105. CONTEÚDO MÍNIMO E PRÉ-LEGISLATIVO DA GARANTIA DA IMPARCIALIDADE

A ORIGINALIDADE COGNITIVA DO JUIZ

    1. legislativo garantismo imparcialidadeConsiderações iniciais

    Jurisdição é aplicação do direito por um terceiro imparcial à relação jurídica discutida, cujas decisões não se submetem a controle externo de mérito[2]. A parcialidade degenera a jurisdição em arbítrio[3]. Não há jurisdição onde falta imparcialidade[4].

    Processo é instituição[5] de garantia[6] de liberdade (positiva e negativa)[7] que visa à limitação das instituições-pessoa de poder, para que exerçam suas funções sem abusos, desvios e excessos. Impossível conter o poder jurisdicional exercido parcialmente. Não há processo onde falta imparcialidade.

    Portanto, a imparcialidade se coloca entre a instituição-coisa de garantia do processo e a instituição-pessoa de poder do Judiciário. É constitutiva desta e condição de possibilidade daquela. Ausente, ambas são reduzidas a simulacros.

    O que levaria a supor que a garantia da imparcialidade ocupa posição central nas preocupações da comunidade jurídica, notadamente da processualística. Não é, todavia, o que sucede.

    Impera entre nós uma histórica desatenção dispensada à garantia da imparcialidade[8]. Grosso modo, sua tutela jurídica foi reduzida aos róis de impedimento e suspeição, interpretáveis restritivamente e sem emprego de analogia[9]. Situações outras, que não estejam inequivocamente descritas no antecedente das respectivas regras[10], via de regra[11] são desconsideradas. A ponto de se definir o instituto por exclusão: imparcialidade é ausência de impedimento ou suspeição[12].

    Redução ainda mais agudizada pela doutrina – e jurisprudência – que erigiu um regime dual de quebras de imparcialidade: o impedimento é objetivo, tutela o interesse público, gera presunção absoluta de parcialidade (o reconhecimento do impedimento exige apenas a demonstração da hipótese legal), não se submete a preclusão e constitui vício rescisório; a suspeição é subjetiva, tutela o interesse privado, gera presunção relativa de parcialidade (o reconhecimento da suspeição exige, além da demonstração da hipótese legal, a efetiva prática de atos de beneficiamento ou perseguição pelo juiz), submete-se a preclusão e não constitui vício rescisório[13].

    Já defendi a indistinção entre impedimento e suspeição e, consequentemente, um regime uno de tutela jurídica da garantia da imparcialidade[14]. Aproveito para afirmar que minha crítica ao regime dual não nega a importância dos róis de impedimento e suspeição. Penso que eles cumprem o importante papel de facilitar a tutela jurídica da imparcialidade ao instituírem inferências normativo-jurídicas de parcialidade resistentes a inferências epistêmicas de imparcialidade: configurada uma hipótese de impedimento ou suspeição tem-se razão suficiente, excludente de todas as demais, para afastar o juiz por parcialidade[15]. O que pretendo acrescentar aqui é que tais róis, todavia, não exaurem a tutela jurídica da imparcialidade. Vou me utilizar da construção, em curso há aproximadamente quarenta anos, que vem se ocupando da definição do conteúdo mínimo da garantia que antecede, condiciona e limita as intervenções do legislador na matéria. Descreverei sucintamente essa construção e ilustrarei a sua aplicação argumentando pela inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 971 do CPC.

    1. Conteúdo mínimopré-legislativo da garantia da imparcialidade

    Direitos e garantias fundamentais são direitos subjetivos públicos que limitam o poder estatal em face da liberdade individual. O Estado está vinculado aos direitos e garantias fundamentais e a subordinação do Legislativo é estabelecida por um vínculo de reserva de lei proporcional: leis regulamentadoras dos direitos fundamentais encerram intervenções que só são constitucionais se forem proporcionais, controle que cabe precipuamente ao Judiciário[16]. Para tanto é necessário estabelecer “regras metodológicas que sejam ao mesmo tempo claras, rígidas e rigorosas, permitindo alcançar o consenso necessário para a tutela da segurança jurídica nessa área de relevância incontestável”[17]. Do contrário, o Legislativo fica livre para intervir nos direitos fundamentais e o Judiciário fica igualmente livre para fiscalizar tais intervenções. Nessa dupla liberdade, instaurar-se-ia um paradoxo que colapsaria instituições caras do constitucionalismo, como a vinculação aos direitos e garantias fundamentais, o judicial review, a separação dos Poderes e o princípio democrático. Claro, nem o mais bem sucedido empreendimento de dogmática jusfundamental manietará completamente as agências estatais. Buscar esse conteúdo mínimo, porém, é a alternativa que fornece as melhores condições para que possamos identificar, de um lado, as zonas irredutíveis dos direitos e garantias fundamentais que não podem sofrer intervenções do Legislativo e que devem ser tuteladas (e também não violadas) pelo Judiciário, e, de outro, os desacordos morais razoáveis cuja solução se inscreve no âmbito de discricionariedade do Legislativo[18], e que não podem ser usurpadas pelo Judiciário. Portanto, se não estabelecermos o conteúdo mínimo da garantia da imparcialidade a totalidade da validez jurídica da sua disciplina ficará a cargo do Legislativo, excluindo-lhe o menor resquício de materialidade constitucional (supra e pré-legislativa). Ele terá plena liberdade de conformação e nenhuma função que atribuir ao juiz configurará intervenção desproporcional e passível de controle jurisdicional – ao mesmo tempo em que, paradoxalmente, os juízes fiscalizarão as escolhas do legislador também de modo totalmente livre. No limite, a imparcialidade deixaria de ser uma garantia contrapoder que atua como parâmetro de interpretação e controle de constitucionalidade das escolhas do legislador (e das ações e decisões dos juízes) para ser (rebaixada a) um instrumento do poder inteiramente disponível à legitimação dos seus desígnios. Uma garantia fundamental que não bitola o Estado, é subordinada por ele[19].

    De modo que o legislador não detém o monopólio da tutela jurídica da garantia da imparcialidade. Sua atuação nessa área é da maior importância, mas não imprescindível[20]. A condensação do conteúdo mínimo da garantia da imparcialidade aponta para a necessidade e possibilidade de reconhecer quebras de imparcialidade além e eventualmente contra as prescrições legais[21]. Aqui entra a dimensão objetiva da garantia da imparcialidade e seu corolário da exigência de OC do juiz à via cada vez mais explorada dos achados científicos dos vieses cognitivos[22].

    1. Originalidade cognitiva(OC) do juiz e vieses cognitivos

    Desde os anos 1980 o Tribunal Europeu de Direitos Humanos (TEDH) vem consolidando a dimensão objetiva da imparcialidade, identificada pela parêmia da estética de imparcialidadeo juiz deve ser e parecer imparcial[23]. A OC consiste em que o juiz não pode ter conhecimento nem convencimento sobre o caso posto para julgamento fora do momento e das condições procedimentais adequadas. A dúvida fundada sobre a OC impõe o seu afastamento. O TEDH identificou dúvida fundada sobre a OC de um o juiz que empregou a mesma fundamentação para decretar medidas cautelares no curso do procedimento, inclusive prisão preventiva, e julgar a causa (Hauschildt vs. Dinamarca, 1989)[24]. A orientação repercutiu no âmbito doméstico[25], inclusive fora da Europa[26].

    Embora tímida, a jurisprudência brasileira apresenta reflexos dessa tendência. A 3ª Câmara Criminal do TJRS, após ter anulado uma instrução e desconstituído uma sentença por ter o juiz inquirido as testemunhas antes das partes, violando o art. 212, CPP, acolheu arguição de suspeição, apresentada quando do retorno dos autos à primeira instância, na qual se argumentava que o magistrado já tinha convencimento formado sobre o caso e por isso não tinha a necessária imparcialidade para julgar[27]. A 2ª Turma do STF estimou violada a dimensão objetiva da imparcialidade como OC num caso em que o juiz proferiu decisões direta e expressamente baseadas em elementos de prova colhidos em procedimento oficioso anterior, conclusão que encerra, segundo o voto do Min. Cezar Peluso, interpretação extensiva do art. 252, III, CPP, para que incida em dimensão vertical (relação entre instâncias) e horizontal (atuação em processos diversos, mas conexos, na mesma instância)[28].

    Os dois exemplos demonstram a OC atuando como critério interpretativo das hipóteses de impedimento e suspeição já vertidas no direito positivo, orientando a sua interpretação extensiva. Solução benfazeja, pois estende as inferências normativas de parcialidade para além da estrita literalidade, reduzindo em alguma medida o ônus argumentativo da parte. Contudo, e como já dito, ela também pode atuar como critério definidor de quebras de imparcialidade além e eventualmente contra previsões legais. É justamente aqui que vieses cognitivos podem auxiliar.

    Possuímos racionalidade limitada. Nossa capacidade de processar informações é muito inferior à quantidade e complexidade de informações que recebemos. Por isso a mente humana cria atalhos que visam a facilitar e simplificar nossos processos decisórios gerando automatismos mentais que dão aparência de plenitude a deliberações prenhes limitações avaliativas (supervalorização, menosprezo, desconsideração de dados). No caso dos juízes, os vieses cognitivos podem encobrir quebras inconscientes de imparcialidade[29]. A título de exemplo: o viés de confirmação[30] contraindica que o juiz reexamine o caso depois da anulação da sua decisão anterior, pois já manifestou seu convencimento e tende inconscientemente a reiterá-lo; o viés de representatividade[31] contraindica que o mesmo juiz instrua e julgue, pois pode alicerçar sua decisão em preconceitos inconscientes e implícitos, por isso não fiscalizáveis (v. g., negar valor à palavra da testemunha que estava nervosa por se associar estado de espírito necessariamente à insegurança e à falsidade, ignorando que pode derivar de outros fatores, como estar diante de uma autoridade e/ou um estado natural de ansiedade)[32]. Como se vê, os vieses cognitivos mais solidamente estudados e explorados podem contribuir para condensar o conteúdo mínimo da garantia da imparcialidade no que concerne à sua dimensão objetiva, auxiliando na identificação racional de casos em que se pode falar em dúvida fundada sobre a OC do juiz, independentemente de e até contrariamente a prescrições legais.

    Ampliam-se as vias de tutela jurídica da garantia da imparcialidade, variando a intensidade dos ônus argumentativos conforme o fundamento invocado: menos exigente quando consistente na aplicação de alguma hipótese de impedimento e suspeição, pois demandará apenas a demonstração da sua incidência in casu (v. g., que a juíza é mãe do autor; que o juiz é amigo íntimo do advogado do réu etc.); mais exigente quando consistente na demonstração casuística, tirada inclusive do conteúdo das decisões, de que o juiz formou conhecimento convencimento fora do momento e das condições adequadas, pois exigirá uma articulação com os achados científicos dos vieses cognitivos e que estes já tenham sido efetivamente testados e revelado o elevado risco de parcialidade.

    Essa fusão entre dimensão objetiva da garantia da imparcialidade e vieses cognitivos vai ao encontro da ideia de que o magistrado deve ser um terceiro desinteressado que desconhece os fatos da causa e deles toma conhecimento apenas através dos meios de prova colhidos no interior do procedimento em contraditório[33]. Transcendendo a ideia para todos os assuntos relevantes do caso – fáticos, probatórios e jurídicos –, resulta que quando o juiz tem conhecimento convencimento prévios a garantia de influência[34] é reduzida a flatus vocis[35]. Essa intuição está à base da regra segundo a qual, tirante os fatos notórios, que não são objeto de prova (CPC, art. 374, I), o juiz que tem conhecimento privado dos fatos é impedido de julgar, tendo legitimidade apenas para depor (CPC, art. 452, I). Daí a estreita relação também entre OC, vieses cognitivos e contraditório[36].

    1. Originalidade cognitivana prática

    Assentadas essas premissas, ilustro com a inconstitucionalidade vertida no parágrafo único do art. 971, segundo o qual, na ação rescisória, a escolha de relator recairá, sempre que possível, em juiz que não haja participado do julgamento rescindendo. Note-se que o julgador que participou da decisão rescindenda não fica impedido de atuar na ação rescisória, apenas não deve, preferencialmente, ser o seu relator.

    O dispositivo é anacrônico. Ele insere na legislação o teor da súmula 252 do STF, aprovada na década de 1960 – e frise-se: desde então não reafirmado pelo tribunal –, com base em fundamentos jurídicos e pragmáticos bem definidos: o fundamento jurídico era a inexistência de vedações dessa hipótese tanto no CPC/39 quanto nos regimentos internos dos tribunais; o fundamento pragmático consistia no fato de que àquela época muitos tribunais locais tinham composição diminuta, de modo que o afastamento dos que participaram da decisão rescindenda poderia inviabilizar o julgamento da ação rescisória[37]. A situação histórica absolve o STF, mas não os que repisaram tal orientação em pleno curso da primeira metade da segunda década do século XXI.

    O dispositivo é inconstitucional. Impossível afirmar com pretensão de verdade inabalável que ninguém é bom juiz de si mesmo, mas certamente há dúvida fundada sobre a OC do julgador que é instado a avaliar a correção de decisões por ele proferidas, suficiente mesmo para reconhecer a violação da dimensão objetiva da garantia da imparcialidade. Observe-se que essa precaução não é estranha ao legislador do procedimento civil brasileiro. O art. 134, III, CPC/73, prescrevia que o juiz era impedido de exercer as suas funções no processo que conheceu em primeiro grau de jurisdição, tendo-lhe proferido sentença ou decisão. Malgrado as claras restrições textuais – limitação objetiva, ou seja, apenas para a atuação em meios internos de impugnação, e limitação subjetiva, ou seja, apenas o desembargador ficava impedido de reexaminar decisões que proferira como juiz[38] –, parte da doutrina estendia a vedação a todos os graus de jurisdição[39], alguns às ações autônomas de impugnação de decisão judicial, inclusive a ação rescisória, propondo a superação da súmula 252 do STF[40]. O art. 144, II, CPC/15, tem por impedido o juiz que conheceu do processo em outro grau de jurisdição, tendo proferido decisão. Ao substituir «primeiro grau de jurisdição» por «outro grau de jurisdição» e «sentença ou decisão» apenas por «decisão», o dispositivo colhe, pelo menos quanto aos meios internos de impugnação, a atuação em todos os graus de jurisdição, tanto inferior quanto superior[41]. Os defensores do (e responsáveis pelo) parágrafo único do art. 971 do CPC deveriam explicar a particularidade fisiológica da mente humana que faz com que a imparcialidade do juiz seja comprometida quando o juiz é instado a reexaminar uma decisão por ele proferida por meio interno de impugnação, mas não seja comprometida quando instado a fazê-lo por meio externo de impugnação. Provoco, mas não sou mais jocoso do que a positivação dessa solução na legislação nacional. Às escâncaras, o parágrafo único do art. 971 do CPC desdenha da exigência de OC do juiz e é inconstitucional[42].

    As razões lançadas no item 1, acima, demonstram que para mim não é importante definir se a hipótese é de impedimento e suspeição, afinal advogo de lege lata a existência de um regime uno de tutela da garantia da imparcialidade, inclusive para fins de cabimento de ação rescisória. Quem assim não pensa, porém, pode, ao declarar a inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 971 do CPC, enquadrar, por interpretação extensiva, na hipótese de impedimento do art. 144, II, CPC. No limite, cabe na causa de suspeição do art. 145, IV, CPC – afinal, o juiz sem OC tem interesse em ver o caso julgado consoante o entendimento que formou fora do momento e das condições adequadas.

    1. Considerações finais

    A vencedora concepção subjetivista reduziu a imparcialidade a uma “qualidade pessoal do magistrado”[43] que não persegue “vantagem pessoal de qualquer ordem”[44], ou, quando menos, confinando-a no insondável “estado de espírito pertinente à convicção” do juiz[45]. É de todo desejável que os decisores nutram esse hábito[46] em nível introspectivo[47], mas construir o conceito exclusiva ou preponderantemente sobre essas bases faz a garantia depender essencialmente das determinações morais do julgador de turno[48], o que a enfraquece sobremodo. Essa hegemonia gerou apatia teórica e dogmática que pode ser vista, v. g., no regime dual de tutela jurídica da garantia da imparcialidade e o monopólio legislativo do seu desenho institucional.

    É salutar adotar uma concepção objetivista da garantia da imparcialidade. Passa-se à condensação do seu conteúdo mínimo e permite-se a sua tutela jurídica para além dos importantes (embora precários) róis de impedimento e suspeição, inclusive contra legem quando o legislador imputar funções ao juiz que sejam incompatíveis com a garantia[49]. Manifestação disso é a exigência de OC, por força da qual a dúvida fundada sobre a formação do conhecimento e convencimento fora do momento e das condições adequadas gera o seu afastamento. Exemplo indicado é o do julgador que participou do julgamento da decisão rescindenda, que fica, por dúvida fundada acerca de sua OC impedido de participar da ação rescisória. Explorar cuidadosamente essa via é um passo necessário em direção ao resgate da dignidade da garantia da imparcialidade.

    Aliás, o momento é bastante oportuno. Recentemente o ministro Luis Roberto Barroso se referiu a ostensivas transgressões da garantia da imparcialidade como meros “pecadilhos” que se dissolvem em face de “saldo extremamente positivo” atingido com a atuação do juiz parcial. Embora vencida, a opinião abre oportunidade para uma reflexão, digamos, mais etérea. Soluções normativas são imprescindíveis à preservação da imparcialidade, mas não bastam. Como o direito lida com símbolos muito sensíveis, tão importantes quanto frágeis, a sua preservação depende da assunção de uma certa disposição, de uma determinada postura, de verdadeiras soluções de compromisso inclusive no nível da aparência. Assim é com a imparcialidade: não basta que nos preocupemos com ela, deve parecer que nos preocupamos com ela. Contudo, aquela fala do ministro faz parecer que não se preocupa com a garantia. O que fragiliza o símbolo e o próprio Judiciário. Porque a preservação do poder não assenta apenas no temor da sua força – ele sempre será força –, mas também na credibilidade que inspira. E ninguém confia num juiz que parece parcial (talvez contra um inimigo e pautas antipatizadas; certamente não contra si, os seus e suas causas)De modo que o primeiro passo rumo à revitalização da garantia da imparcialidade é fazer parecer que a levamos a sério; que para nós a sua violação vai muito além de reles irregularidade ou pecadilho, mas constitui o primeiro e definitivo dos ilícitos dos juízes, seu pecado capital.

    [2] COSTA, Eduardo José da Fonseca. Levando a Imparcialidade a Sério. Proposta de um modelo interseccional entre direito processual, economia e psicologia. Salvador: JusPodivm, 2018, p. 17.

    [3] A jurisdição não se converte em administração pública. Primeiro, porque o mérito dos atos desta são, em maior ou menor medida, suscetíveis de controle externo pelo Judiciário. Segundo, porque o administrador público não está dispensado da imparcialidade, ainda que se concorde com Eduardo José da Fonseca Costa quando argumenta que, para a administração pública, o dever de imparcialidade é uma imposição infraconstitucional. Assim: GONÇALVES, Marcelo Barbi. Teoria Geral da Jurisdição. Salvador: JusPodivm, 2020, p. 324.

    [4] GONÇALVES, Marcelo Barbi. Teoria Geral da Jurisdição. Salvador: JusPodivm, 2020, p. 109.

    [5] COSTA, Eduardo José da Fonseca. O Processo como Instituição de Garantia. Consultor Jurídico, São Paulo, 16 nov. 2016. Opinião. Disponível em: https://bit.ly/2WWdArD. Acesso em 05.11.2019.

    [6] COSTA, Eduardo José da Fonseca. Garantia: dois sentidos, duas teorias. Empório do Direito, Florianópolis, 23 dez. 2019. Coluna Garantismo Processual. Disponível em: https://bit.ly/3fPwc5i. Acesso em 29.12.2019.

    [7] COSTA, Eduardo José da Fonseca. Processo: garantia de liberdade [freedom] e «liberdade» [liberty]. Empório do Direito, Florianópolis, 21 ago. 2018. Disponível em: https://bit.ly/3dRF74x. Acesso em 05.11.2019. COSTA, Eduardo José da Fonseca. Notas para uma Garantística. Empório do Direito, Florianópolis, 04 jul. 2018. Coluna Associação Brasileira de Direito Processual. Disponível em <https://bit.ly/2LrCKJz>. Acesso em 05.11.2019.

    [8] Já se afirmou que “o Brasil é o túmulo da imparcialidade judicial” (COSTA, Eduardo José da Fonseca. Imparcialidade judicial no controle abstrato de constitucionalidade. Empório do Direito, Florianópolis, 19 abr. 2021. Coluna Garantismo Processual. Disponível em: https://bit.ly/3nCfJ92. Acesso em: 28.04.2021).

    [9] THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. V. I, 57 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 433; STF, HC 64.574/MG, rel. Min. Francisco Rezek, 2ª T., j. em 17.03.1987; STJ, REsp 1.080.859/AC, rel. Min. Nancy Andrighi, 3ª T., j. em 18.11.2008.

    [10] Um amplo rol pode ser encontrado em: GONÇALVES, Marcelo Barbi. Teoria… p. 110.

    [11] Há temperamentos: alguns admitem interpretação extensiva das hipóteses de impedimento, dado o seu caráter moralizante (CIANCI, Mirna. Comentários ao Novo Código de Processo Civil. 2 ed. Coord. Antonio do Passo Cabral et al. Rio de Janeiro: Forense, 2016, versão eletrônica, posição 262); outros admitem interpretação extensiva apenas das hipóteses de suspeição (DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. 6 ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 232), o que alguns consideram desnecessário dada a norma de encerramento do art. 145, IV, CPC, permitindo que o perigo de parcialidade seja apurado in casu (NERY JR, Nelson. NERY, Rosa Maria de Andrade. Comentários ao Código de Processo Civil. Novo CPC – Lei 13.105/2015. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, p. 604); alguns admitem a ampliação das hipóteses de suspeição dos integrantes de tribunais por previsões regimentais (MOREIRA, José Carlos Barbosa. O Novo Processo Civil Brasileiro. 21 ed. Rio de Janeiro: 2001, p. 42).

    [12] MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Teoria Geral do Processo. Rio de Janeiro: Forense, 2018, versão eletrônica, posição 95.

    [13] Defendendo o regime dual: XAVIVER, Trícia Navarro. Ordem Pública Processual. Brasília: Gazeta Jurídica, 2015, p. 186; GRECO, Leonardo. Instituições de Processo Civil. V. I. 5 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 330; NERY JR., Nelson. NERY, Rosa Maria de Andrade. Comentários, págs. 595 e 602. Reconhecendo o regime dual de lege lata, mas criticando-o: ABELHA, Marcelo. Manual de Direito Processual Civil. 6 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016, versão eletrônica; NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo CPC Comentado. Salvador: JusPodivm, 2016, p. 245. Denunciando a artificialidade do regime dual, por não ser informado por nenhum critério lógico: MEDINA, José Miguel Garcia. Novo Código de Processo Civil Comentado. 4 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016, p. 270; GONÇALVES, Marcelo Barbi. Teoria…, págs. 326-327.

    [14] O leitor interessado por procurar por: SOUSA, Diego Crevelin de. Distinção entre impedimento e suspeição? Empório do Direito, Florianópolis, 29 jul. 2019. Coluna Garantismo Processual. Disponível em: https://bit.ly/2Q5icMZ. Acesso em: 18.04.2021. Ainda: REICHELT, Luis Alberto. O direito fundamental das partes à imparcialidade do juiz no direito processual civil. Revista dos Tribunais Online, Revista de Processo, v. 227, p. 105-122, jan. 2014.

    [15] SANTOS, Ernane Fidelis dos. Manual de Direito Processual Civil. V. 3. 15 ed. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 565.

    [16] MARTINS, Leonardo. Liberdade e Estado Constitucional. Leitura jurídico-dogmática de uma complexa relação a partir da teoria liberal dos direitos fundamentais. São Paulo: Atlas, 2012, p. 94 e ss.

    [17] DIMOULIS, Dimitri. MARTINS, Leonardo. Teoria Geral dos Direitos Fundamentais. 6 ed. São Paulo: Thomson Reuters, 2018, p. 20.

    [18] FONTES, Paulo Gustavo Guedes. Neoconstitucionalismo e Verdade. 3 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2020, p. 166.

    [19] Adeptos do garantismo processual também incorrem no equívoco de limitar as quebras de imparcialidade às escolhas do Legislativo: AROCA, Juan Montero. Sobre la Imparcialidad del Juez y la Incompatibilidad de Funciones Procesales. Valencia: Tirant lo Blanch, 1999, p. 225.

    [20] Sustentando a necessidade de afastar o temor da parcialidade nos níveis administrativo (regimentos internos dos Tribunais), legislativo (regras de distribuição de competência) e jurisdicional: GIACOMOLI, Nereu José. O Devido Processo Penal. Abordagem conforme a CF e o Pacto de São José da Costa Rica. 3 ed. São Paulo: Atlas, 2016, versão eletrônica.

    [21] GIACOMOLI, Nereu José. O Devido

    [22] Por todos: COSTA, Eduardo José da Fonseca. Levandopassim.

    [23] Próximo: GONÇALVES, Marcelo Barbi. Teoria…, p. 325.

    [24] Outros casos referidos em: GIACOMOLI, Nereu José. O Devido

    [25] A 2ª Sala do Supremo Tribunal de Espanha tem decisões, desde os primeiros anos da década de 1990, no sentido de que, declarado nulo um juízo oral pelo provimento de recurso de cassação por violação das formas essenciais do mesmo, do novo juízo oral não podem conhecer os mesmos magistrados que conheceram do juízo anterior e que proferiram a sentença recorrida e anulada (AROCA, Juan Montero. Sobre, p. 30).

    [26] A Corte Suprema da Nação da Argentina decidiu, em 2005, que o juiz que instrui não pode julgar (MEROI, Andrea A. La Imparcialidad Judicial. Serie Breviarios Procesales Garantistas. Dirección: Adolfo Alvarado Velloso. Coordinador Local: Jorge D. Pascuarelli, André Repetto. V. 9. Rosario: Ediciones AVI S.R.L., 2013, p. 12).

    [27] Lamentavelmente, a decisão foi reformada pelo STJ: GIACOMOLI, Nereu José. O Devido

    [28] HC 94.641, Relator(a): Ellen Gracie, rel. p/ Acórdão Min. Joaquim Barbosa, 2ª T., j. 11.11.2008.

    [29] Demonstrando a relação entre heurísticas e racionalidade limitada no sentido de que atalhos cognitivos aceleram o processo decisório e, forjando respostas satisfatórias aos nossos requisitos mínimos de racionalidade, encerram-no: COSTA, Eduardo José da Fonseca. Levando…, p. 86 e ss.

    [30] COSTA, Eduardo José da Fonseca. Levando, p. 156.

    [31] LEITE, Hebert Soares. A Cognição Judicial Imparcial e os Efeitos dos Vieses Cognitivos no Processo Penal Democrático. Dissertação (mestrado em Direito). 122/f. Data da defesa: 17/02/2020. Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2020, p. 73.

    [32] Apontando para o princípio da identidade física do juiz como uma fonte privilegiada de disparos do viés de representatividade: COSTA, Eduardo José da Fonseca. Levando, p. 142.

    [33] SILVA, Beclaute Oliveira. Verdade como objeto do negócio jurídico processual. Coleção Novo CPC. Doutrina Selecionada. V.3. Salvador: JusPodivm. 2015, p. 220.

    [34] THOEODORO JÚNIO, Humberto. NUNES, Dierle José Coelho. Uma dimensão que urge reconhecer ao contraditório no direito brasileiro: sua aplicação como garantia de influência, de não surpresa e de aproveitamento da atividade processual. Revista dos Tribunais OnlineRevista de Processo, p. 107, Fev/2009.

    [35] ROSA, Alexandre Morais da. LOPES JR., Aury. Quando o juiz já sabia: a importância da originalidade cognitiva no Processo Penal. Consultor Jurídico, São Paulo, 29 abr. 2016. Coluna Limite Penal. Disponível em: https://bit.ly/3mayoap, acesso em 25.11.2020.

    [36] Entrevendo um elemento psicológico quando se confere o poder de avaliar a correção do conteúdo de um ato judicial a quem o proferiu, mitigando o direito de influência das partes: SOKAL, Guilherme Lajes. O Procedimento Recursal e as Garantias Fundamentais do Processo: a colegialidade no julgamento da apelação. Dissertação (Mestrado em Direito) 314/f. Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2011, p. 240.

    [37] SOKAL, Guilherme Lajes. O Procedimento…, págs. 239-240.

    [38] Posição defendida, por exemplo, por: NERY JR., Nelson. NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado. 11 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 417.

    [39] Nesse sentido, por exemplo: MACHADO, Antônio Cláudio da Costa. Código de Processo Civil Interpretado: artigo por artigo. 14 ed. São Paulo: Manole, 2015, p. 129; PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários ao Código de Processo Civil. Tomo II. 4 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997.

    [40] Nesse sentido, com razão: BARBI, Celso Agrícola. Comentários ao Código de Processo Civil. V. I. 7 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1992, p. 336; BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Código de Processo Civil Interpretado. Coord. Antonio Carlos Marcato. São Paulo: Atlas, 2004, p. 375. Corrijo os equívocos – injustificáveis – nos quais incorri em textos anteriores ao interpretar e criticar, parcialmente, esse posicionamento de José Roberto dos Santos Bedaque. Sem razão, eu disse que para ele a súmula permitia interpretação em tal sentido. A súmula não permite e Bedaque nunca disse que ela permite. O autor se opôs, com razão, ao enunciado do STF.

    [41] Argumentando acertadamente que o juiz convocado para exercer funções no tribunal de segunda instância fica impedido, cessada a convocação, de exercer suas funções no processo de que já conhecera no órgão superior: CÂMARA, Alexandre Freitas. O Novo Processo Civil Brasileiro. São Paulo: Atlas, 2015, p. 112.

    [42] Assim, no mínimo de lege ferenda: COSTA, Eduardo José da Fonseca. Levando…, p. 200.

    [43] ALVIM, Arruda. Código de Processo Civil ComentadoV. V. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1979, p. 19.

    [44] NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual…, p. 165.

    [45] CABRAL, Antonio do Passo. Imparcialidade e Impartialidade. Por uma teoria sobre repartição e incompatibilidade de funções nos processos civil e penalRevista dos Tribunais OnlineRevista de Processov. 149, p. 339, jul./2007.

    [46] “Significa uma disposição constante para ser ou agir de certo modo” (ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 495).

    [47] FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. Teoria do garantismo penal. 3 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 465.

    [48] MEROI, Andrea A. La Imparcialidad…, p. 15.

    [49] Daí a imbricação entre imparcialidade e impartialidade: SOUSA, Diego Crevelin de. Impartialidade. A divisão funcional de trabalho entre partes e juiz a partir do contraditório. Belo Horizonte: Letramento / Casa do Direito, 2021, p. 136 e ss. Negando a relação: CABRAL, Antonio do Passo. Imparcialidade…

Autor

  • Diego Crevelin de Sousa

    Mestre em direito processual pela Universidade Federal do Espírito Santo. Conselheiro da Associação Brasileira de Direito Processual. Parecerista ad hoc da Revista Brasileira de Direito Processual. Professor do curso de direito das Faculdades Integradas de Aracruz-ES. Advogado.



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