kfouri Neto é Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná (TJPR). Pós-Doutor em Ciências Jurídico-Civis junto à Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Doutor em Direito das Relações Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Mestre em Direito das Relações Sociais pela Universidade Estadual de Londrina (UEL). Bacharel em Direito pela Universidade Estadual de Maringá (UEM). Licenciado em Letras-Português pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR). Professor-Doutor integrante do Corpo Docente Permanente do Programa de Doutorado e Mestrado em Direito Empresarial e Cidadania do Centro Universitário Curitiba (UNICURITIBA). Membro da Comissão de Direito Médico do Conselho Federal de Medicina (CFM).
    Coordenador do grupo de pesquisas em "Direito da Saúde e Empresas Médicas" (UNICURITIBA).

    Rafaella Nogaroli é Assessora de desembargador no Tribunal de Justiça do Estado do Paraná (TJPR). Mestranda em Direito das Relações Sociais pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Especialista em Direito Aplicado pela Escola da Magistratura do Paraná e em Direito Processual Civil pelo Instituto de Direito Romeu Felipe Bacellar. Pós-graduanda em Direito Médico e bacharel em Direito pelo Centro Universitário Curitiba (UNICURITIBA). Coordenadora do grupo de pesquisas em "Direito da Saúde e Empresas Médicas" (UNICURITIBA). Diretora adjunta e membro titular do Instituto Brasileiro de Estudos de Responsabilidade Civil (IBERC). Membro do grupo de pesquisas em direito civil-constitucional "Virada de Copérnico" (UFPR).



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