Aos diletos
Eduardo J.F. Costa, Sebastião Pujol e Lúcio Delfino
I
Existe um especial motivo para que este escrito tenha sido composto enquanto a memória me remetia ao EDUARDO, ao PUJOL e ao LÚCIO. Para além da estima que guardo em relação aos três, que pensam o Direito e o Processo a partir daquilo que a Constituição da República estabelece, houve um dínamo potencializador desta prazerosa lembrança. De cada um deles já ouvi menções honrosas a um jurista-filósofo de quem tive a oportunidade de ser aluno num curso de “política e acesso à justiça” na Fundação Konrad Adenauer, em São Paulo, no distante primeiro semestre de 1999. Ele foi um dos que prelecionou naquele evento. Seu nome: TÉRCIO SAMPAIO FERRAZ JÚNIOR. Desse meu contato com a Fundação Adenauer recebi o convite para escrever no volume nº 3 dos Cadernos Adenauer, que tinha como leitmotiv a temática do Acesso à justiça e Cidadania[1]. Foi nesse curso o meu primeiro contato com o professor TÉRCIO.
Egressos da Faculdade de Direito do Largo São Francisco, EDUARDO e PUJOL foram alunos de TÉRCIO SAMPAIO ali na Velha Academia. EDUARDO na graduação e depois no doutorado da PUC de São Paulo. PUJOL com ele teve algumas palestras durante a graduação [seu professor de Introdução ao Estudo do Direito foi ALLAOR CAFFÉ FILHO], e posteriormente veio a ser seu aluno no doutorado da USP. Coincidentemente ambos são da estrutura federal do aparato de “justiça”. EDUARDO é juiz federal junto ao TRF-3. PUJOL é delegado da polícia federal em São Paulo. Não é de hoje que EDUARDO afirma a influência que as lições de TÉRCIO SAMPAIO exerceram em sua formação, já o tendo feito, inclusive, n´alguns de seus escritos. PUJOL nutre equivalente reverência pela obra desse grande pensador e graças a isso nos conhecemos. Quando de meu retorno como professor da FADIPA, no segundo semestre de 2017, certa noite PUJOL me viu na Sala dos Professores com o livro de introdução ao Direito de autoria do Prof. TÉRCIO. Naquele semestre tive a chance de lecionar aos primeiranistas da FADIPA. No mesmo instante SEBASTIÃO PUJOL, colega professor que eu ainda não conhecia, aproximou-se de mim e indagou: – Você está ensinando aos Moços a raciocinar o Direito pelo enfoque zetético ou dogmático? Neste dia nos tornamos amigos. Devo dizer que o presente texto surgiu após convite que me fez PUJOL para escrever na Revista de Direito Penal e Processual Penal [https://revistas.anchieta.br/index.php/DireitoPenalProcessoPenal], por ele coordenada na FADIPA. Sabedor de meus vínculos com o Garantismo Processual, pediu-me PUJOL para explorar o tema a partir do enfoque dogmático que é próprio do saber processual-garantista, sem descurar das possíveis argumentações zetéticas que o “juiz de garantias” suscita. Nessa correlação de ideias e memórias também comparece LÚCIO DELFINO. Há menos de quinze dias assisti uma aula telepresencial ministrada por LÚCIO, onde ele traçou os confins entre aquilo que chamou de Garantismo Ferrajoliano e Não-Ferrajoliano. Em suma, distinções epistemológicas entre o que se concebe por Garantismo, em geral, e por Garantismo Processual. Durante sua exposição LÚCIO DELFINO foi preciso ao afirmar que o processual-garantismo é um saber dogmático, já que todo o seu desenvolvimento parte daquilo que está escrito e posto numa determinada ordem jurídica. O Garantismo Processual responde (=explica) a partir da finitude do ambiente da Constituição e dos pactos internacionais que vigoram em determinado tempo e espaço. O Garantismo Processual não é, propriamente, um saber zetético, no qual a “medida do possível” ultrapassa os limites do Direito a partir de perguntas (=questionamentos) que alcançam a sociologia jurídica, o moralismo jurídico, a política, a história ou qualquer outro ramo do saber que esteja fora do espaço próprio do ontologicamente jurídico. Sem embargo, o Professor TÉRCIO SAMPAIO deixa claro que entre a argumentação zetética e dogmática “não há uma separação radical; ao contrário, na totalidade do discurso jurídico, elas se entremeiam, referem-se mutuamente, às vezes se opõem, outras se colocam paralelamente, estabelecendo um campo de possibilidades bastante diversificado. (…) O jurista revela-se, assim, não só como o especialista em questões dogmáticas, mas também em questões zetéticas”[2]. Meu escrito seguirá nessa linha.
Farei uma abordagem dogmática da figura do “juiz de garantias”, técnica procedimental decorrente da estrutura acusatória do PROCESSO, tal como o prevê a Constituição. Apesar do avanço em sua positivação, a técnica foi regulamentada de modo assaz acanhado pelo legislador brasileiro. Farei ainda uma abordagem zetética sobre o tema. Isso será feito a partir da (re)afirmação de que há fatores históricos que – muito provavelmente – introjetaram em nosso DNA social uma espécie de inquisitividade[3] da qual ainda não nos imunizamos. Gerou-se, a partir daí, uma superestrutura que segue apostando – talvez inconscientemente, talvez não – numa inexistente onipotência das autoridades que nos julgam, como se só elas, e somente elas, fossem capazes de redimir os males que contaminam o tecido social. O problema é grave. Afeta o espaço do PROCESSO onde são julgados temas de conotação criminal com a mesma contundência que afeta o espaço do julgamento das relações públicas ou privadas ocorridas no extramuros da criminalidade. Indício veemente dessa realidade está no fato de o Supremo Tribunal Federal ter suspendido, cautelarmente, a possibilidade da implementação do “juiz de garantias” no Brasil, cuja decisão abarcou quatro ações diretas de inconstitucionalidade. Uma delas, a ADIn nº 6.298, ajuizada em litisconsórcio ativo entre a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e a Associação dos Juízes Federais do Brasil (AJUFE). Uma outra, a ADIn nº 6.305, ajuizada pela Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (CONAMP) [https://www.conjur.com.br/2020-jan-22/fux-revoga-liminar-juiz-garantias-Atereferendo-plenario]. Em miúdos: parcela representativa daqueles que nos julgam e nos acusam não conseguem compreender a estrutura acusatória do PROCESSO. Não conseguem, pois, fazer-nos livrar do fantasmagórico espectro que segue a nos rondar e que ignora a ordem constitucional vigente: o espectro da inquisitividade.
II
Parcela expressiva da sociedade, que ocupa o espaço de reflexão daquilo que se pode chamar de senso comum jurídico, é refém de um arquétipo que nos avassala: o modelo inquisitivo de atuação das autoridades judiciárias. Acredita-se que a figura do juiz deve protagonizar a cena processual, dirigindo e atuando em busca da realização de “justiça” no caso concreto. A partir dessa percepção, confia-se “cegamente” na pessoa física do juiz e, claro, na própria instituição a que pertence, o Poder Judiciário. Seria como se estes seres humanos fizessem parte de uma casta de indivíduos ungidos por uma espécie de magia etérea, simplesmente pelo fato telúrico de serem juízes. Nessa atmosfera de plácida reverência e submissão, contrária ao “desassossego cidadão” que nos deve ser insuflado pelo republicanismo e pela democraticidade que transbordam desde o alto da ordem constitucional, comportamo-nos como rebanhos conduzidos pelo bom pastor. Aceitamos que os “outros” sejam “justiçados” pela inquisitividade flamígera de certas autoridades judiciárias que operam no interior do PROCESSO, como se não fosse ele uma garantia contra o poder, constitucionalmente estruturado em sólida base acusatória. Não é raro sabermos de juízes: [i] que saem “à caça” de provas incriminatórias, [ii] que deliberadamente fazem “vazar” informações processuais sigilosas – “grampos” telefônicos, por exemplo – com objetivos espúrios, às vezes até mesmo políticos; [iii] que dirigem e/ou orientam e/ou combinam com os acusadores estratégias voltadas à condenação dos “hereges” a quem entendem culpados; [iv] que determinam prisões cautelares com o objetivo não revelado de obter delações; [v] que condenam sem prova (=confirmação) dos fatos narrados; [vi] que, atuando em tribunais, imprimem velocidade recorde no procedimento recursal, julgando recursos com indisfarçável intenção de confirmar a condenação vinda da instância inferior. Verificou-se coisas deste jaez na história recente do Brasil. Coisas que estão longe, infelizmente, de ser um – único – ponto fora da curva. Fenômeno equivalente, ainda que em outras proporções, ocorre em causas regradas pelo código de “processo” civil, independentemente do nível de complexidade.
Mas por que as autoridades judiciárias agem assim? Por que parcela expressiva da sociedade vê como normal esse método de atuação? Por que recusamos a aceitar, operar e concretizar as regras do PROCESSO a partir de sua constitucionalidade acusatória? Enfim, por que aceitamos que os “outros” sejam “justiçados” ao invés de julgados conforme as garantias processuais estabelecidas na Constituição da República e nos pactos internacionais que vigoram em nosso país?
Tenho uma opinião firme sobre isso: é porque vivemos sob uma inquisitividade estrutural, historicamente herdada da fantasmagórica Inquisição Espanhola, mãe regente da Inquisição Portuguesa. O “conjunto da obra” pode ser chamado de Inquisição Ibérica, que formalmente vigorou na península de nossos colonizadores, e na América por eles colonizada, por mais de três séculos e meio. Sim! A Inquisição Espanhola vigorou de 1478 a 1834, exatos 356 anos. A Inquisição Portuguesa, oficialmente de 1536 a 1821, exatos 285 anos. Se tivermos em mente que o Pogrom de Lisboa de 1506 (=tb. Massacre de Lisboa; Massacre da Praça do Rócio; Matança da Páscoa), foi um reflexo da conversão forçada de judeus em Portugal, ocorrida em 1497, e que isso se deu sob a atmosfera política da Inquisição que já vigorava em Espanha, temos aí quase três séculos dessa inumana instituição social no espaço lusoparlante do ambiente europeu-americano. No Brasil, Pero do Campo Tourinho – donatário da capitania de Porto Seguro – foi a primeira vítima da “Santa” Inquisição, e isso nos primórdios colonizatórios. Por motivos que depois se mostraram mais políticos do que heréticos-religiosos, no ano de 1540 esse “cristão-velho” foi delatado por desafetos que fez enquanto empreendia para o desenvolvimento de sua capitania.[4]
Essa inclemente instituição de terror valia-se de um “modelo” de procedimentalidade em sua atuação: o modelo inquisitivo. Tudo dentro de “expressa” autorização papal. Existia a figura do inquisidor: frei dominicano versado em direito e teologia. O inquisidor chegava nas localidades e se acercava das autoridades seculares, exigindo-lhes apoio em suas atividades. Difundia-se a prédica do “medo” em sermões, fazendo com que as pessoas delatassem, sem qualquer indício, quem lhes fosse diferente, leia-se: o herege. Herege era qualquer um que saísse fora do risco traçado pelo esquadro representado pelas “sagradas escrituras”, naquilo que era do interesse da Igreja Católica. A lógica inquisitorial centrava-se na busca da verdade absoluta como obra investigatória do inquisidor, daí a legitimidade da tortura para se obtê-la, inclusive para que se chegasse à redentora “confissão” por parte do objeto da investigação: o sujeito herético. O “processo” inquisitorial iniciava-se por: (a) acusação, (b) delação, (c) investigação. Em (a) e (b) iniciava-se o processo pela iniciativa de “terceiros”, não do inquisidor; em (c) a iniciativa investigatória era do próprio inquisidor. Após iniciado o processo por acusação, o inquisidor chamava para si o proceder sequencial, orientando o “terceiro” acusador a afastar-se da causa [“Se ficar claro que os depoimentos das testemunhas acrescentaram algo à acusação, o inquisidor deverá aconselhar o acusador a contentar-se em ser o delator, para que o inquisidor possa proceder segundo suas atribuições e não enquanto solicitante de uma das partes”][5]. O processo iniciado por delação implicava a citação das testemunhas indicadas pelo delator, e daí em diante o procedimento também ficava sob o comando do inquisidor. Iniciado por investigação, o processo era integralmente do monopólio do inquisidor, que o iniciava por conta própria a partir da existência de “boatos” sobre heresia. O processo por investigação era, disparado, a forma mais comum do instar no proceder inquisitorial, já que não sujeitava o “terceiro” acusador à “lei de talião”, “segundo a qual o acusador aceita, se perder, pagar a pena que o acusado pagaria, se ficasse comprovada a culpa deste último”[6]. Vê-se que havia um desestímulo ao instar “privado” e um superestímulo ao instar do inquisidor. Resultado: uma mesma pessoa (=o inquisidor) investigava, provava e julgava. Uma espécie de lógica da concentricidade e sobrevalorização do poder (=jurisdição) marcava o processo inquisitorial.
Era um clima público de terror. Os fatos “propagandeados” pela Santa Inquisição avassalavam a sociedade. Após o processo – onde a tortura era a regra – e a condenação, a execução das penas era feita pelas autoridades seculares, nos chamados autos de fé [“Auto de fé significa literalmente ato de fé”][7]. Consistiam em cerimônias públicas de punição dos hereges. A mais violenta das penas era lançar o condenado à fogueira, que ardia vivo até que as chamas o consumissem. Milhares de “fiéis” acompanhavam esses autos de fé e, a partir disso, viam e viviam as relações infraestruturais havidas nas sociedades dominadas pelo terror inquisitorial. É por isso que não é de se estranhar que o nosso DNA social esteja marcado pela rançosa inquisitividade. O que se criou a partir de mais de três séculos de Inquisição foi um “estado de espírito” onde a “mentalidade inquisitorial continua viva”[8]. Sem muita dificuldade é possível intuir que a superestrutura (=regramento dos códigos de “processo”; jurisprudência dos tribunais) daí formada não esteja completamente imunizada de certos procederes, apesar de vivermos sob uma Constituição que somente admite a imposição do poder jurisdicional como subproduto da atividade acusatória (=devido processo legal; CR, art. 5º, LIV-LV). Na prática, segue existindo uma inquisitividade estrutural que, muitas vezes, impede-nos de lançar à realidade judiciária um olhar constitucionalmente adequado.
III
Enquanto macrofenômeno jurídico-constitucional, aquilo que conhecemos por PROCESSO ostenta dois atributos que marcam fortemente a sua estrutura: [i] unitariedade e [ii] acusatoriedade.
A unitariedade faz com que a estrutura do PROCESSO seja voltada a viabilizar o trâmite de um procedimento elaborado ao nível infraconstitucional, direcionando-o à obtenção de certos resultados cíveis ou penais, grosso modo falando. Tais procedimentos estão legislativamente dispostos em bases textuais a que estamos acostumados a chamar – de forma imprecisa – de códigos de “processo” civil ou penal. Ainda que os respectivos códigos estabeleçam procedimentos – e não “processos” – distintos para a obtenção dos resultados a que se propõem, o regramento neles previsto deve ser verticalmente compatível com as garantias constitucionais e convencionais (=pactos internacionais) que substanciam a estrutura do PROCESSO. Por exemplo, garantias processuais como devido processo, contraditório – direito fundamental da parte, não do juiz [=LÚCIO DELFINO][9] –, ampla defesa, legalidade, imparcialidade, impartialidade, presunção de inocência[10], vedação de prova ilícita, juiz natural, fundamentação das decisões e outras tantas que lhes sejam correlatas, referem-se ao PROCESSO em sua unitariedade, e não apenas ao chamado “processo” penal ou civil ou a qualquer outra adjetivação artificial que se lhe queira dar. Estes atributos fazem do PROCESSO uma garantia contra o poder[11], verdadeira proteção contra o Legislador ou o Administrador [=MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO][12], inegavelmente uma garantia do indivíduo em face do Estado [=EUGÊNIO PACELLI OLIVEIRA][13], ou, naquilo que diz respeito à dimensão do fenômeno PROCESSO perante o judiciário, uma instituição de garantia contrajurisdicional [=EDUARDO COSTA][14].
A acusatoriedade também é marca substancial do PROCESSO, apresentando-se como uma característica fundamentalmente intrínseca daquilo que comumente se chama de processo jurisdicional. A operação linguística de formar o sintagma processo jurisdicional não existe para fazer dele um “instrumento” da jurisdição. Partindo de fortes premissas ex parte principis, as concepções instrumentalistas assim o fizeram. As consequências dogmáticas (=doutrina) e pragmáticas (=jurisprudência) daí advindas amesquinharam o processo, transformando-o em técnica a serviço do poder ao invés de garantia contra ele. Em suma, fala-se em processo jurisdicional como estratégia de identificação do macrofenômeno jurídico-constitucional PROCESSO, em sua dimensão – sempre garantística – perante o Poder Judiciário. Incabível, portanto, adjetivá-lo de “civil”, “penal”, “trabalhista” e così via. Constitucionalmente, PROCESSO é PROCESSO e ponto! Ao jurista com efetiva vocação constitucional não deve haver dúvida de que o processo jurisdicional opera como elemento de conexão entre a AÇÃO (=liberdade) e a JURISDIÇÃO (=poder). A observação empírica, somada à gramática constitucional, revela-nos essa realidade. A ação (CR, art. 5ª, XXXV) desencadeia o processo (CR, art. 5ª, LIV e LV) que autorizará o exercício da jurisdição (CR, art. 92 e ss).
Nesse panorama, a AÇÃO ocorrerá a partir da liberdade de determinado sujeito de direito em exercê-la, e isso também vale para o Ministério Público nas causas de natureza penal. Eis alguns exemplos: [i] propostas de “transação penal” no JECrim (L. 9.099/95, art. 76, §§); [ii] mitigação da ação penal pela proposta de “suspensão do processo” (L. 9.099/95, 89, §§); [iii] requerimento de “perdão judicial” na colaboração premiada (L. 12.850/2013, art. 4º, § 2º); [iv] o “não oferecimento de denúncia” também no caso de colaboração premiada (idem, art. 4º, § 4º); [v] celebração de acordo de “não persecução penal” das infrações cometidas sem violência ou grave ameaça, com pena mínima inferior a quatro anos (CPP, art. 28-A, §§; via “Pacote Anticrime”); [vi] a sempre presente possiblidade de um órgão executivo do Ministério Público, a quem foi “distribuído” um determinado inquérito policial para análise, e dentro da liberdade decorrente de sua independência funcional (CR, art. 127, § 1º), não vislumbrar “justa causa” para ação penal quando outro integrante do MP, analisando os mesmos elementos investigatórios, poderá vislumbrá-la para formar a sua opinio delicti. Se no “processo” civil a AÇÃO se exerce como decorrência da liberdade, uma lógica equivalente também se aplica ao “processo” penal. Logo, a AÇÃO é projeção da liberdade.
A AÇÃO, que é liberdade, pressupõe para o seu exercício que alguém pretenda sujeitar outrem a uma determinada situação jurídica a ser imposta pela JURISDIÇÃO, que é poder. A implementação, ou não, da situação jurídica pretendida dependerá de certas circunstâncias relacionadas ao direito material e/ou processual. É importante não perder de vista que a ordem constitucional brasileira: [i] neutraliza a possibilidade de a jurisdição atuar sem que haja ação; [ii] dispõe a ação no espaço da liberdade, submetendo-a ao instar do eventual interessado ou legitimado; [iii] aloca o processo – e também a ação, claro – no rol dos direitos e garantias fundamentais; [iv] confere legitimidade concorrente entre o Ministério Público e outros sujeitos não-jurisdicionais para a ação no âmbito penal (CR, art. 129, I c/c § 1º); [v] circunscreve o judiciário à tarefa institucional de julgar, impondo às pessoas físicas que o integram o dever funcional de total desinteresse na causa (=imparcialidade; não agir com parcialidade) e de total não-interferência sobre os encargos procedimentais das partes (=impartialidade; não agir como parte). Vê-se, portanto, que é nitidamente acusatória a estrutura do PROCESSO! É necessário o instar de alguém que não integre funcionalmente o Poder Judiciário para que este macrofenômeno jurídico-constitucional cumpra a finalidade que o Direito lhe reserva.
IV
Prefere-se o sintagma estrutura acusatória, para se referir à acusatoriedade que substancia o processo jurisdicional, a expressões como “sistema”, “modelo” ou “princípio” acusatório, apesar de consagradas no discurso dogmático processual-penal. De “princípio”, efetivamente, não se trata, já que não é “norma” que rege o “ser” processo jurisdicional; é a sua substância! Tampouco se trata de “sistema” ou “modelo”. Do contrário, seria necessário aceitar que outros “sistemas” ou “modelos”, como os chamados “inquisitivo” ou “misto”, fariam parte da substância do processo jurisdicional. Tal possibilidade é rigorosamente impossível, e isso por uma razão elementar. A ideia de inquisitividade está ligada à possibilidade de “a lei ser aplicada” (=julgar) pelo mesmo sujeito e/ou entidade jurídica que “pediu” (=instou; teve iniciativa) por sua aplicação. Além disso, este mesmo sujeito e/ou entidade jurídica terá a ampla possibilidade de realizar a investigação dos fatos voltados a comprovar a hipótese que justificará a aplicação da lei.
O PROCESSO jamais poderá ser inquisitivo. “Proceso inquisitivo se resuelve así en una contradicctio in terminis” [=JUAN MONTERO AROCA][15]. A acusatoriedade tem por essência a ideia de “separação entre a entidade investigadora e acusadora e a entidade que julga [=JOSÉ ANTÓNIO MOURAZ LOPES][16]. O PROCESSO [jurisdicional] é estrutura onde “quem pede” (=insta) NÃO será “quem julga” (=aplica a lei); o chamado “sistema” [ou “modelo”] inquisitivo é estrutura onde “quem pede” será “quem julga”. Portanto, não é PROCESSO [jurisdicional] a estrutura onde “quem pede” será “quem julga”. Dito de outro modo, a estrutura do “sistema” [ou “modelo”] inquisitivo não se constitui em PROCESSO [jurisdicional]. Por isso, não é rigorosamente exato falar-se em “processo” administrativo” ou “processo” legislativo. A rigor, é de “procedimento” administrativo ou legislativo que se trata. No primeiro caso, porque será a própria Administração Pública que irá “julgar” (=decidir) ao final do respectivo procedimento, onde sempre será resolvido algo de seu próprio interesse público, ainda que verse pretensão do administrado. No segundo caso, porque o produto do respectivo “processo” legislativo será a criação da figura jurídica chamada “lei,” de modo que sequer seria correto falar que aí há um “julgamento” propriamente dito, a não ser por metonímia [o legislativo “julgou” por bem aprovar determinada lei]. Logo, a acusatoriedade é substância do macrofenômeno PROCESSO. Sua existência pressupõe três elementos – ou sujeitos processuais – que exercem encargos distintos: [i] aquele que pede (=que acusa; do latim accusare: “chamar a juízo”), [ii] aquele contra quem se pede (=quem se defende) e (iii) um “terceiro” institucional e constitucionalmente destinado a ser imparcial, impartial e independente [=ADOLFO ALVARADO VELLOSO]. Essa lógica do PROCESSO impacta qualquer dos procedimentos, estabelecidos ao nível infraconstitucional, que se desenvolvem perante o judiciário, esteja regrado no código de “processo” civil ou penal. Aqui e acolá (=civil ou penal) existe acusatoriedade porque acusatória é a estrutura do PROCESSO. Repito o que escrevi há pouco: constitucionalmente, PROCESSO é PROCESSO e ponto[17]. Por isso está absolutamente correta a compreensão de que a técnica do juiz de garantias também se aplica, por exemplo, nos processos de improbidade administrativa [=ZULMAR DUARTE DE OLIVEIRA Jr. e ARTHUR FREITAS DE SOUSA].[18]
V
O “juiz de garantias” incluído na última novellazione do Código de Processo Penal, via lei do “Pacote Anticrime”, foi um passo importante, não se nega o fato. Mas foi muito aquém do que poderia ter sido para potencializar a acusatoriedade do procedimento penal no Brasil, além de ter sido positivado com “trinta anos de atraso”[19]. Logo, em que pese positiva a sua inclusão no CPP, a dimensão que lhe deu o legislador ainda se mostra acanhada. Sob o nomen juris de “juiz das garantias”, a figura criada pela Lei 13.964/2019 (=Pacote Anticrime) foi alocada na estrutura do art. 3º do CPP, que agora se desdobra do art. 3º-A ao 3º-F.
Digno de nota é o disposto no art. 3º-A: “O processo penal terá estrutura acusatória, vedadas a iniciativa do juiz na fase de investigação e a substituição da atuação probatória do órgão de acusação”. Trata-se de uma espécie de “supra-artigo” cujo alcance vai mais além das disposições específicas do juiz de garantias. Uma regra geral para todo o “processo” penal, agora expressamente declarado acusatório ao nível infraconstitucional. Temos aí o tête de chapitre que, doravante, determinará o modo de ser pensado e operado o “processo” penal no país. Bibliotecas inteiras precisarão ser revistas. A jurisprudência penal deverá começar a ser reescrita. A parte final do caput do art. 156 do CPP [“A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado ao juiz de ofício”] deverá ser tido como “letra morta”. O heroico art. 3º-A do CPP trouxe para a textualidade infraconstitucional aquilo que a Constituição já previa em relação ao PROCESSO: acusatoriedade[20]! Mas não é só. A acusatoriedade aí prevista abarca as duas etapas fundamentais do “processo” penal[21]: (a) etapa de investigação e (b) etapa de instrução-julgamento. Em (a) ocorrerá a colheita das provas que darão “justa causa” (=indícios de autoria + prova da materialidade) ao início do processo; aí será ambiente da competência do juiz de garantias. Em (b) serão produzidas as provas que eventualmente confirmarão a hipótese da acusação após o recebimento da ação penal; aí é o habitat do juiz da sentença, que infelizmente, em sendo a mesma pessoa física, seguirá sendo influenciado pela atmosfera instrutória na qual estará inserido, com inegável prejuízo à imparcialidade. O procedimento penal é a síntese da etapa de investigação e de instrução-julgamento, naturalmente articuladas com os recursos que lhe são inerentes. A estrutura acusatória estabelecida pelo legislador do CPP veda a iniciativa do juiz na etapa de investigação (=primeira etapa), da mesma forma que veda ao juiz substituir-se ao acusador na etapa de instrução-julgamento (=segunda etapa). Logo, está sepultada a possiblidade inquisitória de o juiz determinar a produção de prova ex offício. Daí a afirmação acima, no sentido de que a parte final do caput do art. 156 do CPP tornou-se “letra morta”. A partir do momento em que a processual-penalística, tradicionalmente mais garantista que a processual-civilística, se der conta da dimensão dogmática do art. 3º-A, a doutrina do “processo” penal brasileiro se elevará a um outro nível de democraticidade, podendo, então, ajudar a jurisprudência a se libertar da inquisitividade estrutural na qual está enredada.
VI
O juiz de garantias é uma técnica procedimental voltada à preservação da imparcialidade. “Isolando” o juiz de garantias (=etapa de investigação) da etapa procedimental de instrução-julgamento, cria-se um obstáculo contra o viés de confirmação que, invariavelmente, repercutiria na sentença caso não houvesse esse câmbio de juízes (=pessoas físicas) entre as etapas de investigação e de instrução, conforme demostra EDUARDO COSTA[22]. O juiz de garantias também é técnica de observância necessária que decorre da acusatoriedade do PROCESSO, onde os encargos de investigar, postular, defender, provar e julgar recaem sobre sujeitos processuais diferentes. Sem a participação do juiz de garantias, ainda latente intra ovo por conta da suspensão cautelar que lhe impôs o STF, seguiremos tendo no Brasil um resquício de inquisitividade incompatível com o PROCESSO desenhado na Constituição. Entenda-se o ponto. Um procedimento no qual é permitido ao mesmo juiz – pessoa física – atuar nas etapas de investigação, de instrução e de julgamento (=mérito), tem como elemento axial a concentricidade do poder, onde aquele magistrado operará como uma espécie de senhor feudal onipotente em todas as etapas do procedimento voltado à formação da sentença. Na prática, um proceder nesses moldes mostra-se verticalmente incompatível com a Constituição porque inquisitivo, além de mostrar um inegável desapego dogmático à imparcialidade judicial e, por conseguinte, às garantias fundamentais inerentes ao PROCESSO.
VII
O CPP brasileiro avançou com o juiz de garantias, repita-se. Avanço ainda maior foi o legislador escrever no art. 3º-A que o “processo” penal é de estrutura acusatória. Todavia, o passo na democraticidade poderia – deveria! – ter sido mais largo. O juiz de garantias é técnica de preservação da imparcialidade; por isso, não se compreende o porquê de o legislador tê-lo instituído de modo a dar-lhe competência jurisdicional para receber a ação penal (=art. 3º-C, § 1º). Imerso na etapa de investigação, onde inclusive poderá decretar ou prorrogar a segregação cautelar do acusado (art. 3º-B, V e VI), o juiz de garantias sofrerá um enfraquecimento em sua imparcialidade. Por que então atribuir-lhe competência para o recebimento da denúncia ou queixa-crime? Percebe-se aí um ranço de inquisitividade que desafia a acusatoriedade “legal” (art. 3º-A) do “processo” penal brasileiro. Vê-se um choque entre a constitucionalidade acusatória e a inquisitividade estrutural. São evidentes contradições sistêmicas que, tal qual um “ato falho”, muito provavelmente decorrem de um “estado de espírito” onde a “mentalidade inquisitorial continua viva”, conforme acima foi mencionado. Tentou-se, com diminuto sucesso – talvez mesmo sem ele –, dar musculatura constitucional ao “processo” regrado pelo legislador. Sem embargo, à mingua de um estado de espírito processual-garantista, vê-se a coisa sendo “dada com uma mão” para depois, na sequência de um mesmo código, ser “tirada com a outra”. Mas há um outro problema que a técnica do juiz de garantias brasileiro não resolveu, já que a instrução e a sentença seguem sob o monopólio do mesmo juiz [pessoa física]. O resultado disso será o déficit na imparcialidade judicial, que precisa ser “levada a sério”. Nunca será demais remeter o leitor à versão comercial da tese de doutoramento de EDUARDO COSTA junto à PUC/SP [Levando a imparcialidade a sério: proposta de um modelo interseccional entre direito processual, economia e psicologia, Salvador: Ed. JusPodium, 2018]. Ali está a constatação definitiva de que o modelo procedimental onde a mesma pessoa física concentra a competência de decidir sobre a urgência (=prisão e liberdade, por exemplo), de atuar na investigação-instrução (=antes ou após o ajuizamento da ação) e de sentenciar (=decidir sobre o mérito), está rigorosamente errado, já que não garante a imparcialidade inerente ao poder jurisdicional.
VIII
Oxalá chegue o dia em que a unitariedade e a acusatoriedade do PROCESSO venham a ser definitivamente respeitadas, “levadas a sério”, pois! Quando esse dia chegar, “haverá um juiz para a urgência, um para a instrução e um para sentença, que deve atuar na respectiva etapa de competência. Este sistema de enjuizamento – que em sua essência deve prevalecer tanto no processo civil, quanto no penal – creio possa ser denominado de sistema de enjuizamento escalonado ou procedimento judicial funcionalmente escalonado. Através de um sistema de enjuizamento escalonado (ou procedimento judicial funcionalmente escalonado) o resultado da atividade jurisdicional (sentença) seria precedido por etapas nas quais seria possível um maior grau de imparcialidade funcional do juiz – já que impossível alcançar a imparcialidade subjetiva –, legitimando a jurisdição (Poder) diante do devido processo legal (Garantia) [=GLAUCO GUMERATO RAMOS][23]. Esse modelo proposto, obediente a unitariedade e a acusatoriedade, deve imperar em qualquer dos “processos” (=procedimentos) perante o judiciário, penal, civil, trabalhista, pouco importa.
Foi por isso que me pareceu assaz acanhado o regramento que o legislador deu a figura do juiz de garantias no CPP. Está claro que a técnica recém criada atribuiu ao juiz, dito de garantias, a competência para atuar na etapa de investigação, deferindo a produção de provas e decidindo sobre “prisão e liberdade”. Tudo isso antes do ajuizamento da ação penal. Não me pareceu correto, contudo, atribuir-lhe competência para recebê-la, já que as impressões adquiridas durante a etapa de investigação condicionam o juízo de delibação voltado a verificar se há “justa causa” para a ação penal. Também não me perece correto, notadamente na perspectiva da acusatoriedade, permitir que o juiz da sentença possa: (a) “presidir” a etapa de instrução e/ou (b) apreciar/deferir medidas cautelares de segregação da liberdade nesta etapa. Em (a) e em (b) estará formada uma atmosfera de afetação do comportamento psicológico-cognitivo do juiz, seja por tomar contato com a produção da prova, seja por ter apreciado/deferido medida de prisão. O juiz que atuou em (a) e em (b) igualmente deveria ser “isolado”, para que o julgamento de mérito seja proferido por outro juiz, assepticamente imunizado de qualquer viés cognitivo que lhe afete e/ou lhe possa afetar a imparcialidade garantida aos que venham a ser julgados perante o judiciário [CADH, art. 8.1: “Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial]. Melhor teria andado o legislador brasileiro se tivesse atribuído competência ao juiz de garantias, desde que outra pessoa física, para atuar na etapa de instrução, reservando a etapa de julgamento para outro juiz, com competência específica para a sentença. E, claro, uma técnica procedimental assemelhada também deveria ser prevista para o “processo” (=procedimento) civil, que também se submete à unitariedade e à acusatoriedade do PROCESSO.
Os céticos certamente poderão me objetar com argumentos preguiçosos do tipo: “não há recursos públicos para a implementar essa complexidade procedimental”, ou “não há número suficientes de juízes para tanto”. A resposta é simples: “Basta reorganizar suas competências (…), aproveitando-se os juízes que já se dispõem. E, em definitivo, essa reengenharia no modelo processual organizado com base num procedimento funcionalmente escalonado seria possível através do redimensionamento das competências dos órgãos judiciais. No caso do Brasil isso seria permitido, inclusive, através da competência que a Constituição da República confere ao Estado-federado para legislar sobre procedimento e organização judiciária (CR, art. 24, XI) [=GLAUCO GUMERATO][24].
As soluções existem. Não são “custosas”, tampouco são de “difícil” implementação. Basta que se queira respeitar a unitariedade e a acusatoriedade do PROCESSO. O importante é que tenhamos em mente que o único obstáculo para este ganho é a inquisitividade estrutural com a qual a nossa Constituição, em definitivo, não se compadece.
Jundiaí, junho de 2020
[1] Cf. Cadernos Adenauer nº 3 – Acesso à justiça e cidadania, São Paulo: Fund. Konrad Adenauer, maio/2000. Escreveram nesse volume: LAGUARDIA, Jorge Mario García (México), RAMOS, Glauco Gumerato (São Paulo), RODRIGUES, Walter Piva (São Paulo), PONTES, Evandro Fernandes de (São Paulo), CHOUKR, Fauzi Hassan (São Paulo), STEIN, Torsten (Alemanha).
[2] Cf. FERRAZ JR. Tércio Sampaio. Direito, retórica e comunicação. São Paulo: Ed. Saraiva, 2ª ed. 1997, p. 90.
[3] Cf. os meus “O processo civil gattopardista dos Juizados Especiais”, RBDPro 77/37, jan-mar/2012, e “Aspectos semânticos de uma contradição pragmática. O garantismo processual sob o enfoque da filosofia da linguagem”, RBDPro 82/217, abr-jun/2013; este tb. na Revista de Direito Processual da FADIPA, vol. 1 n. 2, 2019 [https://revistas.anchieta.br/index.php/RevistaDireiroProcivil/article/view/1488].
[4] Há vários estudos sobre esse evento histórico. Cf., com muito proveito, a dissertação de mestrado junto à Universidade Federal Fluminense de BRITTO, Rossana G., A saga de Pero do Campo Tourinho – O primeiro processo da inquisição no Brasil, Petrópolis: Editora Vozes, 2000, passim.
[5] Cf. no Manual dos Inquisidores – “Directorium Inquisitorum” de Nicolau Eymerich, revisto e atualizado por Francisco de La Peña em 1578. Tradução de Maria José Lopes da Silva. Brasília: Ed. Rosa dos Ventos – Ed. Universidade de Brasília, 1993, p. 110.
[6] Idem, p. 106.
[7] Cf. BETHENCOURT, Francisco. História das Inquisições – Portugal, Espanha e Itália, Séculos XV-XIX, São Paulo: Companhia das Letras, 2000, 3ª reimpressão, p. 227.
[8] Em GREEN, Toby. Inquisição – O reinado do medo. Rio de Janeiro: Ed. Objetiva, 2011, trad. Cristina Cavalcanti, p. 284.
[9] Cf. DELINO, Lúcio e ROSSI, Fernando, “Juiz contraditor?”, RBDPro 83/229, abr-jun/2013.
[10] A presunção de inocência não é exclusividade do “processo” penal. Cf., com muito proveito, COSTA, Eduardo José da Fonseca, “Presunção de inocência civil”, RBDPro 100/129, out-dez/2017. Ver ainda RAMOS, Glauco Gumerato, “Nota sobre o PROCESSO e a presunção de inocência que lhe habita”, em: https://emporiododireito.com.br/leitura/13-nota-sobre-o-processo-e-sobre-a-presuncao-de-inocencia-que-lhe-habita.
[11] Desde janeiro de 2006 já chamava a atenção para este aspecto a MOCIÓN DE VALENCIA (2006) – El proceso civil en el siglo XX: tutela y garantia, cf. em Proceso civil e ideología, coord. AROCA, Juan Montero, Buenos Aires: Astrea, 3ª edición, 2016, pp. 433-443. Apesar de a Moción de Valencia referir-se a “processo civil”, evidentemente o seu conteúdo contra-autoritário volta-se a atuação do poder jurisdicional em qualquer modalidade de “processo”. Basta que se leia a íntegra de seu conteúdo.
[12] Cf. FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos humanos fundamentais, São Paulo: Ed. Saraiva, 4ª edição, 2000, pp. 71 e ss.
[13] Cf. OLIVERIA, Eugênio Pacelli. Curso de processo penal, São Paulo: Ed. Atlas, 2014, p. 8.
[14] Dentre outros textos do mesmo autor, cf. COSTA, Eduardo José da Fonseca, “O processo como instituição de garantia”, https://www.conjur.com.br/2016-nov-16/eduardo-jose-costa-processo-instituicao-garantia.
[15] Cf. AROCA, Juan Montero. Principios del processo penal – Una explicación basada em la razón. Buenos Aires: ASTREA – Tirant lo Blanch, 2016, p. 29.
[16] Cf. LOPES, José António Mouraz. A tutela da imparcialidade endoprocessual no processo penal português, Coimbra: Coimbra Editora, 2005, p. 40.
[17] Com maior desenvolvimento sobre o tema, cf. o meu “Processo Jurisdicional, República e os Institutos Fundamentais do Direito Processual”, RePro 241/27, mar/2015; tb. na Revista de Direito Processual Civil da FADIPA, http://www.portal.anchieta.br/revistas-e-livros/direito-processual-civil/pdf/artigo-direito-proc-civil-vol1-5.pdf. Em espanhol, sob o título “Proceso jurisdiccional, república, y los institutos fundamentales del derecho procesal”, na RBDPro 88/251, out-dez/2015.
[18] Cf. OLIVEIRA Jr. Zulmar Duarte, e SOUSA, Arthur Freitas de. “O juiz das garantias se aplica ás ações de improbidade administrativa?”, https://www.migalhas.com.br/coluna/tendencias-do-processo-civil/323774/o-juiz-das-garantias-se-aplica-as-acoes-de-improbidade-administrativa.
[19] Cf. NUCCI, Guilherme de Souza. Pacote Anticrime Comentado – Lei 13.964, de 24.12.2019. Rio de Janeiro: Gen Forense, 2020, p. 37.
[20] A doutrina do processual-penalística nunca teve dificuldade em compreender a estrutura constitucional acusatória do “processo” penal. Dentre outros: OLIVEIRA, Eugênio Pacelli, op. cit p. 13. CHOUKR, Fauzi Hassan. Introdução ao processo penal. Ed. Tirant lo Blanch, 2ª edição, p. 40 [sem indicação do ano e cidade da edição]; LOPES JR. Aury, Direito processual penal, São Paulo: Ed. Saraiva, 11ª edição, 3ª tiragem, 2014, p. 124, prefere falar em “critério de democraticidade”, o que, em essência, não deixa de remeter a ideia de acusatoriedade.
[21] Neste sentido, cf. AROCA, Juan Montero. Proceso penal y libertad – Ensayo polémico sobre el nuevo proceso penal. Madrid: Thomson Civitas, 2008, pp. 229-235.
[22] Cf., do respectivo autor na Coluna Garantismo Processual da página web Empório do Direito, “Juiz de garantias e viés de confirmação” [https://emporiododireito.com.br/leitura/54-juiz-de-garantias-e-vies-de-confirmacao#:~:text=Al%C3%A9m%20de%20fundamentos%20jur%C3%ADdico%2Dnormativos,por%20isso%2C%20sem%20proveito%20intelectual.].
[23] Cf. o meu “Sistema de enjuizamento escalonado (ou procedimento judicial funcionalmente escalonado). Repensando o modelo de processo”, RBDPro 71/65, jul-set/2010. Essa minha ideia de procedimento escalonado também pode ser vista em “Repensando a prova de ofício”, RePro 190/315, dez/2010; tb. na Revista de Direito Processual Civil da FADIPA [http://www.portal.anchieta.br/revistas-e-livros/direito-processual-civil/pdf/artigo-direito-proc-civil-vol1-4.pdf.].
[24] Idem.